Introdução
Na nota técnica sobre a situação da Previdência Social, foi destacada a necessidade urgente de ajustes em resposta às mudanças demográficas, como o envelhecimento acelerado da população e o aumento da expectativa de vida. Também são detalhados os desafios impostos ao sistema previdenciário, enfatizando o crescimento dos gastos em contraposição às receitas projetadas, o que pressiona o orçamento federal. As reformas discutidas incluem a desvinculação do salário mínimo dos benefícios previdenciários e ajustes na aposentadoria rural, como aumentos na idade mínima e integração de algumas de suas características ao Benefício de Prestação Continuada (BPC). Estas medidas são propostas como essenciais para a sustentabilidade financeira do sistema, permitindo uma gestão mais flexível frente às realidades fiscais e demográficas.
Embora as reformas propostas no documento anterior possam resultar em economias consideráveis para a economia brasileira, a maior parte dos críticos destaca os possíveis efeitos negativos dessas reformas. Frequentemente, reformas previdenciárias são vistas com cautela devido aos seus impactos sociais e econômicos. Portanto, é crucial investigar esses efeitos por meio de simulações baseadas em dados confiáveis. Utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) de 2023, é simulado no documento atual um cenário alternativo no qual as propostas foram implementadas em 2012 para analisar os possíveis impactos no ano corrente.
A partir das simulações, observa-se que a desindexação do salário mínimo dos benefícios previdenciários teve um impacto nulo na pobreza extrema e intermediária, definidas respectivamente pelas linhas de pobreza de 2,15 dólares e 3,65 dólares por dia do Banco Mundial (cerca de R$ 210 e R$ 355 por pessoa por mês, respectivamente). Isso sugere que os ajustes na vinculação dos benefícios ao salário mínimo não comprometeram significativamente o bem-estar dos beneficiários mais vulneráveis. Por outro lado, as mudanças na aposentadoria rural, incluindo o aumento da idade mínima e a desvinculação do salário mínimo, resultariam em aumentos de pobreza menores que meio ponto percentual. Essas mudanças são consideradas praticamente nulas em termos de impacto sobre a pobreza, indicando que as reformas poderiam ser implementadas sem causar danos significativos à população rural.
Essas simulações são fundamentais para compreender os impactos das políticas futuras em relação às reformas previdenciárias. Ainda que haja preocupações legítimas quanto ao impacto sociais destas, os dados de 2023 mostram que, pelo menos em termos de pobreza e desigualdade, os efeitos podem ser gerenciados de forma que não comprometam os mais vulneráveis, ao mesmo tempo que ajudam a estabilizar fiscalmente o sistema previdenciário brasileiro em um contexto de rápida alteração demográfica e envelhecimento da população.
Metodologia
A metodologia adotada para avaliar o impacto da desindexação dos benefícios previdenciários e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) do salário mínimo, proposta no cenário alternativo iniciado em 2012, utiliza o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) como parâmetro para correção anual desses benefícios. Dessa forma, ao invés de acompanhar os aumentos do salário mínimo, os benefícios seriam ajustados com base na inflação acumulada, refletindo mais diretamente o custo de vida sem os impactos de ajustes políticos ou econômicos que frequentemente influenciam o reajuste do salário mínimo.
Neste cenário hipotético, para 2023, o piso dos benefícios, se tivesse sido corrigido apenas pela inflação desde 2012, seria de R$ 1180 por mês, em vez dos R$ 1320 correspondentes ao salário mínimo atual. Esta redução de apenas 10% contrasta com a percepção comum de que desvincular o salário mínimo resultaria em uma diminuição drástica do valor dos benefícios. O contexto da última década, marcado por restrições fiscais severas e um crescimento fraco da economia, ajuda a explicar por que a diferença entre o piso previdenciário proposto e o salário mínimo atual não é tão extrema quanto poderia ser esperada. Este ajuste mais moderado dos benefícios previdenciários visa uma sustentabilidade fiscal a longo prazo, aliviando o orçamento governamental sem reduzir significativamente o poder de compra dos beneficiários.
A simulação dos impactos das mudanças na aposentadoria rural apresenta desafios metodológicos significativos devido às limitações dos dados disponíveis e à complexidade do comportamento do mercado de trabalho rural. O principal desafio na utilização dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) é que essa pesquisa não distingue explicitamente os beneficiários de aposentadorias urbanas das rurais. Para contornar essa limitação, a metodologia adotada presume que todos os benefícios de um salário mínimo recebidos nas regiões rurais são aposentadorias rurais. Adicionalmente, nos centros urbanos, onde a caracterização dos benefícios também é incerta, adota-se uma estratégia de aleatorização para identificar quais benefícios são de natureza rural, com o objetivo de alcançar um número total de aposentadorias rurais que seja consistente com os registros do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Além disso, a análise dos efeitos das mudanças nas aposentadorias rurais sobre a oferta de trabalho é complexa. Isso ocorre principalmente porque a capacidade laboral dos indivíduos entre 55 e 64 anos permanece relativamente alta, e a decisão de se aposentar pode influenciar significativamente a participação desses indivíduos no mercado de trabalho. Segundo dados da PNADC, uma alta proporção de homens nessa faixa etária ainda está ativa no mercado de trabalho: 73% dos homens de 55 a 59 anos e 57% dos de 60 a 64 anos estão ocupados. Para as mulheres, as taxas de participação são menores devido a fatores sociais e de gênero, sendo 47%, 30% e 16% para as faixas de 55 a 59, 60 a 64 e 65 a 69 anos, respectivamente.
Esses dados são fundamentais para entender como as mudanças propostas na aposentadoria rural podem afetar a oferta de trabalho, especialmente porque ajustes na idade de aposentadoria ou nos benefícios podem alterar as decisões de trabalho desses indivíduos. Portanto, a metodologia precisa levar em conta não apenas a identificação dos beneficiários da aposentadoria rural, mas também como essas mudanças podem influenciar o comportamento laboral em resposta a incentivos alterados pela reforma previdenciária. A simulação desses efeitos requer um modelo cuidadosamente construído que considere as peculiaridades do trabalho rural e as dinâmicas de gênero, garantindo que as projeções sejam tão realistas e informativas quanto possível.
Para analisar como as mudanças na aposentadoria rural podem impactar a oferta de trabalho entre os potenciais beneficiários, será adotado um modelo econométrico robusto de mínimos quadrados ordinários (MQO). O modelo visa estimar a probabilidade de um indivíduo estar ocupado e, subsequente a isso, a renda derivada dessa ocupação. A variável dependente inicial será a probabilidade de estar ocupado, seguida pela renda do trabalho como variável dependente em um segundo modelo.
As variáveis explicativas selecionadas para o modelo incluem o nível de escolaridade, interagido com a idade, para capturar efeitos variados de educação ao longo da vida laboral; o sexo do indivíduo, interagido com o número de crianças no domicílio, para considerar o impacto das responsabilidades familiares na decisão de trabalhar; a cor ou raça; o número total de indivíduos no domicílio; e o status da cidade, categorizado em urbano ou rural e mais especificamente se a localidade é capital, parte de uma região metropolitana ou resto da unidade federativa (UF). Essas variáveis são fundamentais para capturar as diferenças socioeconômicas e regionais que podem influenciar a decisão de trabalhar e a renda obtida.
Na simulação das respostas de oferta de trabalho, assume-se que um indivíduo será considerado como tendo um trabalho caso a probabilidade estimada de trabalhar seja superior a 50%. Esta abordagem permite imputar de forma realista quem estaria ou não no mercado de trabalho sob as novas condições da reforma previdenciária. Além disso, para os indivíduos considerados empregados pelo modelo, estima-se sua renda mensal de trabalho.
Os resultados desta simulação indicam que aproximadamente 25% dos beneficiários de aposentadoria rural que não estavam trabalhando poderiam estar empregados se as condições propostas pelas reformas já estivessem em vigor. Ademais, a renda média de trabalho para esses indivíduos é estimada em R$ 1.750 mensais. Esses resultados são importantes para avaliar o impacto potencial das mudanças na aposentadoria rural sobre a economia local e o bem-estar dos indivíduos nas áreas afetadas. Essa análise contribui para um entendimento mais profundo das dinâmicas de trabalho em regiões rurais e oferece insights valiosos sobre como as reformas previdenciárias podem influenciar o mercado de trabalho rural no Brasil.
O gráfico abaixo ilustra os níveis de pobreza extrema e intermediária no Brasil, comparando as condições observadas com cenários simulados de reformas previdenciárias. A pobreza extrema, definida por uma renda mensal inferior a R$ 210, e a pobreza intermediária, com renda inferior a R$ 355 por mês, são mostradas antes e depois das propostas de desindexação do salário mínimo dos benefícios previdenciários e das reformas na aposentadoria rural.
Cenário de Pobreza Observado e Simulado com Reformas
Na situação observada, as taxas de pobreza extrema e intermediária são de 4.4% e 10.2%, respectivamente. Sob o cenário de desindexação, as taxas de pobreza mantêm-se estáveis em comparação com o observado, indicando que a desindexação por si só não teria um impacto nenhum nos níveis de pobreza. Ao considerar a desindexação combinada com as reformas na aposentadoria rural, observa-se um ligeiro aumento na pobreza intermediária para 10.6%, enquanto a pobreza extrema permanece praticamente inalterada em 4.7%.
O mesmo pode se encontrar no relativo à desigualdade. Considerando o Índice de Gini, que varia de 0 (igualdade total) a 1 (desigualdade total), as reformas, caso aprovadas em 2012, teriam efeito quase nulo sobre o indicador, que aumentaria de 0.517 para 0.521, um aumento de menos de 1%.
O gráfico apresentado mostra as taxas de pobreza extrema e intermediária segmentadas por idade no Brasil. Como se vê, inicialmente, as taxas de pobreza são altas para crianças e adolescentes, com a pobreza extrema começando em torno de 6% e a pobreza intermediária em cerca de 18%. À medida que a idade aumenta, há uma queda significativa na pobreza extrema e intermediária até cerca dos 15 anos de idade, período após o qual as taxas se estabilizam em torno de 4% para a pobreza extrema e 10% para a pobreza intermediária durante a idade adulta. Essa estabilidade pode ser explicada pelo ingresso no mercado de trabalho e pelo aumento da capacidade de geração de renda.
Pobreza por Idade
Ao se aproximar da idade de aposentadoria (por volta dos 60 anos), observa-se um declínio nas taxas de pobreza, que atingem seus pontos mais baixos entre os 60 e 69 anos. Este declínio é provavelmente influenciado pelo recebimento de benefícios previdenciários, que ajudam a elevar a renda dos idosos acima dos limiares de pobreza.
Conclusão
As análises e simulações discutidas oferecem uma visão detalhada das implicações potenciais das reformas previdenciárias no Brasil, particularmente em relação à desindexação do salário mínimo dos benefícios previdenciários e às mudanças na aposentadoria rural. Projetadas para garantir a sustentabilidade fiscal do sistema previdenciário diante de um rápido envelhecimento populacional e de pressões econômicas, as reformas teriam mostrado impactos quase nulos na pobreza e desigualdade.
Os dados indicam que a desindexação do salário mínimo, se tivesse sido implementada em 2012, não teria levado a um aumento algum nos índices de pobreza, mantendo as taxas de pobreza extrema e intermediária estáveis. Este resultado sugere que ajustes nos benefícios, alinhados com a inflação (INPC), poderiam ser uma estratégia viável para o controle fiscal sem deteriorar substancialmente o bem estar dos beneficiários mais vulneráveis.
As simulações também mostram que as reformas na aposentadoria rural poderiam resultar em um aumento muito modesto na pobreza intermediária, e quase nenhum na extrema. Portanto, essas medidas teriam pouco efeito negativo sobre a população mais vulnerável e garantiriam que os objetivos de longo prazo da previdência se alinhem tanto com a estabilidade fiscal quanto com a justiça social.
Por Daniel Duque, gerente de Inteligência Técnica do CLP.