Um diagnóstico sobre o sistema previdenciário do Brasil

Introdução

As projeções demográficas são elaborações estatísticas que tentam prever a evolução da população ao longo do tempo, baseadas em dados históricos sobre natalidade, mortalidade, migração e outras variáveis demográficas. No Brasil, a última projeção oficial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi realizada em 2018, estabelecendo expectativas para a distribuição etária da população nos anos subsequentes. Contudo, devido à pandemia de COVID-19 e restrições orçamentárias, a contagem populacional, normalmente realizada entre os censos decenais para ajustar e atualizar essas projeções, não foi executada como planejado. Assim, somente com a realização do Censo Demográfico em 2022 foi possível obter uma medida precisa do tamanho real da população por faixa etária, revelando divergências significativas entre as projeções e a realidade observada.

O gráfico abaixo compara as projeções de crescimento populacional feitas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com os dados efetivos obtidos nos censos de 2010 e 2022, organizados por faixas etárias. Observa-se que nas faixas etárias mais jovens (0-9, 10-19 e 20-29 anos), as estimativas antecipavam um decréscimo populacional menos acentuado do que o realmente constatado nos censos. Em contrapartida, nas faixas de 30-49, 50-69 e 70 anos ou mais, o crescimento populacional foi subestimado.

Fonte: Elaboração própria com dados do IBGE

Essa tendência sugere um envelhecimento populacional mais acelerado do que o previsto, implicando que a estrutura demográfica do Brasil está se modificando rapidamente em direção a uma população com maior proporção de idosos. O fato de as faixas mais jovens terem diminuído mais do que o esperado e as mais idosas terem crescido além das previsões destaca um desafio demográfico significativo. Isso sugere uma possível pressão futura sobre os sistemas de saúde, previdência e assistência social, demandando políticas públicas adequadas para um equilíbrio sustentável frente ao envelhecimento populacional acelerado.

O envelhecimento acelerado da população brasileira, acompanhado por um aumento na expectativa de vida e na proporção de idosos, impõe desafios significativos ao sistema previdenciário do país. A expansão contínua dos benefícios previdenciários e assistenciais, como destacado pelos especialistas Marcos Mendes e Rogério Nagamine Costanzi, está gerando um crescimento das despesas que supera as projeções de receita, pressionando o orçamento federal a ponto de exigir cortes em outras áreas ou uma flexibilização do teto de gastos, o que pode afetar a credibilidade do arcabouço fiscal brasileiro. Além disso, Bráulio Borges sugere a adaptação das políticas previdenciárias para refletir a evolução demográfica, propondo ajustes automáticos na idade mínima e no tempo de contribuição conforme a longevidade aumenta. Essas medidas são essenciais para manter a sustentabilidade financeira do sistema, numa época em que o número de benefícios pagos e a despesa associada estão crescendo a taxas historicamente altas, desafiando a capacidade do governo de manter o equilíbrio fiscal sem comprometer a assistência necessária à população mais idosa.

O Brasil, em 2023, demonstrou um quadro de gastos elevados relacionados a aposentadorias e pensões, que somaram cerca de 1,1 trilhão de reais, equivalente a aproximadamente 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Esse montante representa um terço da arrecadação pública total. Ao detalhar a distribuição desses gastos entre os diferentes regimes previdenciários, nota-se que o regime urbano, sozinho, foi responsável por um desembolso de 661 bilhões de reais, o que corresponde a 6,1% do PIB.

Além do regime urbano, outros segmentos também representam parcelas significativas desse gasto. O regime rural, por exemplo, mesmo com uma base de contribuintes e uma densidade populacional menores, teve gastos da ordem de 174 bilhões de reais, ou 1,6% do PIB. Os regimes de benefício de prestação continuada (BPC), que assistem as pessoas em condição de vulnerabilidade, e o regime próprio dos servidores públicos (RPPS), cada um teve gastos correspondentes a 0,9% do PIB, totalizando 93 bilhões e 94 bilhões de reais, respectivamente. Até mesmo o regime dos militares, que abrange um grupo específico, contabilizou gastos significativos de 59 bilhões de reais, ou 0,5% do PIB.

Uma reforma previdenciária ampla e abrangente é, de fato, essencial para equilibrar as contas públicas a longo prazo. No entanto, a análise dos diferentes segmentos do sistema previdenciário revela que alguns focos são mais prementes que outros. Por exemplo, a previdência dos militares, frequentemente criticada por suas regras mais lenientes em comparação com as de outros regimes, seria um campo onde mudanças poderiam promover maior justiça e equidade. No entanto, os gastos com esta representam apenas 0,5% do PIB, o que indica que, embora as reformas nesse setor possam ser significativas em termos de princípios, o impacto potencial na redução dos gastos é limitado.

No que se refere ao Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos (RPPS), é verdade que este segmento também implica uma parcela considerável dos gastos previdenciários. No entanto, uma série de reformas significativas já foram implementadas em 2004 e 2012 durante os governos do PT, e mais recentemente em 2019 sob a administração de Bolsonaro. Essas reformas procuraram alinhar os benefícios do RPPS mais de perto com aqueles do setor privado, introduzindo tetos para benefícios e aumentando as contribuições dos servidores. Essas mudanças já realizadas limitam o escopo de novas economias substanciais nesse segmento, sem uma revisão ainda mais profunda que poderia enfrentar grandes desafios políticos e legais.

Portanto, os maiores focos para futuras reduções de despesas estão nos regimes gerais urbano e rural (RGPS). Juntos, esses regimes representam uma parcela significativa do PIB (7,7%), englobando a maior parte dos beneficiários de aposentadorias e pensões no país. As peculiaridades desses regimes, incluindo a informalidade e a baixa densidade de contribuições na área rural, assim como o grande número de beneficiários nas áreas urbanas, oferecem um amplo espaço para reformas que poderiam melhorar a sustentabilidade financeira do sistema. Dessa forma, ajustes nesses regimes não só são necessários devido ao seu tamanho, mas também porque ainda há espaço significativo para reformas que equilibrem melhor as receitas e despesas, ao contrário de outros segmentos onde mudanças substanciais já foram implementadas.

Fonte: Elaboração própria com dados do IBGE
A partir dessa análise, percebe-se que a política de desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo poderia ser uma medida estratégica para controlar os gastos do sistema previdenciário. Considerando que a grande maioria destes está concentrada no benefício mínimo, uma desvinculação poderia oferecer ao governo uma alavanca mais flexível para ajustar os pagamentos em resposta a pressões fiscais sem comprometer necessariamente o bem-estar dos beneficiários mais vulneráveis.

Se a política de desvinculação do piso da previdência do salário mínimo tivesse sido implementada desde 2012, estima-se que o piso previdenciário em 2023 seria de aproximadamente R$ 1180, um valor um pouco menor do que o salário mínimo vigente no mesmo período. Essa diferença, embora não seja significativa, tem um impacto considerável quando multiplicada pelo número total de beneficiários que recebem aposentadorias e pensões neste valor. Considerando o grande volume de pessoas nessa faixa de benefício, a redução média no valor dos pagamentos teria gerado uma economia substancial para o governo federal. Estima-se que essa mudança poderia reduzir o gasto total com previdência e BPC em cerca de R$ 100 bilhões, o equivalente a aproximadamente 1% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

Estimar o efeito anual da redução de gastos relativo à desvinculação do piso da previdência ao salário mínimo até o ano de 2035 pode ser considerado um exercício relativamente simples. Para isso, baseia-se em premissas sobre o comportamento futuro tanto do número de beneficiários quanto do valor dos benefícios. Primeiramente, assume-se que o crescimento do número de beneficiários de previdência seguirá um padrão histórico, além de um aumento proporcional estimado em torno de 0,5% da população total anualmente, com uma leve desaceleração ao longo do período. Esse pressuposto leva em consideração as tendências demográficas e os padrões de envelhecimento da população, que incrementam de forma consistente o número de beneficiários ao longo dos anos.

Em relação ao salário mínimo, supõe-se que este será fixado em R$ 1502 mensais em 2025, conforme projeções do governo, e que apresentará um crescimento real de cerca de 1,5% ao ano a partir desse ano. Em contrapartida, o piso previdenciário, uma vez desvinculado do salário mínimo, permaneceria fixo no valor estipulado para 2025. Essa desvinculação significa que, enquanto o salário mínimo continuaria a aumentar em termos reais, refletindo melhorias na economia e na produtividade, o piso previdenciário permaneceria em relação ao seu nível de compra do primeiro ano.

Com essas premissas, a economia nas despesas previdenciárias começaria em R$ 6 bilhões em 2026 e aumentaria progressivamente para cerca de R$ 80 bilhões em 2035, totalizando uma economia acumulada de aproximadamente R$ 400 bilhões durante o período. Essa economia substancial reflete a redução gradual na proporção do valor dos benefícios em relação ao crescimento do salário mínimo, mitigando significativamente o impacto fiscal do aumento no número de beneficiários, o que contribui para a sustentabilidade a longo prazo das finanças públicas em um contexto de envelhecimento demográfico.

Aposentadoria Rural

A previdência rural no Brasil representa um desafio considerável e crescente para a sustentabilidade fiscal do país, especialmente considerando a demografia e o modelo econômico atual. Apesar de aproximadamente 85% da população brasileira ser urbana, o peso dos gastos com aposentadoria rural é desproporcionalmente alto e tem apresentado tendência de aumento.

Historicamente, o modelo de previdência rural foi estabelecido com critérios mais lenientes em comparação com o urbano, refletindo as dificuldades de formalização e contribuição contínua dos trabalhadores rurais. Contudo, a realidade socioeconômica do país evoluiu, e a manutenção de tais distinções se mostra cada vez menos justificável e mais financeiramente onerosa para o sistema.

No passado, a diferenciação entre as idades mínimas para aposentadoria de homens e mulheres no campo (60 anos para homens e 55 para mulheres) de fato refletia a natureza fisicamente exigente e pela informalidade predominante no trabalho rural. No entanto, tal regime evoluiu para funcionar mais como um benefício assistencial do que como um retorno por contribuição, uma vez que não exige um histórico de contribuições diretas como no urbano. Isso acaba por transformar a aposentadoria rural em um mecanismo semelhante ao Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Nesse contexto, a proposta de transição da aposentadoria rural para um modelo de Benefício de Prestação Continuada (BPC) até 2030 surge como uma estratégia racional e necessária para reformar o sistema previdenciário. Esse processo incluiria uma fase de transição que respeitaria os direitos adquiridos dos trabalhadores rurais, com uma transição das regras para aqueles que se aposentariam entre 2025 e 2030. Tal reforma alinharia o benefício rural às práticas assistenciais, reconhecendo a realidade da contribuição limitada desses trabalhadores, e contribuiria significativamente para a redução dos gastos previdenciários, ao mesmo tempo que simplifica e torna mais transparente o sistema de seguridade social no Brasil.

As propostas de reforma para a aposentadoria rural no Brasil se resumem a três pilares: (i) a primeira grande mudança, prevista para iniciar em 2025, consistiria no aumento gradual da idade mínima para aposentadoria dos trabalhadores rurais. Para as mulheres, o aumento seria de dois anos já em 2025, e para os homens, de um ano. Essa progressão continuaria até 2030, quando a idade mínima para ambos os sexos seria uniformizada em 65 anos, alinhando as regras da aposentadoria rural com as do Benefício de Prestação Continuada (BPC). A segunda mudança (ii) envolveria a desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo a partir de 2026, tal como explicado na seção anterior. Por fim, (iii) a integração total das regras da aposentadoria rural com as do BPC incluiria também a eliminação do 13º benefício anual para aposentados rurais. A remoção deste pagamento adicional é uma tentativa de harmonizar os benefícios rurais com o BPC, que não prevê um 13º benefício.

Estima-se que até 2035, a economia total gerada por estas mudanças alcance quase R$ 30 bilhões anuais, com um acumulado de R$ 150 bilhões ao longo da década. A maior parte dessa economia viria das alterações relacionadas à idade mínima, que representariam cerca de R$ 26 bilhões em 2035.

Conclusão

A desvinculação do piso da previdência do salário mínimo, combinada com reformas na aposentadoria rural, tem potencial para gerar uma economia substancial para o orçamento do governo brasileiro. Projeções indicam que somente em 2035, estas medidas poderiam resultar em uma economia de aproximadamente R$ 107 bilhões, o equivalente a quase 1% do PIB. Tal economia surge em um momento crucial, dado o rápido envelhecimento da população brasileira e o consequente aumento na demanda por benefícios previdenciários. A desvinculação permite ajustes mais flexíveis do piso previdenciário, alinhando-o mais diretamente com as realidades fiscais e demográficas do país, ao passo que as reformas na aposentadoria rural visam corrigir distorções de longa data que desafiam a sustentabilidade financeira do sistema.

Além dessas mudanças, uma reforma adicional da previdência dos militares se faz necessária para completar um quadro mais abrangente de sustentabilidade das contas públicas. O sistema atual de aposentadorias e pensões dos militares, embora represente uma parcela menor do PIB em comparação com o RGPS, possui estruturas de benefícios relativamente mais generosas e menos alinhadas com as práticas internacionais. Portanto, a reforma nesse setor se torna essencial para garantir uma abordagem equitativa e fiscalmente responsável em todo o sistema de seguridade social.

Vale notar que uma economia de 1% do PIB em gastos com previdência e BPC não só aliviaria o déficit fiscal do Brasil, mas também liberaria recursos significativos que poderiam ser redirecionados para outras áreas críticas como saúde, educação, e infraestrutura ou até mesmo para a redução da carga tributária. Tal ajuste nas finanças públicas também poderia melhorar a percepção de risco do país por investidores e agências de rating, contribuindo para um ambiente econômico mais estável e propício ao crescimento. Além disso, tais mudanças poderiam fornecer ao governo maior flexibilidade para ajustar os benefícios de acordo com as condições econômicas e demográficas sem comprometer a proteção social aos mais vulneráveis, contanto que acompanhada de políticas complementares de suporte social.

[1] É importante ressaltar que aproximadamente metade dessa subestimação está associada ao Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Por Daniel Duque, gerente de Inteligência Técnica do CLP.

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