Os próximos textos fazem parte de uma tríade de matérias que buscam analisar formas de captação de recursos financeiros pelos municípios. Espera-se que gestores públicos possam se inspirar e buscar formas alternativas para uma gestão financeira positiva, mais autônoma, que atenda às demandas da sociedade.
Nesta primeira matéria, o tema é a ‘lição de casa’ das prefeituras, ou seja, a gestão tributária das cidades, enfatizando a importância de se ter as contas em dia aliada à cobrança de impostos mais efetiva. Após esse primeiro passo, é possível evoluir para o pleito de recursos em outras instâncias, por exemplo, repasses voluntários e organismos multilaterais, temas que serão tratados nas matérias formas de aumentar a receita e operações de crédito com organismos internacionais.
O papel de destaque dos municípios
Com a Constituição de 1988 as cidades tornaram-se entes federativos, isto é, adquiriram responsabilidades essenciais na gestão municipal, uma vez que a União compreende que quem mais entende sobre um problema local são os próprios gestores que trabalham no município, pois convivem diariamente com as demandas e necessidades da população.
O Pacto Federativo
O Brasil possui um enorme território com diferenças regionais, assim, a Constituição firmou o Pacto Federativo, que é uma aliança entre União, estados e municípios no qual há uma divisão de competências para cada ente.
Essa descentralização de poder ocorreu para que o governo esteja próximo do cidadão, e que as diferenças regionais possam ser levadas em conta. Dessa forma, as prefeituras possuem autonomia administrativa e financeira, podendo decidir, por exemplo, o planejamento urbano e editar suas próprias leis orgânicas.
A partir de 1988, os municípios passaram a receber transferências financeiras, como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e a cobrar impostos próprios, como o IPTU e ISS, além da formulação e implementação de políticas públicas. Por isso, a descentralização de atribuições e orçamentos representou um ganho para os cidadãos, pois é mais fácil falar e cobrar o prefeito de um munícipio do que acionar o Presidente. Contudo, ao mesmo tempo, houve um aumento de demanda para as prefeituras, deste modo, é comum que as cidades não tenham recursos suficientes para atendê-las.
O cenário atual de arrecadação nos municípios
O contexto atual também exige atitudes inovadoras dos gestores municipais. Os municípios passam por uma diminuição de receitas e aumento de despesas, redução de repasses da União (FPM) e dos estados (ICMS), somado à insatisfação popular e uma perda de confiança generalizada nas instituições públicas.
Segundo um estudo da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio) publicado em 2012, com base em dados compilados até 2010, 94% dos mais de 5 mil municípios brasileiros têm nas transferências, pelo menos 70% de suas receitas correntes, ou seja, as cidades são muito dependentes dos recursos de repasses.
Com uma gestão tributária eficiente, é possível adquirir maior autonomia das transferências e empregar maiores recursos para a execução do plano de governo.
Como fazer a gestão tributária das cidades?
O primeiro passo é possuir uma gestão local sustentável, estar com as contas em dia, melhorar a cobrança dos impostos da cidade, demonstrando para população a importância de pagar seus tributos e como estes se revertem em benefícios para a cidade. Para isso, ações estratégicas focadas na melhoria da arrecadação de receita e um bom diagnóstico das reais necessidades do município, são fundamentais, uma vez que dados confiáveis demonstram os problemas da localidade e determinam as principais questões a serem enfrentadas pela administração municipal.
A boa gestão tributária interna é requisito mínimo para evoluir no pleito de fundos perdidos, isto é, recursos que são utilizados sem expectativa de retorno e outros meios de financiamento.
1. Gestão Tributária Interna
A Constituição de 88 não apenas incentivou a arrecadação própria municipal, mas também ampliou o sistema de transferências intergovernamentais através da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, mais conhecida como Estatuto das Cidades. A arrecadação tributária própria dos municípios compreende basicamente as seguintes arrecadações:
→ Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU)
→ Imposto sobre Serviços (ISS)
→ Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI)
→ Taxas e contribuições econômicas e de melhoria
Segundo o IPEA, a maior parte dos municípios brasileiros arrecada menos impostos do que poderiam:
“As prefeituras têm dificuldade para cobrar o IPTU por falta de estrutura. É preciso realizar concursos, avaliar as casas, aprovar leis na Câmara Municipal, criar órgãos. Porém, em alguns casos, pode ser economicamente inviável para a cidade criar essa estrutura, já que a arrecadação seria menor que os gastos” afirma Pedro Humberto de Carvalho Júnior.
A busca por formas de melhorar o orçamento interno envolve mecanismos focados na recuperação de receita, da dívida ativa, revendo as cobranças dos principais impostos de competência municipal: IPTU, ISS, ITBI. Esse esforço fiscal auxilia numa melhor arrecadação de recursos próprios. É útil que se faça uma comparação entre o que o município está arrecadando e o que outras cidades do mesmo porte têm obtido de receita, pois esse conhecimento pode ser utilizado na identificação de fontes alternativas ou de arranjos inovadores.
2. Algumas medidas que podem ser tomadas
. IPTU:
A planta de valores dos imóveis do município pode estar defasada, ou seja, a prefeitura pode estar cobrando um valor muito aquém do valor do imóvel. São exemplos de possibilidades aos gestores municipais:
→ Fazer o recadastramento dos contribuintes
→ Rever a planta de imóveis
→ Intensificar a cobrança do IPTU
→ Dar transparência ao processo
Desenvolver um bom processo de arrecadação, além de rever números, promove a transparência a fim de que impostos pagos sejam transformados em oferta de serviços, equipamentos e infraestrutura para os cidadãos.
O que já foi feito:
A Prefeitura de Curitiba, em 2014, elaborou um projeto de correção dos valores imobiliários que não eram revisados desde 2003. “A estimativa é que nesse período – que foi de alta valorização no preço dos imóveis – o Município deixou de arrecadar R$ 2 bilhões, que poderiam ter sido destinados para melhorias em serviços de saúde, educação e outros.” Além disso, aprovou as atualizações de valores dos imóveis de forma gradativa, a fim de que o contribuinte não sentisse muito o peso no bolso. Um dado que auxiliou foi o valor do IPVA, em Curitiba, por exemplo, proprietários de um carro avaliado em R$40 mil pagavam mais IPVA que o dono de uma residência de R$150 mil, confira.
. ISS:
Quantas pessoas pedem nota fiscal no salão de beleza? Muitos estabelecimentos não são cobrados por falta de estrutura, havendo um número enorme de serviços que são prestados e não são declarados. É sugerido que os municípios:
→ Ampliem a estrutura de fiscalização do ISS e ICMS, que apesar de estatal, uma parte da arrecadação é destinada às cidades
→ Contemplem novas atividades econômicas
→ Revejam isenções.
O que já foi feito:
O município de Curitiba implementou a Boa Nota Fiscal eletrônica. Os usuários recebem créditos de uma parte do ISS (Imposto sobre Serviços) pago, e esses créditos valem como descontos no IPTU. Experiências como essa ajudam na melhoria de arrecadação deste tributo.
. Cobrança de débitos antigos
Cobrar débitos antigos também pode aliviar as contas públicas municipais. Para isso, é necessário:
→ Reestruturar as equipes e suas estruturas de cobranças de tributos das prefeituras.
→ Criar programas de cobranças de tributos que auxiliem a população à quitar seus débitos.
O que já foi feito:
Em Curitiba foi implementado o Programa de Recuperação Fiscal (REFIC), uma oportunidade dos munícipes quitarem suas dívidas referentes ao IPTU e ISS e outros débitos de natureza tributária e não tributária, podendo ter um benefício de redução do encargo de até 90% nos juros e 80% em multas. De 2015 a 2017, foram firmados mais de 40 mil acordos, totalizando um valor de R$310 milhões que irão para o cofre público.
Outras possibilidades de realizar a gestão tributárias das cidades
→ Desburocratizar investimentos
Diminuir a burocracia para empreendedores que visem agilizar a concessão de alvarás e licenciamento através de revisão do Plano Diretor, código de obras, desburocratizar o ambiente para investimentos, aumentando a arrecadação e estimulando o desenvolvimento.
→ Diminuir gastos
Ampliar o uso de ferramentas de compra eletrônicas, pregões eletrônicos para contratar produtos e serviços pode economizar recursos são algumas iniciativas que crescem no País. Além disso, focar na qualidade do gasto, observar as densidades de ocupação urbana para promover eficiência na organização dos serviços públicos, especialmente mobilidade, educação e saúde.
→ Parcerias público-privadas (PPP)
Esse é instrumento mais sofisticado que possibilita a realização de investimentos em infraestrutura no município. Não há como promover uma PPP sem possuir uma gestão tributária eficiente.
Os gestores municipais podem selecionar e contratar empresas privadas que ficarão responsáveis pela prestação de interesse público por prazo determinado. Portanto, o objetivo é ampliar a capacidade de investimento e prestação de serviços da Administração Municipal. Tal mecanismo pode ser utilizado em contratos a partir de R$ 20 milhões, como por exemplo, a implantação de um setor municipal de iluminação pública.
Setor público na prática
O ex Prefeito de Jaraguá, Dieter Janssen, que já foi um aluno do curso de Liderança nos Primeiros 100 Dias de Governo do CLP, comentou sobre algumas ações da gestão tributária da cidade:
Para aumentar a arrecadação do ISS, as ações tomadas foram na direção de: aumento da fiscalização da cobrança do imposto, promoção de campanhas e implantação de Nota Fiscal eletrônica.
Quanto ao IPTU, houve a atualização de cadastros, que significaram o incremento de receita, pois muitas construções não pagavam o devido imposto. Aliado à cobrança de títulos e dívida dos contribuintes. Atualmente, o munícipio busca rever os valores da planta dos imóveis que estão desatualizados.
Buscando o fomento aos negócios, Jaraguá do Sul iniciou a construção de um Distrito de Inovação, um moderno prédio preparado para receber projetos que contenham tecnologia e que possam gerar novas áreas de atuação de negócios.
Com as finanças e cobrança de impostos estruturadas, o município focou no pleito de bons projetos. Dieter afirma que as equipes tiveram de ser ágeis para o surgimento de emendas ou novas linhas de recurso. Tais ações captaram bons recursos para o município: um projeto de destaque foi a arrecadação de 35 milhões para uma nova estação de tratamento de água.
Confira o que fizemos com Ana Cristina Jayme, diretora de gestão de investimentos e captação de recursos na Secretaria de Planejamento, Orçamento e Finanças de Curitiba.