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O que é a boa política?

Pedro Parente
Foto: Humberto Dantas / CLP
Diante do que o país viveu em anos recentes, passou da hora de reforçar que política, partidos e parlamentos devem ser compreendidos como potencialidades, e não como problemas. Infelizmente, não é o que ocorre. Em 2016, assistiu-se ao máximo desprezo pela política. A crise da representação, debatida desde os anos 80, registra fragilidade aguda diante das leituras de realidades atreladas à intolerância, ao individualismo e à pressa atuais. Nas últimas eleições, candidatos atribuíram virtude ao não pertencimento ao universo político, e as abstenções, votos brancos e nulos dimensionaram parte do distanciamento à política. Será a saída? A má política monopoliza sentimentos e incapacita o cidadão de enxergar os ganhos com a boa política — e eles existem.
Mas, aos olhos do senso comum, tais problemas se adensam quando o assunto são os partidos. Organizações essenciais ao modelo representativo, ao mesmo tempo em que detêm o monopólio das candidaturas, sofrem com absoluto desprezo. Em indicador de confiança social, o Ibope mostra que, entre 2009 e 2015, as legendas estiveram sempre na popa da lista de instituições e, no levantamento mais recente, colheram o pior resultado da série — 17% de confiabilidade. Adensa tal nebulosidade a incapacidade dessas organizações de investir em mudanças, e suas sobrevivências se concentram em confusão plena entre interesses corporativos e máquinas públicas. A quantidade de cargos de livre provimento no país, que até diminui por questões econômicas, ilustra desapego republicano. Adensa a situação o avanço do Fundo Partidário, que em 1996 ultrapassava R$ 150 milhões e atingiu quase R$ 1 bilhão em 2015 — variação superior a 400% ante uma inflação próxima de 250%.
Adiciona-se ainda o sentimento de que os parlamentos são caríssimos, ineficientes e se assemelham a condomínios de comitês eleitorais perenes. Não existe senso de coletividade e sentido de Legislativo no Brasil. Em semestre eleitoral convive-se naturalmente com o “recesso branco”, ou seja, a inatividade parlamentar e o uso das máquinas públicas. Legisladores mal conhecem o verbo fiscalizar no sentido de acompanhar a aplicação do Orçamento. Tribunais de contas são extremamente políticos em suas decisões e composições. O Poder Executivo, em parte das realidades, paga para legislar, ofertando a parlamentares privilégios como nomeações de cabos eleitorais e microexecução de políticas como favores paroquiais.
Com base nessa leitura, faria sentido tratar como problemas: a política, os partidos e os parlamentos. Mas não seria razoável propor aperfeiçoamentos? No Brasil, o populismo, o privilégio e a propina — como símbolo da corrupção — são os efetivos males. Se o cidadão fosse democraticamente envolvido com a política, teria apego tão grande a discursos e atitudes irresponsáveis? O privilégio não seria um adjetivo nefasto a caracterizar atitudes de agentes corporativistas? As ações clientelistas que marcam a relação entre indivíduo e Estado no Brasil seriam mantidas? A Justiça não seria algo a ser sentido faz muito mais tempo e de forma muito menos personificada?
A separação dessas palavras em um par de posições é urgente: potencialidades não podem ser vistas como problemas, e problemas precisam ser enfrentados. Compreender e arrefecer o populismo, o privilégio e a propina são os desafios. Ressignificar e fortalecer partidos, parlamentos e a política mostrarão a força da democracia.
Humberto Dantas é coordenador do Master em Liderança e Gestão Pública do Centro de Liderança Pública.
Confira o artigo na íntegra publicado no site do Jornal O Globo.

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