Sobre o aumento do número de deputados na Câmara Federal
Após as eleições de 2026, a Câmara dos Deputados passará de 513 para 531 deputados federais, segundo o projeto de lei complementar (PLP 177/2023) aprovado pelos senadores e, posteriormente, pelos deputados em 25 de outubro. O texto estabelece que a criação e manutenção desses novos mandatos não poderão aumentar as despesas totais da Câmara entre 2027 e 2030. O projeto segue para sanção ou veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tem até o dia 16 de julho para a tal decisão.
Entre as consequências esperadas está, primeiramente, o aprofundamento da subrepresentação de estados já historicamente prejudicados. Estados super-representados, como Roraima, continuam com oito deputados, representando cerca de 1,5% da Câmara, apesar de concentrarem apenas 0,3% da população brasileira. Por outro lado, São Paulo, que abriga 22% da população nacional, permanece com menos de 14% das cadeiras. Estados como Pará e Ceará, que deveriam ter sido beneficiados com aumentos mais expressivos, receberam acréscimos insuficientes para corrigir adequadamente esse desequilíbrio.
Uma segunda consequência importante é o potencial aumento dos gastos públicos. Embora o projeto aprovado estabeleça que não haja aumento real das despesas da Câmara entre 2027 e 2030, limitando inclusive verbas de gabinete, cotas parlamentares e demais benefícios diretos aos deputados, estudos acadêmicos indicam que a ampliação da assembleia pode levar ao crescimento indireto do gasto público geral.
A relação entre o tamanho da legislatura e os gastos governamentais é positivamente correlacionada em diversos países, fenômeno frequentemente descrito como gasto “barril de porco”, problema dos bens comuns fiscais ou lei de 1/n. Estudos empíricos sobre essa relação destacam que o aumento do número de legisladores geralmente leva a maiores gastos públicos e impostos. Isso ocorre principalmente pelo incentivo à fragmentação partidária: assembleias maiores tendem a atrair mais partidos competidores, estimulando o surgimento de pequenos partidos e ampliando a fragmentação parlamentar. Como consequência, a maior fragmentação pode intensificar negociações e demandas por políticas específicas, levando a um aumento geral das despesas públicas.
Para identificar relações causais e mitigar preocupações com endogeneidade, os estudos frequentemente utilizam os limites populacionais legalmente determinados, que definem o tamanho das legislaturas. Egger e Koethenbuerger (2010), analisando municípios da Baviera, exploraram esses limites populacionais para isolar o impacto causal do aumento do tamanho dos conselhos municipais. Municípios marginalmente acima desses limites experimentaram aumentos significativos nos gastos, financiados principalmente por aumentos nos impostos sobre propriedade.
Da mesma forma, Schneider e Veras (2023) aplicaram uma abordagem semelhante no Brasil, aproveitando uma reforma de 2004 que vinculou o tamanho das câmaras municipais a limites populacionais. Os resultados indicam que municípios com assentos adicionais nas câmaras tiveram não apenas maiores despesas, mas também aumentaram mais impostos locais, especialmente sobre serviços. No sistema brasileiro de representação proporcional altamente fragmentado, aumentar o tamanho das câmaras municipais intensificou a fragmentação política, elevando os custos de negociação e, portanto, impulsionando a expansão fiscal.
No entanto, evidências divergentes surgem na França, como demonstrado por Le Maux et al. (2025), que não encontraram efeito significativo do tamanho das assembleias sobre os gastos públicos, apesar do aumento na fragmentação e da redução na desproporcionalidade. A principal razão dessa divergência reside na baixa fragmentação política francesa, caracterizada geralmente por um número efetivo de partidos abaixo de dois, e uma oposição consistentemente minoritária. Assim, embora aumentar o tamanho das legislaturas aumente ligeiramente a fragmentação, isso não é suficiente para elevar substancialmente os custos de negociação política e, portanto, não impacta significativamente os resultados fiscais.
Portanto, o fator crítico que determina as implicações fiscais da ampliação das legislaturas é o nível inicial de fragmentação política. Sistemas altamente fragmentados, como os do Brasil e da Alemanha, vivenciam maiores complexidades nas negociações e consequente expansão fiscal. Portanto, apesar das salvaguardas presentes no projeto, os efeitos indiretos da ampliação do número de deputados podem resultar tanto na continuidade dos desequilíbrios representativos quanto em maior pressão sobre os gastos públicos no Brasil.
Referências bibliográficas
Egger, Peter, and Marko Koethenbuerger. 2010. “Government Spending and Legislative Organization: Quasi-experimental Evidence from Germany.” American Economic Journal: Applied Economics 2 (4): 200–212.
Le Maux, B., Vidali, M.E. and Mille, P., 2025. “Does Council Size Shape Democracy? Evidence from French Municipalities.”
Schneider, R. and Veras, H., 2023. “Do bigger legislatures lead to bigger government? Evidence from a Brazilian municipal council reform.” Economía, 22(1), pp.117-134.
Por Daniel Duque, gerente da Inteligência Técnica do CLP


