Desburocratização, além de ser um ótimo trava-línguas, tem se posicionado como uma das principais metas listadas nos planejamentos do setor público em todos os níveis e poderes. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou um Selo de Desburocratização para reconhecer as boas práticas que visem à simplificação e à modernização do Poder Judiciário. Em Nova Era, município com pouco mais de 17 mil habitantes no interior de Minas Gerais, a Câmara Municipal aprovou um projeto de lei com o objetivo de oferecer serviços mais rápidos e eficientes aos cidadãos. Já no Mato Grosso do Sul foi criada uma secretaria estadual que carrega nosso tema de hoje no nome. Mas o que significa desburocratizar?
É isso que vamos descobrir, juntos, neste post. Vamos lá?
O que é burocracia?
Antes de falarmos em desburocratizar (ou seja, se desfazer da burocracia), precisamos saber quem é o “inimigo” que vamos combater. Apesar da conotação pejorativa que essa palavra tomou nos últimos tempos, a burocracia é algo necessário à sobrevivência de grandes organizações como empresas multinacionais, grandes universidades e órgãos públicos. É por meio desse conjunto de regras pré-estabelecidas, e da divisão bem definida de funções e procedimentos, é que garantimos a impessoalidade e uma maior uniformidade na execução dos processos.
Imagine que loucura seria se não tivéssemos regras bem definidas para, por exemplo, fazer o registro de um nascimento. A definição de quem pode certificar esse registro, os documentos necessários para comprovar o nascimento e as características do documento que atesta aquele registro, por exemplo, são frutos do modelo burocrático.
Leia também: Burocracia nas Prefeituras: como melhorar os processos nos serviços públicos
Então, por que desburocratizar?
Porque o excesso de etapas e o engessamento de regras podem representar barreiras que impedem o cumprimento dos fins de uma instituição. No setor público, especialmente, a situação fica mais grave quando pensamos que essas barreiras podem impedir que algumas pessoas tenham acesso a alguns direitos básicos a ela garantidos. Como no caso de um cidadão paraibano que, seis meses após conseguir, por meio de uma decisão judicial, o direito de fazer uma cirurgia para desobstrução de uma artéria, acabou falecendo sem a realização do procedimento.
O excesso de burocracia é um problema sério, urgente e precisa de pessoas como você, que estão em busca de meios para tornar a relação entre cidadão e Estado mais simples e justa.
Um passo a passo para começar a desburocratizar processos no seu município
Ouça
Ouvir a população é um bom primeiro passo para começar a desburocratizar. Esse processo de escuta permite selecionar quais serão os primeiros serviços otimizados, levando em consideração as prioridades de quem é impactado diretamente por eles.
Hoje em dia, com quase todo mundo ativo diariamente nas redes sociais, esse processo de escuta ficou mais rápido e barato. Que tal abrir uma caixinha de perguntas no Instagram da prefeitura questionando qual serviço merece ser aprimorado? É um método simples, sem custos e de rápido retorno.
Mas, se a sua ideia é abrir um canal mais amplo de diálogo com a população, existem ferramentas como o Colab, uma plataforma premiada de relacionamento com o cidadão, ou o FalaBR, um sistema criado pela CGU e fornecido gratuitamente a órgãos públicos de todo país que desejam implementar um serviço próprio de ouvidoria.
Mapeie os processos
Agora que temos uma lista de serviços prioritários, precisamos conhecer seus processos em detalhes. Documentar cada passo do serviço nos oferece a oportunidade de visualizar possíveis etapas a serem eliminadas, outras que podem ser otimizadas e até algumas que estão ali e ninguém sabe explicar exatamente o porquê.
Explicando de forma bem simplificada, durante o processo de mapeamento você elabora um fluxograma que inclui todas atividades e documentos, e faz um link entre eles, de forma sequencial. O resultado do mapeamento é algo semelhante a isso:
Para que você possa aprofundar no processo de mapeamento, nós separamos esse vídeo no YouTube que apresenta um exemplo prático da modelagem de um processo. Para quem prefere aprofundar nos livros, sugerimos o Guia Prático para Mapeamento de Processos.
Para desburocratizar, enxugue as etapas e digitalize com inteligência
Depois de mapear um processo, temos duas missões principais para desburocratizar: reduzir etapas e automatizar tarefas.
Como reduzir?
Com o passar do tempo, muitas tarefas acabam sendo executadas sem serem questionadas, só porque “sempre foi feito assim”. Essas são as primeiras a serem cortadas em um trabalho de enxugamento do processo. Comprovantes desnecessários, reconhecimento de firma, cópias autenticadas, movimentações redundantes e pareceres que dependem exclusivamente de um servidor, são exemplos de etapas que aumentam o prazo de entrega e dificultam o acesso a determinados serviços.
Outro ponto que deve ser observado é a possibilidade de inverter algumas etapas, como alguns municípios têm feito, por exemplo, na emissão de alvarás para negócios considerados de baixo risco. Nesse caso, as tarefas de fiscalização prévia do local onde o negócio será implantado foram substituídas por um formulário, onde o empresário declara cumprir o que determina a legislação e se responsabiliza, penal e administrativamente, por aquilo que foi declarado. Essa inversão faz sentido, principalmente, após a análise do tempo que essa fiscalização levava para ser executada, dos custos envolvidos nessa etapa e dos riscos assumidos pelo poder público com essa modificação. O curso Análise e Melhoria de Processos, oferecido online e gratuitamente pela ENAP, pode ser muito útil para aprofundar nessas técnicas de otimização.
Como digitalizar?
E ainda tem aquelas tarefas que sequer precisam passar pelas mãos de um servidor público para serem resolvidas. O agendamento de uma consulta, por exemplo, pode ser feito por um aplicativo ou por um atendimento telefônico automatizado, resolvendo a demanda do cidadão de forma simples, ágil e permitindo que ele se desloque a uma unidade de saúde apenas no momento em que será atendido por um médico.
O setor público tem hoje dois sistemas que se tornaram grandes aliados na automatização dos seus processos: o Serviço Eletrônico de Informações (SEI), que foi desenvolvido pelo TRF4 e atende uma gama enorme de órgãos públicos pelo país; e o SuperBR, que é uma espécie de evolução do SEI, com interface mais intuitiva, melhores recursos de segurança e uma estrutura lógica mais bem organizada. Os dois softwares são disponibilizados sem custos a outros órgãos públicos, por meio da assinatura de um termo de adesão, e permitem que os processos sejam digitalizados, automatizados e ofertados aos cidadãos por sites e aplicativos em dispositivos móveis.
Aqui, vale um alerta. Mesmo com a facilitação do acesso à internet, muitos brasileiros ainda não utilizam essas tecnologias, seja por condições financeiras ou por falta de habilidade com esses equipamentos. Restringir determinados serviços ao ambiente digital pode representar uma barreira para que os “digitalmente excluídos” tenham acesso a determinados direitos, e isso tem muito mais a cara do excesso de burocracia, inimigo que definimos no começo do post, do que de um trabalho de desburocratização.
Monitore
A revisão de um processo oferece a oportunidade de criarmos uma série de indicadores para checar seu andamento. Um indicador pode ser definido como uma medida numérica que represente a performance de determinada atividade executada. Quando fizer uma pesquisa no Google para aprofundar no tema, procure também pelo termo em inglês Key Performance Indicator, ou KPI.
Imagine um serviço onde o cidadão emite o boleto para pagamento do IPTU. Antigamente o caminho era se dirigir à prefeitura, pegar uma senha, ser atendido no balcão da Secretaria de Finanças, apresentar os documentos exigidos e retirar o boleto. Com a modernização, nós passamos a ter a facilidade de acessar o site da prefeitura, informar o número do cadastro do imóvel e o CPF do contribuinte, e pronto. Para monitorar um exemplo como esse, podemos utilizar indicadores como:
- Tempo médio entre a abertura da página e a impressão do boleto, para identificar possíveis dificuldades do usuário no preenchimento do formulário;
- Percentual de boletos pagos, que pode apontar para possíveis problemas no boleto emitido;
- Volume boletos emitidos online versus o volume de boletos emitidos no balcão, que nos mostra a adesão dos cidadãos ao novo processo.
O monitoramento desses indicadores pode ser feito por planilhas eletrônicas (Excel, Google Sheets…), por relatórios dos sistemas de automação ou por plataformas de business intelligence (BI) como o PowerBI e o Tableau.
A Secretaria de Planejamento do Maranhão disponibilizou um guia completo sobre sua metodologia para monitoramento e avaliação, que pode ajudar muito nessa etapa.
Ouça
Mesmo com um conjunto de indicadores que apontam, numericamente, o desempenho de um processo, é importante intensificar o processo de escuta do usuário logo após a implantação da mudança. Sabe aquela história que “na prática a teoria é outra”? Aqui ela tem aplicação real. Por mais que o ambiente de testes e validação dos processos seja bem conduzido, é comum que um ou outro detalhe seja esquecido.
Uma boa estratégia para esse passo é enviar mensagem para os primeiros usuários do nosso serviço, questionando sobre suas impressões. Até uma ligação bem conduzida, e respeitando os limites da LGPD, tende a produzir bons resultados.
Caso a reformulação tenha como foco um serviço “offline”, dois caminhos interessantes podem ser considerados na hora de desburocratizar: dedicar períodos de avaliação in loco, observando e anotando a reação do usuário a cada formulário preenchido e informação recebida; ou uma espécie de “cliente oculto”, onde você se passa pelo usuário e executa cada uma das etapas do processo, conhecendo, em ambiente real, suas dificuldades e percepções.
Esperamos que este material tenha oferecido uma luz sobre como desburocratizar e tornar os serviços públicos da sua cidade mais simples e úteis aos cidadãos. Esperamos também que os resultados comecem a aparecer na prática e que sua cidade suba várias posições no Ranking de Competitividade dos Municípios. Inclusive, aproveitando que falamos dele, fica uma dica final: pesquise as experiências implementadas pelos líderes do ranking em cada um dos pilares. Ali moram algumas das melhores boas práticas no setor público brasileiro.
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