A baixa capacidade de investimento público, especialmente no nível municipal, tem sido um grave gargalo no desenvolvimento do país. Segundo o levantamento do Índice Firjan 2019, 49,4% das cidades gastaram mais de 54% da receita com pessoal, enquanto 47,7% investiram em média apenas 3%. Isso significa que poucos recursos conseguiram ser destinados a projetos que proporcionam uma melhora na qualidade de vida da população, como obras de saneamento básico, projetos de mobilidade urbana, programas de modernização da gestão pública, entre tantos outros.
Com o crescimento dos casos de Covid em 2020, esse cenário se acentuou. Por um lado, a queda na arrecadação e os onerosos gastos com saúde contribuíram para uma menor disponibilidade de recursos públicos, enquanto por outro, as vulnerabilidades e demandas sociais se agravaram.
Diante disso, passou a ser fundamental o protagonismo dos executivos municipais em buscar soluções e alternativas para garantir o bem-estar de sua população. Dentre diversas possibilidades, desde parcerias com setor privado até a utilização de dados e tecnologia para pautar decisões, ganha destaque uma delas: o financiamento internacional de projetos.
O que é o financiamento internacional de projetos?
Essa modalidade de captação de recursos, prevista na Constituição e detalhada em Resoluções do Senado Federal, permite os entes públicos brasileiros realizarem operações de crédito com instituições financeiras internacionais. São recursos reembolsáveis, emprestados por bancos de desenvolvimento, que tem como objetivo financiar projetos que visem a melhora na qualidade de vida da população.
Segundo dados do SADIPEM (Sistema de Análise da Dívida Pública, Operações de Crédito e Garantias da União, Estados e Municípios), 3,7 bilhões de dólares, distribuídos em 56 projetos, entraram no país via operações de crédito externo de prefeituras nos últimos 5 anos. Recebem destaque os estados de São Paulo, Ceará e Bahia, cujos respectivos municípios concentram 49,6% desse montante.
Como ele funciona?
As operações de crédito externo para estados e municípios precisam ser autorizadas pelo Governo Federal e pelo Senado. Para tanto, é necessária a aprovação em quatro principais etapas: Cofiex, Tesouro Nacional, PGFN e Senado Federal.
A primeira instância é a Cofiex, Comissão de Financiamentos Externos, órgão vinculado ao Ministério da Economia responsável pela apreciação dos projetos para captação internacional. O estado ou município deve enviar uma carta-consulta que será analisada pelo GTEC (Grupo de Técnico da Cofiex), levando em consideração o conteúdo técnico do projeto e uma análise preliminar da Capacidade de Pagamento do ente.
Com a aprovação da Cofiex, é aberto um Pedido de Verificação de Limites (PVL) junto à Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Essa segunda etapa tem como objetivo avaliar as finanças estaduais ou municipais e as condições do empréstimo, a fim de entender se estão dentro dos critérios determinados pela legislação.
Com o parecer favorável da STN, o processo é encaminhado para a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), onde é realizada a análise jurídica das minutas do contrato. Em seguida, o pedido é encaminhado para a Presidência da República, que envia mensagem ao Senado para aprovação no plenário. Com este último aval recebido, o ente é finalmente autorizado a assinar o contrato com a instituição financeira.
Quais tipos de projeto podem ser financiados?
A princípio, não há nenhuma limitação de escopo para o financiamento internacional de projeto. Todavia, as prioridades da Cofiex, do Senado e dos bancos financiadores, convergem na direção do Desenvolvimento Sustentável, recebendo destaque projetos desde em temas como Requalificação Urbana, Saúde e Educação, até Programas Integrados de Mobilidade, Cidades Inteligentes e Saneamento Básico.
Um exemplo de destaque foi o Programa Sanear Santo André, realizado junto ao Banco de Desenvolvimento da América Latina – CAF em 2019. Com o recebimento de 50 milhões de dólares da CAF, somados a outros 12,5 milhões de recursos próprios, a Prefeitura implementou o projeto que teve como objetivo reduzir os impactos econômicos e sociais provocados pelo regime de chuvas da região. Para tanto, foram realizadas obras de macrodrenagem, aperfeiçoamento da gestão dos resíduos sólidos e a modernização do sistema de monitoramento de chuvas.
Quem são os financiadores?
Existe uma extensa lista de instituições e organismos internacionais que financiam projetos em governos ao redor do mundo. Todavia, nos últimos 5 anos, apenas 5 bancos concretizaram empréstimos para prefeituras brasileiras: o Banco de Desenvolvimento da América Latina – CAF, o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, o Fundo Financeiro para Desenvolvimento da Bacia do Prata – FONPLATA, o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD e a Agência Francesa de Desenvolvimento – AFD.
Os desafios e limitações do financiamento internacional de projetos
Diante do agravamento da situação econômica e social do país, o aproveitamento de recursos internacionais pode viabilizar projetos nos mais diversos temas e nos impulsionar rumo à retomada. Apesar de pertinente e viável, a captação internacional por prefeituras conta com algumas limitações. A primeira delas é o porte dos municípios, sendo autorizados a pleitear recursos externos, apenas os municípios com população superior a 100 mil habitantes. A segunda consiste nos limites e indicadores de finanças municipais exigidos pela STN, como forma de controlar o endividamento dos entes e garantir a capacidade de pagamento das parcelas de devolução. Esse fator limita o universo de municípios aptos a captar recursos externos àqueles com quadro de finanças municipais equilibrado. E por fim, a terceira limitação consiste na complexidade do trâmite e no seu tempo de duração, que pode chegar a dois anos desde o início da preparação do projeto até a assinatura do contrato.
Dessa maneira, vemos que a contratação de crédito externo é uma pertinente e viável alternativa para os municípios de médio e grande porte viabilizarem projetos nos mais diversos temas. Esforços nesse sentido poderão representar a implementação de importantes programas em um futuro de médio prazo.