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O que falta para uma liderança em tempos de crise?

Crise fiscal, crise sanitária, crise institucional, crise econômica, crise energética… Observamos que os que superam esses períodos de desequilíbrio e ruptura geralmente saem mais fortes, se reinventam ou, minimamente, aprendem. Outros, por sua vez, irão sucumbir às intempéries. A diferença entre um desfecho e outro pode estar na liderança. Afinal, é ela o principal elemento capaz de mobilizar o esforço coletivo, o lado humano e mais potente da mudança. A liderança é o que pode definir entre a adesão a um novo projeto ou a estagnação; a inovação promissora ou os resultados deficitários; as soluções criativas ou a apatia generalizada; e até mesmo (e porque não?) o enfrentamento eficaz de emergências de saúde pública ou o prolongamento de sacrifícios da sociedade.

Toda crise abre uma oportunidade. E fato é: um líder que é funcional em uma situação estável pode se revelar incapaz em uma crise. Assim, momentos como este são também uma chance para a reavaliação das lideranças, ou ainda, a reavaliação como lideranças.

E como saber se um líder está apto a enfrentar estas situações? O que falta para a liderança em tempo de crise? Neste sentido, alguns fatores merecem ser observados sob a ótica das competências.


Liderança na crise deve olhar para uma mudança?

Crise e mudança são frequentemente associados, já que o desfecho provável de um é, ou deveria ser, o outro. No âmbito organizacional, liderar em tempo de crise é liderar para a mudança, com um agravante: a dor e o medo. Estes são parte definidora e inexorável desta experiência – claro, uma simples mudança pode também provocar medo, mas em geral trata-se de uma resistência inicial facilmente administrada. A liderança para a mudança compreende desenvolver – ou acionar – algumas principais competências:

  1. Comunicação, que deve ser efetiva e transparente;
  2. Visão estratégica, que deve guiar os esforços do presente;
  3. Planejamento e foco em resultados, que darão consistência ao movimento de mudança.

Todas essas são conhecidas no mundo organizacional e, unanimemente, cruciais também para qualquer gestão de crise. 

No entanto, num cenário como esse, o desafio ganha uma camada extra de complexidade. Por se tratar de uma ameaça de ruptura, o medo, a angústia e a tristeza são respostas totalmente esperadas. Para lidar efetivamente com esses sentimentos, entra em cena uma habilidade da liderança em geral negligenciada ou subestimada, mas que deve ser a verdadeira protagonista em tempo de crise: a capacidade de acolhimento.

Leia também: Você sabe como liderar em tempos de crise? Entenda:


Não vá com muita sede de mudança

A necessidade de mudança proveniente de uma crise naturalmente traz consigo a urgência pela ação. Esse impulso, embora legítimo, pode resultar em ações prematuras quando nem todos os envolvidos se sentem seguros e determinados para agir. Essa pressão pode ser fatal neste contexto. Gianpiero Petriglieri, em seu artigo The Psychology Behind Effective Crisis Leadership para a Harvard Business Review, afirma que o foco na gestão de crise não deve estar na disseminação de uma visão de futuro, mas sim no acolhimento por parte do líder. Ele o chamou de holding – conceito, inclusive, introduzido pelo psicanalista Donald Winnicott.

Nestes momentos, se observarmos atentamente, a maioria dos líderes parecem mais propensos a desenhar vislumbres coloridos do futuro ou apresentar apelos (infrutíferos) para a ação do que, de fato, a se conectar e ouvir a dor alheia – que inúmeras vezes e ironicamente, é também a sua própria dor. Natural, não é mesmo?

Afinal, há de se precaver para não se comprometer com expectativas alheias quando não há nenhuma certeza ou controle sobre o que virá. Ainda, pouquíssimos ficam confortáveis ou mesmo são preparados para este tipo de conexão com seus liderados. Via de regra, sabemos que treinamentos de liderança enfocam habilidades como a visão estratégica, a gestão por resultados e indicadores, a comunicação e até mesmo a motivação. Mas poucos mergulham em temas tão sensíveis como conexão, empatia e escuta. E deveriam.


Uma liderança que acolhe

Mas pode não ser tão ruim quanto parece. Primeiramente, não se deve desprezar o fato de que, em tempo de crise, os próprios líderes experimentam sentimentos antagônicos em relação ao processo em curso. Ignorá-los gera posicionamentos defensivos  e artificiais que podem arruinar a relação entre líderes e liderados.  Francamente, como confiar na autenticidade de alguém que se diz inabalável e cheio de certezas nos momentos mais improváveis e ameaçadores? A autora e pesquisadora Brené Brown trata de uma postura essencial que chamou de vulnerabilidade, abordada em vários de seus livros, entre eles A coragem de ser imperfeito. Mostrar-se vulnerável, ou seja, assumir medos, fraquezas e incertezas, é fundamental para criar uma relação de confiança e prosperidade. Sem essa, qualquer enfrentamento coletivo de crise está fadado ao fracasso.

Reconhecer as angústias e medos de si mesmo e de seus liderados pode parecer assustador, já que logo incita a pergunta: “o que fazer com tudo isso?”. E, vejam, aí está o “pulo do gato”. Reconhecer a dor é, por si só, terapêutico, e pode bastar para mobilizar esforços em direção à mudança desejada. Não é esperado que os líderes tenham resposta ou solução para todo o sofrimento em torno das mudanças, mas apenas que não ignorem sua existência. Assim, você, líder, resista ao senso de urgência e ao desespero e, antes de tudo, apenas olhe para todos aqueles sentimentos sufocados e assuma que estão ali. Dê ouvidos. Conversar com seus liderados abertamente e considerar as dificuldades envolvidas na crise vai criar o ambiente psicológico elementar para qualquer mudança. Dado esse passo, e só assim, você saberá o caminho. Na pior das hipóteses, terá com quem descobri-lo junto, sabendo exatamente de onde e em que condições estão partindo.

Desenvolver o acolhimento é o caminho possível

Será cada vez mais difícil evoluirmos enquanto organizações e sociedade sem a habilidade de liderança em crises, e os líderes são peça chave para isso. Sobretudo considerando a dimensão dos desafios da gestão pública, a habilidade de acolher e ser empático é algo que pode, e deve, ser desenvolvido. Reconhecer a dor diante da crise pode ser desconfortável, trabalhoso e exigir certo traquejo que não é inato para a maioria dos líderes. Contudo,  triste mesmo seria insistir na tentativa solitária e falha de ignorar os verdadeiros mobilizadores da mudança.

Podcast Coisa Pública: Lideranças femininas no setor público

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