Diversidade e inclusão é uma pauta cada vez mais presente e, sobretudo, determinante para a sobrevivência de pessoas e organizações. Primeiramente, a urgência pela reparação histórica de direitos e oportunidades a grupos que têm vivido à margem da sociedade e das esferas de poder dispensaria por si só explicações ou mesmo a necessidade de outros motivadores.
Ainda assim, sob a perspectiva de gestão organizacional, sabe-se que grupos heterogêneos têm uma capacidade superior de gerar ideias e soluções – em virtude dos diferentes contextos de vida e vivências que agregam ao todo – e estão, inclusive, associados a um maior rendimento financeiro de suas organizações na comparação com aquelas que não prezam por diversidade em suas equipes.
O setor privado parece estar acordando para isso e, ainda que de forma lenta ou – por vezes – questionável, tem se empenhado em promover ações afirmativas no âmbito organizacional. Já para o setor público, que parece caminhar mais lentamente na trilha da diversidade e inclusão, essa discussão deveria ser ainda mais relevante. Você sabe por quê?
No setor público, burocracia representativa é conceito-chave
A estratégia de desenhar serviços e produtos por meio da aproximação empática do usuário (ou cliente) já é explorada por empresas há algum tempo. Quanto mais conhecemos sobre o consumidor de um produto ou serviço – suas dificuldades, anseios, expectativas e opiniões – mais eficazes seremos ao desenhar soluções. Melhor ainda, nessa lógica, se a equipe envolvida nessa construção guardar semelhanças com o público que pretende atender.
É assim que a teoria da Burocracia Representativa nos ajuda a compreender a importância de um perfil plural na condução de decisões e de serviços públicos. A máquina pública, para endereçar precisamente demandas e interesses de uma população, precisa ser composta por servidores que sejam uma amostra verdadeiramente representativa, um espelho da mesma. E a realidade encontrada hoje no setor público brasileiro é bem diferente disso.
Se tivéssemos um retrato dos que são hoje tomadores de decisão e formuladores de políticas públicas – isso inclui políticos e todo o quadro de servidores nas esferas federal, estadual e municipal – ele seria essencialmente diferente do retrato de nossa população. Isso é um mau indicativo da eficácia no atendimento aos cidadãos. Para visualizar melhor alguns desses dados, o Jornal Nexo compilou de uma forma super didática dados do Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada sobre o perfil demográfico dos servidores públicos brasileiros.
E na prática, como funciona?
Reconhecer a relevância dessa transformação para o serviço público parece não exigir muitos esforços, mas colocá-la em prática tem sido um desafio multidimensional. Neste sentido, algumas armadilhas merecem ser destacadas de antemão:
Diversidade e inclusão andam juntas, mas não as confunda
Uma organização pode ter um perfil de servidores/empregados diverso mas não buscar incluir verdadeiramente grupos minoritários. A inclusão significa que estas pessoas serão valorizadas em suas individualidades, ocuparão espaços de poder (como cargos de gestão) e terão sua fala ouvida dentro da organização. No setor público, as cotas de entrada são um exemplo de ação que, por si só, não garante inclusão – embora possa alterar o quadro em termos de diversidade.
Cuidado com o Tokenismo
Este termo vem do inglês Tokenism e significa uma incorporação meramente simbólica de membros de grupos minoritários para dar a ilusão de acesso a direitos ou espaços. Sem se comprometerem verdadeiramente com a pauta, muitas organizações encaram a diversidade como uma obrigação com a qual querem estar “em dia” e terminam por prejudicar a si mesmas e aos indivíduos que são absorvidos como “cota representativa”.
Como se engajar verdadeiramente com a diversidade e a inclusão?
Algumas ações podem ser bons primeiros passos nessa jornada:
Comece pelos dados. Sua instituição mapeia dados sobre o perfil dos servidores/empregados? Traçar uma linha de base pode ser importante para: evidenciar a homogeneidade das equipes (fator que comprovadamente empobrece as competências e o potencial de uma organização) e gerar uma urgência pela ação; comparar-se ao longo do tempo – e com outras instituições; e estabelecer metas no sentido de diversificar a composição do quadro funcional.
Engaje as lideranças. É impossível estimular verdadeiramente qualquer mudança sem lideranças engajadas com o tema. Certificar-se de que os líderes da instituição entendem a necessidade, conhecem a realidade do assunto e estão comprometidos é o primeiro passo antes de estender este debate a todos.
Aprenda sobre o tema. A maioria de nós tem muito o que aprender quando o assunto é diversidade e inclusão – especialmente em organizações homogêneas. Além disso, este é um tema que certamente extrapola o mundo do trabalho. Promover oportunidades de aprendizagem – debates, palestras, campanhas – poderá, inclusive, estimular a construção de iniciativas por parte dos próprios servidores.
O panorama brasileiro
No Brasil, na esfera acadêmica, a pauta de inclusão evoluiu significativamente nos últimos anos, embora ainda haja caminho a percorrer. A implementação das cotas em universidades públicas tem sido acompanhada por iniciativas de inclusão e subsequentes pesquisas que mensuram o impacto deste movimento. Resta saber se essa transformação no perfil dos estudantes se refletirá no mercado de trabalho – em especial, no setor público. Neste âmbito, como em todo grande desafio, a solução está ainda fragmentada em iniciativas pequenas, porém promissoras, que precisam ser vistas e multiplicadas. Veja algumas:
- Programa Ubuntu – fortalecendo potências no setor público: o Programa, do Vetor Brasil, oferece uma trilha de desenvolvimento de competências para pessoas negras em suas primeiras experiências de liderança no governo. Para além da mera inserção das pessoas negras, o foco do programa é fortalecer seu protagonismo e multiplicar as oportunidades para que se desenvolvam como líderes públicos.
- Exposição Docência Negra: A exposição, que ficou em cartaz até março de 2020 no Espaço do Conhecimento da UFMG, buscou dar visibilidade a professores negros dentro da Universidade. É um ótimo exemplo de ação que vai além da diversidade “numérica” numa instituição.
- Mapa da Mulher Carioca: Eis uma ação, idealizada por mulheres no governo (Secretaria Especial de Políticas e Promoção da Mulher – SPM-Rio), que coleta e utiliza dados para formular políticas públicas para as cidadãs mulheres da cidade do Rio de Janeiro.
Quer saber mais sobre o tema?
O Movimento Pessoas à Frente promoveu, em dezembro de 2021, um debate de conteúdo riquíssimo sobre Lideranças e a Diversidade no Setor Público que está disponível na íntegra.
Além disso, o CLP produziu o Guia de Diversidade, onde congrega dados, referências e ações práticas a fim de auxiliar gestores públicos a inserirem o tema no seu dia a dia. Confira!