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Considerações sobre a cesta básica da reforma Tributária

Introdução

A reforma tributária no Brasil representa uma questão complexa e de vital importância para a economia do país. Um dos elementos centrais dessa reforma é a proposta de criação de uma cesta básica nacional, que selecionaria produtos alimentícios isentos do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Atualmente, o país já opera sob um sistema que isenta certos produtos do PIS/COFINS e possui várias cestas básicas estaduais isentas de ICMS. No entanto, essa estrutura tem enfrentado críticas.
Uma das principais críticas ao sistema atual é a inclusão de produtos que não são realmente consumidos pelas populações mais vulneráveis, muitas vezes resultado de pressões de lobby. Essa distorção tem levado a questionamentos sobre a eficácia e justiça do sistema tributário atual em relação à cesta básica, especialmente quando se considera que os produtos isentos deveriam atender às necessidades das famílias de baixa renda.
A reforma tributária proposta oferece uma oportunidade única para revisar e padronizar a cesta básica nacional, baseando-se em dados concretos sobre o consumo alimentar das famílias mais necessitadas. Isso poderia permitir que o governo defina uma cesta básica mais alinhada com as necessidades reais dessas famílias, em vez de ser influenciada por interesses de grupos específicos.
Além disso, a criação de uma cesta básica nacional poderia levar a uma maior harmonização nas políticas tributárias entre os estados, evitando discrepâncias e conflitos que podem surgir de diferentes interpretações e aplicações das leis tributárias atuais. Isso, por sua vez, poderia contribuir para uma maior eficiência e equidade na tributação, beneficiando tanto o governo quanto os cidadãos.
Em suma, esta análise pretende explorar as complexidades e oportunidades inerentes à proposta de reforma tributária no que diz respeito à cesta básica nacional. A pesquisa se concentrará na avaliação dos potenciais vantagens e desafios desta proposta, considerando seu impacto na equidade tributária, eficiência governamental e bem-estar das famílias de baixa renda no Brasil.

O Debate Sobre a Tributação de Produtos Alimentícios e Políticas Alternativas

A tributação de produtos alimentícios é uma questão altamente debatida em muitos países. É comum a prática de taxar alimentos a uma taxa menor do que outros produtos, visto que o acesso a alimentos é uma necessidade humana básica. No entanto, poucos países reduzem a taxa a zero, dada a realidade de que, quanto menos um determinado setor ou tipo de produtos é taxado, mais os outros terão que ser, mantendo-se um nível fixo de despesa pública. A medida anterior da Reforma Tributária previa uma tributação de 50% da alíquota geral para a cesta básica, o que estaria mais em linha com a experiência internacional.

Ainda que a isenção fiscal (ou tributação menor) de produtos alimentares seja uma política adotada em diversos países, ela apresenta desvantagens em relação ao seu caráter distributivo. A isenção de impostos para produtos consumidos tanto pelos ricos quanto pelos pobres sinaliza um tratamento igualitário que pode não beneficiar especificamente os consumidores de menor renda. Vale notar, no entanto, que estudos empíricos[1] mostram que, quão mais desigual o país, mais efetiva é a isenção fiscal de produtos alimentícios. O Brasil, como se sabe, tem um dos maiores níveis de desigualdade de renda do mundo, o que favorece a efetividade social dessa política.

Uma alternativa à redução da tributação em produtos alimentares pode ser a transferência direta para famílias de maior vulnerabilidade social – que foi também aprovada na Reforma Tributária. Países como os Estados Unidos já utilizam esse sistema por meio de programas como os “food stamps”[2], e o próprio Brasil tem o Programa Bolsa Família como exemplo, apesar de este não ser destinado exclusivamente para segurança alimentar.

Uma forma de modular essa política pode ser também pela concessão de “cashback” dos impostos, ou reembolso para famílias de baixa renda. Essa abordagem tem sido argumentada como mais eficaz na promoção do acesso a alimentos para aqueles que mais precisam, e é adotada por países como o Canadá e diversos na América Latina: Bolívia, Colômbia, Equador e Uruguai. No entanto, ainda que haja a vantagem desse modelo, especialmente se for um valor fixo, de simplicidade, há também a desvantagem de que os beneficiários possivelmente não relacionarem o dinheiro devolvido ao IVA.

No Brasil, o debate ganha contornos específicos. Desde 2016, o governo federal estudava a possibilidade de substituir a isenção fiscal da cesta básica por um sistema de “cashback”. No Rio Grande do Sul, foi instituída o ‘Devolve ICMS’, que funciona como uma transferência de R$ 400 por ano para as famílias, que pode ter um complemento de acordo com o nível de consumo baseado em notas fiscais.

Existem, portanto, vantagens e desvantagens em ambas as abordagens: a isenção fiscal e o “cashback”. A isenção pode favorecer uma ampla acessibilidade aos produtos alimentícios, mas é suscetível a distorções e influências do lobby. Por outro lado, o “cashback” pode ser mais direcionado, mas requer uma administração eficaz e mecanismos de controle para garantir que alcance as famílias que realmente precisam.

Como mencionado anteriormente, o Brasil acabou por escolher tanto a isenção fiscal tradicional e o sistema de transferências para um mesmo objetivo: garantir que famílias de baixa renda tenham suas necessidades básicas atendidas. Ainda que ter ambas as políticas possam se revelar uma combinação ótima, para isso, é necessário que os parâmetros desses programas sejam bem ajustados, de modo a não haver redundâncias entre os dois e também outros, como o próprio Bolsa Família.

Qual deveria ser a cesta básica? Uma análise a partir dos dados

A definição do que compõe a cesta básica é um elemento crucial, pois determinará quão eficaz será o benefício para os mais pobres e quanto os outros produtos precisarão ser tributados. No Brasil, há um importante instrumento que pode auxiliar nessa definição: a ‘Pesquisa de Orçamentos Familiares’ (POF). Essa pesquisa fornece um perfil detalhado dos padrões de consumo no país, incluindo informações sobre o nível de renda, o que permite analisar em que tipo de produtos alimentícios as famílias mais vulneráveis socialmente consomem sua renda.

O uso da POF como base para a composição da cesta básica permite uma abordagem mais direcionada e precisa na determinação dos itens que realmente beneficiam os mais necessitados. Isso contribui para uma política de tributação mais eficiente, evitando a desoneração indistinta que poderia favorecer igualmente ricos e pobres. Ao se concentrar nas necessidades específicas das famílias de baixa renda, as autoridades podem criar uma cesta básica que reflete as reais necessidades de consumo desses grupos e garantir que a política tributária seja mais justa e equilibrada, minimizando o impacto negativo nos cofres públicos.

A POF 2017/18 contém 432 produtos alimentícios consumidos fora de casa, e 8357 produtos consumidos para serem preparados em casa. Essa diversidade pode ser agrupada em 65 categorias alimentícias, baseadas em classificações do próprio IBGE. O Gráfico abaixo mostra as oito categorias mais consumidas por classe da população – os 25% mais pobres, a classe média (25-75%) e os 25% mais ricos.

Fonte: Elaboração própria com dados da POF 2017/18

Como se vê, há importantes distinções entre as categorias de produtos mais consumidas por classe de rendimento. Todas representam pelo menos 40% de todas despesas com produtos alimentícios de cada parcela da população.

A categoria de pão francês, por exemplo, aparece entre as de maior importância entre a classe baixa e classe média, de 5,1% e 3,9% de todo consumo alimentar – no entanto, não está entre as categorias da classe alta, que, por sua vez, têm ‘Outros Panificados’ na lista, o que inclui pão de forma, pão doce, bisnaguinha, croissant, etc… Desse modo, ao definir o que deve estar incluso na Cesta Básica Nacional, seria correto, no campo de panificados, se limitar a pão francês.

Frango, carnes e peixes industrializados e carne de boi de segunda são também categorias que aparecem entre as mais importantes da classe baixa e média, mas não alta. São tipos de carnes, portanto, que poderiam estar na Cesta Básica Nacional, como acém, lombo bovino, miúdo, peixes salgados além de, obviamente frango. No entanto, entre os 25% mais ricos, o que substitui essas categorias são as carnes de boi de primeira (que também aparecem na classe média), dentre as quais se encontram picanha, filé mignon, coxão mole, etc… Que poderiam ser excluídas.

Vale notar que outras categorias estão entre as mais importantes da classe alta, mas não nas outras. Destacam-se ‘queijos’ e ‘outros açúcares e derivados’, que incluem doces e sorvetes. Esses são, portanto, tipos de produtos alimentícios que não têm razão de estar na Cesta Básica Nacional – principalmente se forem consideradas questões de saúde pública.

Esses são exemplos de como parâmetros objetivos, baseados em dados nacionais, medidos pelo IBGE, podem ser usados para adotar uma política correta de isenção de impostos para produtos alimentares essenciais para a população mais vulnerável. Desse modo, é possível de fato que tal diferenciação torne-se distributivamente efetiva, ao contrário do que ocorre atualmente, e impeça que os demais bens e serviços tenham que ser sobretaxados em excesso para garantir a compensação tributária.

Conclusão

A reforma tributária no Brasil, com foco na criação de uma cesta básica nacional, é uma questão complexa que demanda uma análise cuidadosa. A necessidade de uma abordagem baseada em dados foi enfatizada, e a ‘Pesquisa de Orçamentos Familiares’ (POF) surgiu como uma ferramenta vital para essa tarefa.

A análise do gráfico sobre as categorias de alimentos consumidos pelas diferentes classes sociais foi crucial na compreensão dos padrões de consumo. Ela destacou distinções importantes, como o pão francês sendo vital para as classes baixa e média, mas não para a classe alta. Essas descobertas fornecem diretrizes claras para o que deve ser incluído ou excluído da cesta básica, com base nas necessidades reais da população mais vulnerável.

A ideia de combinar a isenção fiscal com o sistema de transferências, como o “cashback”, é apresentada como uma tentativa de abordagem híbrida. No entanto, o ajuste e a coordenação cuidadosa são vitais para evitar redundâncias e ineficiências.

A experiência internacional e inovações dentro do Brasil, como o ‘Devolve ICMS’ no Rio Grande do Sul, oferecem perspectivas úteis. Eles podem guiar o país na formulação de uma política equilibrada que seja tanto justa quanto focada.

Em última análise, a reforma tributária é uma oportunidade para o Brasil criar um sistema mais justo e eficiente. A análise detalhada aqui demonstra que com dados corretos, inovação e uma consideração cuidadosa das realidades sociais, o país pode avançar na direção de um sistema tributário que atenda às necessidades econômicas e nutricionais dos cidadãos mais vulneráveis.

Por Daniel Duque, gerente de Inteligência Técnica do CLP; e Pedro Trippi, coordenador de Inteligência Técnica do CLP


[1] https://taxation-customs.ec.europa.eu/system/files/2016-09/study_reduced_vat.pdf

[2] https://www.usa.gov/food-help

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