Não é novidade que o Brasil é o quarto país com maior população feminina encarcerada do mundo, de acordo com dados do INFOPEN, 2018, o número corresponde a cerca de 42 mil mulheres em privação de liberdade. O encarceramento feminino no Brasil vem crescendo nas últimas décadas, de acordo com o World Female Imprisonment List, 2017, houve um aumento de 675%. Já de acordo com os dados de 2000 a 2017 houve um aumento de 4,5% em relação aos números de 2000. Notadamente, o crescimento desse número está relacionado a guerra antidrogas e a crescentes índices de vulnerabilidade no país.
Infelizmente esse crescimento não vem sendo monitorado, ficando somente nas estatísticas, por isso raríssimas políticas públicas no âmbito federal são colocadas em práticas para reduzir tal crescimento. Decorrente da feminização da pobreza, termo cunhado em 1970 por agências das Nações Unidas, pode possuir diferentes significados de acordo com o contexto analisado. Por isso nessa análise, o conceito diz respeito a um crescimento das desigualdades econômicas, de oportunidades, de acesso entre homens e mulheres, ou na comparação entre lares chefiados por mulheres e por homens. Logo, essa diferenciação recorre ao aumento das desigualdades entre homens e mulheres, colocando as mulheres em uma posição desigual, portanto mais propensa a pobreza e condições desiguais de trabalho, segurança, lazer e qualidade de vida.
Encarceramento feminino no Brasil e desigualdades cíclicas
A feminização da pobreza, alinhado aos marcadores sociais da diferença e a interseccionalidade, explicam bastante algumas estatísticas sobre a composição dessa população de 42 mil mulheres encarceradas. A grande maioria das mulheres encarceradas são mulheres jovens, ou seja, 47,33% possuem entre 18 a 29 anos e autodeclaradas negras (pretas e pardas) 63,55%, e a maioria dos motivos das prisões estão relacionados a envolvimento no tráfico de drogas.
Gráfico: Etnia/cor das mulheres privadas de liberdade – Brasil – junho de 2017
De acordo com Juliana Borges, autora do livro“O que é encarceramento em massa” e pesquisadora na área, o tráfico é a primeira das tipificações para o encarceramento feminino no Brasil , sendo que 62% das mulheres estão respondendo por crimes relacionados às drogas, enquanto para homens, esse percentual cai para 26%. De acordo com a autora, esse crescimento está relacionado à aprovação da Lei 11.343 de agosto de 2006 “Lei de Drogas”.
Longe de buscar explicações ou justificativas por aqui, precisamos estar atentos aos dados e fatos e relembrar que as mulheres, em maioria as negras, são as mais prejudicadas com o desemprego, muitas vezes estão inseridas no mercado de trabalho informal e ainda não possuem políticas que olhem para suas necessidades. Em uma população composta por (51,8% de mulheres) temos apenas 16% no Congresso Nacional, sendo 77 das 513 cadeiras e dessas apenas 13 são negras.
Repensando as políticas punitivistas
Portanto, na reflexão que hoje proponho, acredito que precisamos repensar se as legislações punitivas resolvem a problemática da desigualdade entre as mulheres, sobretudo às negras. Na ausência de políticas públicas que versem sobre a necessidade de promover empregabilidade, atenção e segurança para esse grupo, visualizamos o crescimento do encarceramento feminino no Brasil de forma cíclica, e mesmo avançando, ainda nos prendemos a olhar apenas para a punição. Por enquanto não tocamos especificamente nas questões referentes aos tratamentos a que essas mulheres são submetidas nas prisões, que por incrível que pareça, em muitas regiões são as mesmas dadas aos homens, precarizando ainda mais a vida dessas mulheres, e assim voltamos ao conceito de feminização da pobreza e da violência, esse tópico merece uma atenção especial e voltaremos a falar dele nos próximos textos.
Parafraseando Angela Davis: “A liberdade é uma luta constante” e no nosso país, essa liberdade custa ainda mais caro quando nos deparamos com a invisibilidade das mulheres negras no que diz respeito à construção de políticas públicas equitativas, preventivas e reparativas. Por isso, precisamos começar a construir ações que versem sobre tais especificidades, ou veremos um futuro ainda mais desigual.