Hoje quero escrever algo que, provavelmente, muitos dos meus amigos de esquerda não irão aprovar. Aliás, antes mesmo de desenvolver o raciocínio, cabe uma observação: parte considerável desses que chamo de amigos talvez não o sejam de fato. Explico. Há, entre eles, uma espécie de disputa simbólica por um lugar no “olimpo da esquerda”, como se alguns se considerassem mais puros, mais dignos ou mais autorizados a ocupar esse espaço do que eu. Falta-me, portanto, a chancela dos guardiões da ortodoxia progressista. Mas, ainda assim, vou escrever.
Muito se celebra, nos últimos dias, a sucessão de acontecimentos envolvendo o clã Bolsonaro: a tornozeleira eletrônica, as falas de um pastor influente que estremecem antigas alianças, e os tropeços que alimentam as manchetes. Para muitos, é motivo de regozijo. Para mim, não.
E aqui, propositalmente redundante, prefiro dizer: não comemoro. E não comemoro porque transformar a política numa arena de embates permanentes, ainda que contra os nossos inimigos de estimação, é um daqueles vícios que parecem doces no começo, mas que acabam corroendo qualquer chance de normalidade democrática.
Antes que os meus colegas que se autoproclamam de direita comecem a festejar, deixo nítido: tenho profundo respeito pelo Supremo Tribunal Federal. Aliás, não há como negar que o STF desempenhou um papel central diante da aventura golpista ensaiada pelo bolsonarismo. O ministro Alexandre de Moraes, em especial, foi firme e assertivo na defesa da democracia.
Lamento, porém, que a mesma firmeza não tenha se manifestado quando a ex-presidente Dilma Rousseff foi alvo de um impeachment absurdo, sem base jurídica consistente, movido unicamente por interesses políticos. Um processo deflagrado, convém lembrar, por um candidato derrotado nas urnas que não se constrangeu em anunciar, logo após o resultado, que a presidenta eleita não governaria. O restante da história todos já conhecemos.
A artilharia contra a ex-presidente envolveu também o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com objetivo claro: impedir sua candidatura. Surgiram Powerpoints forjados, juízes e promotores atuando em conluio, e a imprensa martelando incessantemente a suposta corrupção que, em tese, envolvia toda a classe política da época. Em certo sentido, o movimento obteve êxito: Lula foi preso e impedido de concorrer. Nós, à esquerda, lamentamos, sofremos e tínhamos plena consciência da dimensão quixotesca dessa trama, um verdadeiro espetáculo político de escárnio e engenhosidade maquiavélica.
Qual a similitude com o momento atual, em 2025? A militância. Hoje, admiradores do ex-presidente Bolsonaro vociferam indignações e relatam exageros, numa intensidade que lembra ecos do passado. A prisão de Bolsonaro é provável e, naturalmente, os defensores elevarão ainda mais o tom. Resta saber, porém, se haverá entusiastas dispostos a saudá-lo com a mesma devoção com que se reverenciava Lula. Particularmente, duvido: talvez surjam manifestações iniciais, mas dificilmente com a mesma constância e frequência.
Quero frisar que não existe grau de comparação entre as duas situações sendo que as semelhanças são somente as que destaco. Mas, é exatamente sobre elas que chamo a atenção nesse texto. Não quero viver nesse looping acusatório, nesse carrossel infantil de comemorações e indignações seletivas. Não é razoável que a política se resuma a vibrar com tornozeleiras hoje e a protestar contra decisões amanhã. Imagino que, do alto da História, os inventores da democracia estejam profundamente decepcionados com a caricatura que fizemos de sua obra. Afinal, a democracia representativa é simples na teoria: quem vence governa, quem perde tenta de novo. Difícil é convencer os adultos do Brasil a brincar conforme essa regra elementar.
Autoria:
Líder MLG Joane Vilela Pinto


