Introdução
É consenso que um país que busca oferecer qualidade de vida e assegurar o bem-estar social da sua população precisa, necessariamente, garantir o bom funcionamento do tripé formado por saúde, educação e segurança. Esses três elementos são fundamentais e interdependentes, contribuindo diretamente para o desenvolvimento econômico e social de uma sociedade. Por isso, devem ser priorizados e estar no centro das ações e políticas implementadas pelos agentes públicos, que têm a responsabilidade de assegurar serviços essenciais eficientes e acessíveis, promovendo assim uma sociedade mais justa, equilibrada e com melhores condições de vida para todos os cidadãos.
Segundo uma pesquisa do Instituto Datafolha, em 2014, a principal preocupação era com a saúde pública, seguida de segurança. Quase dez anos depois, em 2023, esse ranking se manteve em nova pesquisa do instituto. No entanto, em 2025, a pesquisa recente da AtlasIntel/Bloomberg apontou a segurança pública como a principal preocupação dos brasileiros.
Uma análise geral sobre dados e evidências na segurança pública
As estatísticas oficiais sobre assassinatos no Brasil mostraram uma queda notável nos últimos anos, especialmente a partir de 2017. Segundo dados harmonizados do Governo Federal, no início de 2022, os homicídios dolosos estavam em quase 39 mil e continuaram a diminuir para pouco mais de 35 mil até o final de 2024, uma taxa superior a vizinhos como Argentina, Chile e Uruguai. Apesar de ainda consideravelmente alto, a tendência recente gerou discussões entre certas figuras públicas, que questionam se a sensação de insegurança do público é exagerada, dado que os homicídios parecem estar em uma trajetória de queda.
No entanto, esses dados sobre homicídios por si só não capturam o quadro completo. Embora os assassinatos registrados tenham diminuído, as mortes sem uma razão clara têm aumentado, aumentando de pouco mais de 9 mil em 2022 para quase 15 mil em 2024. Ao mesmo tempo, o número de pessoas relatadas como desaparecidas saltou de cerca de 76 mil para mais de 80 mil por mês no mesmo período. Em muitos casos, desaparecimentos não resolvidos e mortes inexplicáveis podem mascarar homicídios reais ou outros atos violentos, potencialmente distorcendo a confiabilidade das taxas de homicídio como a única medida de segurança pública.
Tendências nacionais por tipo de crime

Quando esses números são somados, o número combinado de mortes — sejam assassinatos confirmados, fatalidades suspeitas ou desaparecimentos não contabilizados — indica que pode não haver uma redução geral significativa em eventos violentos ou potencialmente violentos. Na verdade, somar esses números sugere um ligeiro aumento no total de casos. Assim, o declínio aparente na taxa de homicídios precisa ser avaliado juntamente com outros indicadores que podem refletir dimensões ocultas da violência, desafiando, em última análise, qualquer narrativa simples de segurança pública aprimorada.
Tendências nacionais do total de crimes relacionados a homicídios

Ao longo dos anos 2000, o Brasil adotou uma política de aumento contínuo do encarceramento, resultando em um crescimento expressivo da população prisional. Entre 2000 e 2019, o número de presos saltou de cerca de 300 mil para mais de 811 mil, colocando o país na terceira posição mundial em número de presos, chegando a 2022. A taxa de encarceramento, de aproximadamente 392 presos a cada 100 mil habitantes, está muito acima da média global.
No entanto, apesar dessa expansão prisional, mais de um terço da população carcerária brasileira é composta por presos provisórios, ou seja, pessoas ainda sem condenação, o que evidencia a lentidão do sistema judiciário e o uso excessivo da prisão preventiva. Muitos estão presos por crimes não violentos, como delitos relacionados a drogas ou crimes contra o patrimônio, enquanto inúmeros casos de crimes graves permanecem sem solução. Além disso, a reincidência elevada enfraquece o efeito pretendido do encarceramento: aproximadamente 32% dos presos voltam a cometer crimes após serem libertados, chegando a taxas entre 37% e 42% após cinco anos.
O Ranking de Competitividade dos Estados, realizado anualmente pelo CLP, mede o desempenho dos estados brasileiros em diversos aspectos, incluindo Segurança Pública. Esse pilar conta com oito indicadores, avaliando pontos como atuação do sistema de justiça criminal, déficit carcerário, presos sem condenação, mortes não esclarecidas, segurança pessoal, patrimonial e no trânsito, além da qualidade das informações sobre criminalidade. Quanto maiores os índices de presos sem condenação, déficit carcerário e mortes violentas, pior o desempenho do estado.
Entre os estados, destacam-se São Paulo e Santa Catarina por seus bons resultados em segurança. São Paulo lidera nacionalmente em segurança pessoal, atuação do sistema de justiça criminal e segurança no trânsito, apesar de ter desafios como segurança patrimonial. Já Santa Catarina registra bons índices na atuação do sistema de justiça criminal, baixo déficit carcerário e excelente desempenho em segurança pessoal e patrimonial, embora ainda enfrente dificuldades em segurança no trânsito. E ambos Estados enfrentam problemas de lotação carcerária, com a população prisional excedendo a capacidade carcerária, como mostra o Gráfico abaixo.

A economia do crime
Segundo o economista ganhador do Nobel, Gary Becker, um indivíduo racional se envolve em atividade criminosa ponderando os benefícios esperados do delito em relação aos seus custos esperados. Nessa estrutura, as principais variáveis incluem a probabilidade de ser pego, a severidade da punição uma vez pego e os ganhos previstos ao cometer o crime. Se o custo esperado (probabilidade de apreensão multiplicada pela penalidade) for menor que o benefício, um ator racional será tentado a cometer o delito. Por outro lado, se a probabilidade de apreensão for alta ou a penalidade for suficientemente severa, o custo esperado excederá o benefício, dissuadindo o crime.
No Brasil, no entanto, os criminosos geralmente percebem a probabilidade de serem pegos como surpreendentemente baixa. Isso decorre de desafios históricos enfrentados pelas forças policiais do país, como recursos limitados, corrupção interna e técnicas investigativas desatualizadas. Apenas cerca de 1 em cada 3 homicídios são resolvidos pela polícia, uma estatística praticamente inalterada nos últimos anos. Em 2021, apenas 35% dos homicídios foram inocentados (acusações apresentadas no prazo de um ano. Esta taxa de resolução está muito abaixo da média global (cerca de 63%) e significa que a maioria dos assassinos escapa à justiça formal. A impunidade é ainda pior em alguns estados, e, historicamente, as taxas em partes do Norte/Nordeste têm sido inferiores a 15%.
O resultado é um ambiente de alta recompensa e baixo risco para crimes violentos: mesmo com as punições no papel ficando mais severas, a chance de enfrentar essas punições permaneceu baixa. Quando a probabilidade de punição é baixa, apenas aumentar a severidade da sentença (ou volume de prisões) tem pouco efeito dissuasor, o que parece ser o caso no Brasil na última década. Adicionalmente, a percepção da falta de policiamento eficaz encoraja os criminosos a correr riscos, eles veem pouca razão para temer apreensão imediata ou forte acompanhamento investigativo após um incidente.
Agravando a questão está o segundo elemento da estrutura de Becker: a severidade ou duração da punição. Mesmo que um criminoso seja apreendido, ele pode acreditar que o sistema judicial não imporá ou executará uma sentença verdadeiramente consequente. Em muitos estados brasileiros, os tribunais estão sobrecarregados, levando a longos atrasos nos julgamentos e um acúmulo de casos. Esse ambiente promove acordos de confissão de culpa com repercussões mínimas e apelações frequentes que mantêm os indivíduos condenados fora da prisão. Como resultado, o efeito dissuasor de uma prisão potencialmente longa é severamente prejudicado.
Políticas Governamentais
O Governo Federal promulgou diversas reformas da justiça criminal na década de 2010, mas elas produziram ganhos limitados na segurança pública. Uma iniciativa proeminente foi a introdução em 2015 das audiências de custódia, exigindo que os presos vejam um juiz em 24 horas. Essa reforma teve como objetivo reduzir prisões ilegais e abusos policiais e, de fato, reduziu o tempo que infratores menores passam encarcerados, aguardando julgamento. No entanto, na prática, também destacou um problema de “porta giratória”: prisões por crimes de baixo nível geralmente resultam em liberação rápida devido a tribunais sobrecarregados e evidências insuficientes, alimentando uma percepção pública de impunidade. Enquanto isso, infratores verdadeiramente violentos muitas vezes não eram identificados rapidamente ou permaneciam soltos.
Outro grande esforço foi a criação em 2018 do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) (Dados Nacionais de Segurança Pública — Ministério da Justiça e Segurança Pública), projetado para integrar dados e estratégias de aplicação da lei federal e estadual. Embora o SUSP tenha melhorado o compartilhamento de informações no papel, sua implementação tem sido lenta. O Brasil ainda carece de um banco de dados de crimes totalmente confiável e unificado, e a coordenação entre 27 forças policiais estaduais continua inconsistente.
Em 2019, o governo federal aprovou um “Pacote Anticrime” prometendo medidas mais duras. Essa legislação (Lei 13.964/2019) endureceu as sentenças para certos crimes violentos e relacionados a gangues e introduziu a delação premiada em casos limitados. No entanto, seu impacto foi silenciado. Algumas disposições foram parcialmente anuladas ou adiadas (por exemplo, um sistema proposto de “juiz de garantias” para supervisionar investigações está em um limbo legal).
Finalmente, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança, enviada pelo Governo Federal para a Câmara dos Deputados no início de 2025, atualmente é uma das prioridades do Planalto na área de segurança pública. Elaborada pela equipe do ministro Lewandowski, ela tem como principal objetivo integrar o combate ao crime organizado em todo o país, por meio de ações coordenadas entre a União, os estados e os municípios. Nesse sentido, a proposta prevê mecanismos de cooperação entre diferentes esferas de governo, de modo a melhorar a eficiência e a rapidez na atuação contra criminosos e milícias. Além disso, a PEC busca constitucionalizar o Fundo Nacional de Segurança Pública, que hoje é previsto apenas em lei, garantindo maior estabilidade jurídica à alocação de recursos.
Outro ponto de destaque da PEC é a criação da Polícia Viária Federal, substituindo a atual Polícia Rodoviária Federal (PRF), cuja atribuição será o policiamento ostensivo em rodovias, ferrovias e hidrovias federais. A proposta também reforça o papel da Polícia Federal (PF) no combate a crimes ambientais e na repressão de organizações criminosas com atuação interestadual ou internacional. Para assegurar a participação de todos os entes federados, a emenda prevê a formação de um Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, composto por representantes da União, estados, Distrito Federal, municípios e sociedade civil. O texto ainda consolida o entendimento de que as guardas municipais podem exercer policiamento ostensivo, desde que respeitados os limites de competência das demais forças.
Apesar da ênfase dada pelo governo e da existência de algumas iniciativas positivas, como a integração das polícias e o aumento da participação coordenadora da União, a proposta ainda carece de mecanismos práticos para garantir a sua efetividade. A criação de novas estruturas e a promessa de harmonizar as forças de segurança não possuem, até o momento, um planejamento detalhado sobre como essas mudanças ocorrerão na prática e como afetarão o combate ao crime. Dessa forma, a PEC concentra-se em medidas estruturais interessantes, mas não aprofunda de maneira convincente as estratégias de repressão e prevenção contra a criminalidade.
No campo dos Governos Subnacionais, alguns Estados têm adotado iniciativas de Parceria Público-Privada (PPP) para reduzir o déficit carcerário. Nesse contexto, destaca-se o caso do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, que ficou nacionalmente conhecido por sua superlotação extrema, violência interna e mortes frequentes. Em resposta, o governo maranhense adotou um modelo de PPP, construindo um novo complexo prisional gerido pela iniciativa privada com padrões mais elevados de segurança, gestão administrativa e assistência aos detentos. A experiência maranhense demonstrou avanços importantes, como maior controle interno, redução drástica da violência e melhoria geral das condições carcerárias, indicando que tais parcerias podem ser uma alternativa válida e eficiente para enfrentar a superpopulação e os desafios da gestão prisional no país.
No cenário internacional, a experiência norte-americana com presídios privados é extensa e complexa, oferecendo pontos positivos e negativos. O artigo de Dippel e Poyker (2023) evidencia que prisões privadas podem gerar economia significativa nos custos carcerários e oferecer alívio à superpopulação penitenciária. Segundo os autores, prisões privadas levam a uma leve, porém significativa, redução na duração das sentenças quando comparadas às públicas, sobretudo quando o benefício econômico para o estado é expressivo. Juízes parecem considerar o menor impacto financeiro das prisões privadas nas decisões sobre o tempo de encarceramento, o que poderia ser vantajoso ao Brasil, país que enfrenta um alto custo fiscal devido ao crescente sistema penitenciário.
Assim, considerando as experiências do Maranhão e dos Estados Unidos, PPPs no sistema prisional podem valer a pena, especialmente se implementadas com rigor regulatório, transparência contratual e monitoramento contínuo. As vantagens incluem redução nos custos operacionais, melhoria nas condições dos detentos e alívio imediato da superlotação, fatores críticos especialmente no contexto brasileiro. Contudo, é importante reconhecer que tais parcerias precisam ser constantemente fiscalizadas pelo setor público para garantir que a busca por lucro não comprometa direitos fundamentais ou incentive práticas questionáveis, como prisões desnecessariamente prolongadas.
Conclusão
É fundamental repensar a política carcerária nacional, ao mesmo tempo que se amplia a capacidade do sistema prisional, garantindo condições adequadas para a recuperação e ressocialização dos detentos. No entanto, o mero aumento de vagas não é suficiente se não vier acompanhado de reformas que tornem as penas mais efetivas e façam valer a punição como fator dissuasório. Nesse sentido, endurecer as penas para crimes violentos pode ter efeito preventivo apenas se, simultaneamente, a probabilidade de detecção e condenação for elevada. Para isso, é necessária a modernização dos mecanismos de investigação policial e uma melhor integração de dados entre as esferas federal e estadual, reduzindo gargalos e promovendo maior eficiência no combate ao crime organizado e aos delitos mais graves.
Paralelamente, o policiamento deve ser fortalecido, especialmente em áreas críticas onde as estatísticas apontam maior concentração de crimes. A adoção de estratégias de “hot spot policing”, inspirada na literatura econômica recente, consiste em concentrar recursos e ações de patrulhamento em pontos específicos com índices mais elevados de ocorrência, potencializando a capacidade de prevenção e resposta rápida. Combinando policiamento direcionado, mecanismos de investigação eficientes e um sistema carcerário revigorado, é possível criar incentivos mais claros contra a prática de delitos e, ao mesmo tempo, aumentar a eficácia das respostas estatais ao crime.
Por Daniel Duque, gerente da Inteligência Técnica do CLP