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O “carro voador” como solução de mobilidade urbana?

O sonho de voar do ser humano vem de muito longe! Na mitologia grega, aparecem os primeiros registros históricos dessa vontade de ganhar os céus quando Ícaro e seu pai, Dédalos, constroem asas para fugir de um labirinto. De lá para cá, a tecnologia evoluiu muito, passando por Leonardo da Vinci e seus estudos relativos às máquinas de voar, por Santos Dumont e a invenção do avião, até os dias atuais, com os diversos equipamentos que permitem ao homem alcançar os céus.

O surgimento do “carro voador” ou EVTOL (Electric Vertical Takeoff and Landing) era uma questão de tempo. Uma simples busca por notícias sobre carros voadores nos apresentará diversas fontes de informação sobre fabricantes, novos lançamentos, produtos disponíveis no Brasil, realização de testes, preços etc. Não há que se questionar a importância dessa solução tecnológica, mas fica uma pergunta: Para quem é essa solução e qual problema se pretende resolver?

A mobilidade é um dos grandes desafios para os gestores das cidades atuais. O modelo de desenvolvimento urbano voltado para o transporte individual resultou em excesso de congestionamentos, pouca ou nenhuma infraestrutura para o transporte sobre trilhos e uma baixa priorização para o transporte público sobre pneus nas vias existentes.

A essa altura, o leitor deve estar se perguntando qual a relação do EVTOL com o modelo de urbanização adotado no Brasil. Aí é que mora o problema. Até agora, todos os anúncios feitos sobre os modelos de EVTOL que deverão operar em breve não transportam mais do que quatro ou cinco pessoas! Não há dúvidas de que o “carro voador” representa uma inovação notável na indústria da aviação. Embora ele tenha inúmeras vantagens ambientais em comparação com a aviação tradicional, a novidade tecnológica repete um erro do passado ao buscar uma solução de mobilidade urbana com base no transporte individual e não no coletivo.

Lá no início da década de 60, no desenho animado produzido por Hanna-Barbera com o título “Os Jetsons”, buscava-se fazer um exercício de representação de como seria a vida no futuro, mostrando como os avanços da tecnologia e a automação iriam impactar a vida dos moradores de Orbit, a cidade do futuro. Quem assistiu à série deve se lembrar da utilização de robôs para realizar as atividades domésticas e da rapidez do “forno” que fazia as refeições. Durante a pandemia as videochamadas se tornaram corriqueiras, mas nos anos 60 eram tidas como quase inalcançáveis.  No desenho, o simpático George já as utilizava tanto no “home-office” quanto nas ligações entre os familiares para resolver os problemas do dia a dia.

Para ir ao trabalho e levar os filhos para a escola, George utilizava um carro voador, algo que, no conceito, se assemelha muito ao EVTOL. Não raro, o protagonista da série ficava preso nos engarrafamentos de carros voadores. Para avisar a esposa que iria se atrasar para o jantar, ele usava o seu relógio com telefone. Alguém já se deparou com uma situação dessas nos dias de hoje? Será que a série já dava um sinal sobre o que não fazer no futuro? Será que William Hanna e Joseph Barbera estavam mandando uma mensagem de que seria um erro utilizar o espaço aéreo urbano com a mesma lógica que foi utilizada para criar as cidades para o automóvel?

As altas cifras investidas no desenvolvimento do EVTOL, com um modelo baseado no transporte individual, poderiam estar sendo destinadas para aprimorar e expandir os sistemas de transporte público coletivo nos mais diversos locais do planeta. Esse movimento em busca do “carro voador” como solução de mobilidade urbana pode resultar em uma infraestrutura desigual, com áreas urbanas privilegiadas desfrutando de soluções de mobilidade avançadas, enquanto outras ficam negligenciadas, aumentando ainda mais a segregação social.

O EVTOL, ao concentrar-se predominantemente no transporte individual, repete um erro do passado e pode representar um desafio para a construção de sociedades mais sustentáveis e equitativas. Embora suas inovações tecnológicas sejam sensacionais, é fundamental considerar o impacto social, econômico e ambiental de uma transição excessivamente individualizada para o transporte aéreo urbano. A busca por soluções de mobilidade deve incorporar uma abordagem mais equilibrada, priorizando o fortalecimento dos sistemas de transporte coletivo para atender às necessidades de uma população diversificada.

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