O Brasil tornou-se um país acéfalo, sem lideranças nacionais respeitadas. O recente êxodo de políticos para os cárceres, motivado pela Lava Jato, veio simplesmente expor um problema antecedente. A política brasileira é dominada pela mesma geração há 40 anos. Com algumas exceções, a maioria destes representantes políticos, hoje entre os 60 e os quase 90 anos de idade, é esvaziada de talento, de compromisso público e de honestidade. Barricados dentro de suas próprias cidadelas, não contribuíram para a revitalização gradativa do sistema político. Todos já foram ciclicamente tudo, de vereadores a prefeitos, de deputados a ministros, de senadores a governadores. Se surgiram novas lideranças, foram sobretudo aquelas geradas dentro das mesmas dinastias ou cumplicidades. É absolutamente surpreendente que um brasileiro de 45 anos encontre na urna eletrônica praticamente os mesmos rostos de quando votou pela primeira vez. Opinião pública frágil, falta de treino democrático e população ainda pouco qualificada permitiram que esses castelos se fossem erguendo.
A geração abaixo dos 40 anos é diferente. Investimentos feitos em educação na última década e o envolvimento ativo de organizações do Terceiro Setor, como a Fundação Lemann, o Centro de Liderança Pública ou a Fundação Estudar, têm incubado novas lideranças. Grupos ativistas como Meu Rio/Minha Sampa ou a Bancada Ativista têm mobilizado as bases. Não são só jovens com sobrenome. É uma geração de talentos representativa do sortimento brasileiro.
Mas entre essas duas gerações existe um alarmante vazio de poder. É como se uma geração inteira, hoje entre os 40 e os 65 anos, tivesse sido dizimada. O Brasil precisaria de alguns milhares de quadros políticos para abastecer o topo das suas administrações públicas durante a próxima década. Mas, com os erros cometidos, poderão sobrar apenas algumas dezenas de bons homens e mulheres. E, pelo silêncio da geração da Laura, são poucos os que geram empolgação.
E agora?
Tal como na física não é possível atingir o vácuo perfeito, também na política os espaços vazios serão sempre ocupados. Para os próximos cinco ciclos eleitorais, de 2018 a 2026, vários cenários, liderados por grupos distintos e sobrepostos, poderão surgir:
Os políticos vitalícios: na ausência de convulsões sociais ou despachos judiciais, é possível que a velha geração política, com mais de 65 anos, se mantenha no poder. Seria a gerontocracia que Platão defendia, o governo dos velhos. Estudos indicam que, quanto maior o fosso entre a idade média dos membros de um governo e a idade média da população, maior a tendência para a autocracia. No Brasil, muitos políticos sobrevivem eleitoralmente à custa de elos históricos de vassalagem e de transferência de favores, que dificilmente se quebram. É possível que o presidente da República eleito em 2022 seja um político profissional há pelo menos 40 anos. O Brasil seria uma Índia dos trópicos, país conhecido por sua classe política analógica.
Os perigosos: num cenário normal, a competição e o voto popular servem de freio de mão. Mas, sem eles, a política poderá atrair um conjunto de seres indesejados, com agendas radicais, populistas e autocentradas. Despontariam para emitir uma mensagem patriótica, antipolítica e bipolarizada e para manipular medos (falta de emprego, segurança pública, imigração), estimulando a empatia. Celebridades e radicais de esquerda ou de direita entram nessa categoria. O Brasil tem um exército deles prontos a dar as caras. Na Itália, os vazios criados nos anos 1990 pela Operação Mãos Limpas, que combateu a corrupção, foram aproveitados pelo populista Silvio Berlusconi, primeiro-ministro intermitente de 1994 a 2011.
Os empresários: no Brasil, a relação entre a política e o setor privado sempre foi de camas separadas. São poucos os exemplos de empresários de sucesso que singraram na política e mantiveram sua respeitabilidade intacta. Mas, num cenário de apagão de lideranças, poderão surgir nomes independentes, alguém que esteja disposto a aplicar em sua vida pessoal as regras do mercado de capitais, tomando um risco alto para um retorno proporcional. Falei com algumas dessas lideranças, que pediram para não ser citadas. A mera especulação de seus nomes poderá retirar o efeito surpresa ou gerar uma contaminação indesejada. No exterior, são muitos os exemplos de empresários que viraram políticos. Em 2015, a Croácia elegeu um empresário radicado no Canadá para primeiro-ministro.
Os jovens: ainda que incomum no Brasil (com exceção de Collor), várias democracias elegem chefes de governo jovens. David Cameron, do Reino Unido, e Justin Trudeau, do Canadá, foram eleitos com 43 anos. Matteo Renzi, da Itália, com 39. Emmanuel Macron, atual candidato a presidente da França, nasceu no final dos anos 1970. A média etária dos presidentes brasileiros, no ano da tomada de posse, descontando Collor, é 62. Mas o Brasil tem um celeiro de centenas de novas lideranças com qualidade para irrigar a administração pública, muitos deles globalizadas, bem formadas e com genuína vocação pública.
Estão agregadas em redes e movimentos. O Agora! junta cerca de 50 notáveis com menos de 45 anos em torno do objetivo de atualizar a política brasileira e desenvolver uma agenda para o país. A Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), financiada por Guilherme Leal, principal acionista da Natura, seleciona políticos diferenciados, de todos os partidos e em torno dos 40 anos, oferecendo-lhes formação em campanhas políticas, gestão pública e sustentabilidade conduzida por especialistas oriundos de prestigiosas universidades como Harvard e George Washington. Em troca, os formados precisam se comprometer com um código de ética. O Nova Democracia, outro movimento que reúne cerca de 60 pessoas com diferentes vocações ideológicas, mas mobilizadas pela necessidade de oxigenar a política, será lançado em breve. Hoje os desincentivos para esses jovens entrarem na máquina pública são inúmeros, desde a dificuldade em perfurar as estruturas cristalizadas de controle interno dos partidos até os possíveis abalos de reputação. Mas é essa geração que daqui a uma década começará a tomar as rédeas do país. Se for mais cedo, melhor.
Os novos velhos políticos: é a geração dizimada, entre os 40 e 65 anos. As conversas que tive com movimentos sociais e políticos e com os alunos que encontrei em Harvard e na Tufts indicaram que, ainda que sejam poucos e pouco consensuais, os políticos sobreviventes que podem ter ambições políticas maiores são Eduardo Paes, ACM Neto, Fernando Haddad, Paulo Hartung e João Doria.
Encontrei Paes no dia de Carnaval em Nova York, cidade onde vive há alguns meses. “Deprimido” por assistir, pela primeira vez em muitos anos, aos desfiles da Sapucaí à distância, contou que seu maior desejo, depois da “fase de reflexão”, é retornar ao Brasil para ser candidato a governador em 2018. Mas, em meio a tanto descrédito pela classe governativa, perguntei, por que voltar ao poder o deixaria animado? Paes falou do Rio de Janeiro com empolgação, carregou nos adjetivos e sentou-se na beira da cadeira para poder gesticular com mais largueza. “Eu sou um bom gestor político.” Para liderar uma cidade, reforçou, “não se pode ser apenas gestor nem apenas político. É preciso ter metas e planos estratégicos, mas é preciso circular bem na imprensa, na sociedade civil, interagir com outros governos”. Sem querer discutir política com o queixo no peito, perguntei-lhe sobre o futuro. Como é que ele está olhando o Brasil à distância? Será que o Brasil tem lideranças suficientes na mesma faixa etária? “É uma geração dizimada”, reagiu com prontidão. “O Brasil tem poucos líderes políticos na minha geração, dá pânico, é um vácuo.” E em 2018, quem serão os candidatos, alguém novo? perguntei. “Duvido”, respondeu. Em sua bolsa de apostas estão Alckmin, Ciro Gomes, Ronaldo Caiado, Bolsonaro e Lula. “E Lula vai ganhar do Bolsonaro no segundo turno”, sentenciou.
Haddad acha que é um bom palpite, mas a conversa num café perto da Avenida Paulista, uma semana depois, foi mais universitária. Nesse dia, recomeçaria seu trabalho como docente na Universidade de São Paulo. Ao discorrer didaticamente sobre os bloqueios que impediram a regeneração da classe política – desde a frustração com um presidente jovem como Collor até o domínio econômico de São Paulo, o que dificulta a nacionalização de candidatos de outras regiões –, acabou vaticinando que o “país está virando uma roleta, o vácuo preocupa”. Até citou uma dezena de políticos de sua geração que tiveram cargos de destaque, desde Arthur Chioro a Alexandre Padilha (“Lula sempre falava da importância de renovar quadros”), mas acabou aceitando que não são nomes presidenciáveis. Para ele, 2017 e 2018 vão ser decisivos para o Brasil. Quando provocado sobre sua participação política no futuro, desconversou: “Como professor universitário, terei sempre participação na vida pública”, disse com um sorriso encriptado que só sua mãe teria conseguido decifrar.
João Doria, no dia seguinte, fez uma avaliação ainda mais preocupante. Numa conversa entre dois compromissos matinais, marcados pela tietagem de centenas de pessoas, o prefeito de São Paulo me relatou, ao entrar no carro, que o “vácuo de lideranças no Brasil” é visível no setor público, tanto quanto no privado, como no nível comunitário. Sem ser político, frase-chavão que continua repetindo copiosamente (dita pelo menos quatro vezes até metade daquela manhã), toureia nessa arena ao acusar o PT de ter criado um projeto ideológico e de favorecimentos que inibiu novos líderes de emergir na política. No privado, também apontou a carência de líderes que possam seguir as pisadas de decanos como Antonio Ermírio de Moraes ou Mario Amato. Em nível comunitário, as lideranças, em sua opinião, são mais motivadas por questões partidárias ou ideológicas do que por uma verdadeira consciência de cidadania. Por isso, é possível que a partir de 2018 a política brasileira seja dominada pelo populismo, concluiu. Numa semana em que começou a ser especulada uma candidatura presidencial, eu lhe disse que preferiria ouvi-lo sobre o Brasil daqui a dez ou 15 anos. Qual a visão dele para o país? Ele espera continuar na vida pública? Pegou a resposta da vitrine e me mostrou segurando com as duas mãos. Disse que não será candidato à reeleição na prefeitura, porque no atual contexto brasileiro não seria positivo para a democracia a eternização no poder, adiantou que não será candidato a governador ou a presidente em 2018 e que daqui a uma década poderá estar fora da vida pública.
Doria tem 59 anos, Haddad 54 e Paes 47. Todos tiveram ou têm cargos de poder. Se tiver razão Ian Robertson, professor do reconhecido Trinity College na Irlanda, que demonstrou que o poder é viciante, principalmente nos homens, porque desencadeia um aumento de testosterona que conduz a uma sensação de bem-estar e autoconfiança, todos deverão ser candidatos nos próximos ciclos eleitorais, se não estiverem impedidos de fazê-lo. Mas o problema de escassez de lideranças no Brasil não se resolve com a eleição desta meia dúzia de candidatos. Todas as reformas sucessivamente adiadas – da Previdência, trabalhista, tributária, a política – só serão concretizadas quando houver uma renovação de quadros e quando todos os brasileiros puderem participar. O impeachment de Dilma Rousseff e as eleições de 2018 deveriam servir para inaugurar um novo ciclo na República brasileira, tal como fez a Itália em 1992 ou a França em 1958. Se continuarmos no ciclo atual, o Brasil será sempre desproporcional ao seu tamanho.
*Rodrigo Tavares é presidente da Granito & Partners, consultoria na área de economia de impacto. Acaba de ser nomeado Líder Jovem Global pelo Fórum Econômico Mundial
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