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A regulamentação da reforma tributária e a alíquota-base

Introdução

A nova regulamentação da reforma tributária, detalhada recentemente, esclarece as diretrizes do IVA dual, especificando quais produtos e serviços terão impostos reduzidos. Esse detalhamento é crucial para definir as taxas da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) a nível federal e do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) estadual e municipal. Um dos marcos regulatórios foi aprovado pela Câmara dos Deputados em julho. Após a aprovação, o Ministério da Fazenda recalculou a alíquota do Imposto sobre Valor Agregado, que aumentou devido à expansão das isenções determinada pela Câmara.

Inicialmente, quando o governo enviou o projeto em abril, a alíquota sugerida era de 26,5%. No entanto, durante as negociações, os deputados ampliaram as exceções, resultando em regimes tributários diferenciados para certos produtos e serviços, que agora terão uma carga tributária menor. Conforme as mudanças, o Ministério da Fazenda estima agora uma alíquota base de quase 28%, após considerar as principais alterações feitas.

Entre as alterações que levaram ao aumento da alíquota estão a inclusão de carnes e queijos na cesta básica, que agora são isentos de impostos, elevando a alíquota em 0,7 pontos percentuais. Além disso, a Câmara reduziu as alíquotas para o setor imobiliário, o que contribuiu para um aumento adicional de quase 0,3 pontos percentuais. Em contrapartida, a inclusão de apostas eletrônicas e carros elétricos no imposto seletivo tende a diminuir o impacto em 0,06 pontos percentuais.

Fonte: Ministério da Fazenda

Vale notar que a reforma tributária não aumenta a carga total de impostos no país. O Ministério da Fazenda calcula a alíquota base para manter as receitas públicas como percentual do PIB. Atualmente, tal relação está em torno de 13% do PIB.

Uma das principais críticas à reforma tributária tem sido, no entanto, a alta alíquota-base da combinação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que, no Brasil, irão compor o Imposto sobre Valor Agregado (IVA). E, de fato, grande parte dos países, especialmente desenvolvidos, têm um IVA ou Imposto sobre Consumo, cuja alíquota-base varia entre 10 e 25%, de modo que o Brasil teria o maior nível deste.

Fonte: PwC World Wide Tax Summaries

A alíquota-base do IVA em qualquer país, no entanto, é uma consequência de três fatores: a carga tributária total, o peso dos impostos sobre bens e serviços sobre a carga total, e a uniformidade de alíquotas. A equação (contábil, de modo que a identidade é necessariamente verdadeira) abaixo.

A situação do Brasil, cerca de 40% das receitas públicas vêm de impostos sobre o consumo (bens e consumos), o que limita a princípio a definição de uma taxa básica baixa de IVA. Essa alta dependência de impostos sobre o consumo para geração de receita exige a manutenção de uma alíquota do IVA para garantir receitas públicas. O Gráfico abaixo mostra que, em relação a outros países da OCDE, o Brasil tem baixa participação da arrecadação proveniente de renda, lucro e salários, com dependência desproporcional dos impostos sobre bens e serviços.

Fonte: Elaboração própria com dados do OCDE e IFI

Dado esse contexto, as isenções ou alíquotas diferenciais na taxa de IVA para setores ou produtos específicos, além de complicar o sistema tributário, exigem uma alíquota-base mais alta para compensar perdas de receita. Algumas estimativas apontam que uma alíquota única do IBS e CBS (ou seja, todos produtos e setores pagando o mesmo imposto) seria em torno de 22%, ou seja, 6 pontos percentuais abaixo da atual alíquota base.

O Gráfico abaixo mostra que, caso o Brasil adotasse a alíquota única, estaria exatamente tal como esperado dado seu nível de dependência de impostos sobre bens e serviços – o que é esperado, uma vez que sua carga tributária total está em linha com o da OCDE. No entanto, com a reforma tributária atual, a alíquota-base está significativa acima do esperado.

Fonte: Elaboração própria com dados da OCDE, IFI e PwC World Wide Tax Summaries

A alíquota-base de um imposto depende não só do quanto um país deseja arrecadar com este, mas também com sua uniformidade de alíquotas. A equação abaixo mostra que, a alíquota total média (que seria 22% no caso do Brasil) é uma função da alíquota-base, das alíquotas diferenciais e de qual percentual do valor de bens e serviços paga a alíquota-base ou as alíquotas diferenciais.

Tendo como ponto de partida a alíquota total média em 22%, é possível simular qual seria a alíquota-base a partir de escolhas da alíquota diferencial média (ou seja, a alíquota que produtos e serviços considerados ‘especiais’ pagam em média) e do percentual de produtos e serviços (em relação ao valor adicionado) considerados ‘especiais’, que pagam uma alíquota diferencial. O Gráfico abaixo mostra essas simulações.

Fonte: Elaboração Própria

Tendo em vista que a alíquota-base está em 28%, é possível assumir que algo entre 25 e 35% dos produtos e serviços (em valor adicionado) irá pagar menos do que a alíquota-base, com uma alíquota diferencial média entre 5 e 15%. Tais estimativas estão em linha com o texto da reforma tributária, uma vez que, a maior parte das alíquotas diferenciais será de 0% (isenção) ou 15%, enquanto alguns poucos produtos pagarão uma alíquota maior, devido ao Imposto Seletivo. 

O que faz o resto do mundo?

Até meados dos anos 2000, mais da metade dos países com IVA usavam apenas uma alíquota diferencial diferente de zero. Regiões como o Norte da África e o Oriente Médio tendem a ter mais alíquotas, enquanto a África Subsaariana tem menos. Outros exemplos de múltiplas alíquotas são Índia (variando entre 5 e 28%, variando de setor a setor, com uma média de 18%), China (6, 9 ou 13%, variando de setor a setor), Canadá (5 a 15%, dependendo da província). Na América Latina, o Uruguai tem uma alíquota base de 22%, mas com uma diferencial de 12% para determinados produtos e serviços – padrão semelhante ao do Paraguai, com uma alíquota-base de 10%, mas diferencial de 5% para alguns produtos e serviços, como imóveis, medicamentos, e determinados produtos agropecuários.

No caso dos países desenvolvidos, a maior parte adota uma alíquota-base, e outras duas ou três diferenciais para setores gerais e bem definidos. Por exemplo, na Noruega[1], a alíquota base é de 25%, sendo 15% para alimentos e bebidas, e 12% para transporte de passageiros, hotelaria e determinadas atividades esportivo-culturais.

A tabela abaixo resume o número de países com uma alíquota diferencial para cada setor. Quase todos os países (31 de 37) têm uma alíquota diferencial para alimentação, enquanto mais de dois terços também praticam diferenciações para livros, jornais, medicamentos e hotelaria. Mais da metade também pratica uma alíquota diferenciada para transporte de passageiros e saneamento. Menos da metade dos países praticam uma alíquota diferencial para outros setores.

CategoriaPaíses (total = 37)
Alimentos e bebidas31
Livros28
Jornais27
Medicamentos26
Hotelaria24
Transporte de Passageiros19
Saneamento18
Outros14-

Fonte: Thomas (2024)

O que dizem os estudos?

O relatório “VAT Rate Structures in Theory and Practice”[2] (‘Estruturas de IVA na teoria e prática’, em tradução livre), do Banco Mundial, publicado em 2024, examina a eficácia e as implicações do uso de alíquotas reduzidas de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) para atingir metas distributivas e outros objetivos políticos, com foco principalmente nos países da OCDE.  O autor destaca que a justificativa para usar alíquotas diferenciadas para apoiar famílias de baixa renda ou promover objetivos sociais e culturais não tem base nas evidências sobre suas consequências reais. O relatório mostra que instrumentos mais diretos, como transferências de renda direcionadas, geralmente são mais eficazes e mais bem direcionados.

Isso ocorre, segundo o relatório, pois alíquotas reduzidas do IVA geralmente não são bem direcionadas aos pobres e podem beneficiar desproporcionalmente famílias de renda mais alta. Elas são ineficientes na promoção do consumo de bens de mérito devido à sua natureza ad valorem, que dá um subsídio maior para compras mais caras.

Estudos mencionados no relatório sugerem que taxas reduzidas de IVA destinadas a propósitos de redistribuição (como em alimentos ou serviços essenciais) podem ter um pequeno efeito progressivo, mas geralmente são mal direcionadas – como potencialmente no caso do Brasil, em relação à inclusão de todas as carnes e a maioria dos queijos. Em contraste, taxas reduzidas para atividades culturais ou de lazer podem ter efeitos regressivos, beneficiando mais segmentos mais ricos.

Uma alíquota uniforme de IVA é geralmente recomendada para eficiência, evitando distorções nas escolhas de consumo. Um percentual alto de produtos e serviços com alíquotas diferenciadas gera maior complexificação do Sistema Tributário, tornando mais difícil para os agentes econômicos saberem quanto pagarão de imposto, criando custos administrativos e de conformidade e abrindo caminho para evasão e lobby. Já Alíquotas Diferenciais menores criam maiores distorções em favor de alguns tipos ou setores de produtos e serviços, gerando incentivos perversos que levam os agentes econômicos a produzirem menos do que deviam em áreas mais produtivas, para direcionar recursos a áreas que pagam menos imposto.

Onde a capacidade administrativa permite, implementar programas de transferência de renda direcionados (como o Bolsa Família ou Cashback) é mais eficaz para apoiar famílias de baixa renda do que usar alíquotas de IVA reduzidas. O relatório aponta que até mesmo transferências de renda universais podem ser mais benéficas do que alíquotas diferenciais de IVA.

O relatório observa desafios na remoção de taxas de IVA reduzidas estabelecidas devido a pressões políticas e de grupos de lobby, mas recomenda estratégias de longo prazo destinadas a simplificar os sistemas de IVA e melhorar o direcionamento de programas de transferências de renda.

Similarmente, um capítulo do relatório “The Modern VAT”[3] (“O IVA Moderno”, em tradução livre), do FMI, discute vários aspectos de design do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), com foco no número de alíquotas diferenciadas e na extensão das isenções para certos itens ou setores. O texto aponta que muitos países tentam lidar com a questão de que impostos sobre consumo são inerentemente regressivos e, com isso, são explorados os benefícios e custos potenciais da diferenciação de taxas de IVA.

É destacado no relatório que, embora alguma diferenciação possa ser benéfica para lidar com ineficiências econômicas específicas (como reduzir a distorção dos padrões de consumo), ela também introduz complexidade e encargos administrativos. Estudos de caso, como os países da UEMOA (União Econômica e Monetária da África Ocidental), mostram que os IVAs de taxa única com isenções limitadas têm sido eficazes na simplificação dos sistemas tributários e na melhoria do desempenho da receita.

O relatório discute o caso dos serviços prestados aos turistas, sugerindo que impostos mais baixos ou com taxa zero pode ser justificados pela demanda altamente elástica pelo setor – ou seja, turistas decidem para onde ir fortemente influenciado pelos preços dos destinos. Isso pode, no entanto, levar a complexidades e oportunidades de receita perdidas se não for gerenciado adequadamente.

O relatório, em linha com o do Banco Mundial, enfatiza que, embora o IVA possa ser usado para redistribuir a renda, sua eficácia é limitada pelas similaridades nos padrões de consumo entre diferentes grupos de renda. A presença de outras ferramentas fiscais, como impostos de renda ou gastos diretos do governo em serviços sociais, pode ser mais eficaz para atingir metas de equidade.

O relatório também alerta sobre a “ladeira escorregadia” em que a introdução de várias alíquotas pode levar a mais complexidades e distorções econômicas não intencionais ao longo do tempo. Ao aumentar a complexidade administrativa e os custos de conformidade, alíquotas diferenciadas tornam o sistema tributário mais difícil de gerenciar, potencialmente reduzindo a conformidade tributária geral.

A conclusão geral do relatório é que, embora possa haver alguns argumentos para usar várias taxas de IVA para lidar com ineficiências econômicas específicas ou metas distributivas, as complexidades e os custos geralmente superam os benefícios. Isso levou a uma tendência para sistemas de IVA mais simples, com menos taxas e isenções limitadas.

Por Daniel Duque, gerente da Inteligência Técnica do CLP


[1] https://www.skatteetaten.no/en/rates/value-added-tax/

[2] https://documents.worldbank.org/en/publication/documents-reports/documentdetail/099920201182414099/idu12d02d19f1336a14e0c1b53714d134b306a9f

[3] https://www.elibrary.imf.org/display/book/9781589060265/ch07.xml

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