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A necessidade de políticas públicas eficazes de apostas esportivas online

Introdução

As apostas esportivas online tornaram-se uma força marcante, mas também preocupante, na economia brasileira, impulsionadas por um aumento significativo no interesse principalmente de jovens. Dados do Google trends, por exemplo, mostram que os termos relacionados à apostas esportivas aumentaram vinte vezes nos últimos cinco anos. Segundo o instituto do Datafolha, cerca de 15% da população brasileira participou em 2023 de apostas online, com um gasto médio mensal de R$ 263 por apostador. A distribuição demográfica mostra uma adesão particularmente forte entre jovens e homens, e a presença dessa atividade é notável mesmo entre beneficiários de programas sociais como o Bolsa Família.

Os impactos das apostas online vão além da economia e tocam questões de saúde pública e proteção ao consumidor, onde uma porção considerável dos apostadores relata impactos financeiros negativos. Dois estudos, um relativo ao Brasil e outro aos Estados Unidos, ressaltam a necessidade de políticas públicas eficazes e educação para promover práticas de apostas responsáveis.

De um ponto de vista regulatório, a complexidade das apostas online se expandiu significativamente, com novas regras implementadas pelo governo para organizar e legalizar a atuação das casas de apostas. A recente portaria que estabelece regras mais rigorosas para a operação dessas plataformas visa garantir mais segurança e transparência nas atividades de apostas.

Com o mercado de apostas esportivas em franca expansão e enfrentando desafios regulatórios complexos, o Brasil se encontra em um momento crucial para moldar o futuro dessa atividade. As decisões tomadas agora determinarão não apenas a saúde econômica do setor, mas também o bem-estar social dos milhões de brasileiros que participam das apostas esportivas online.

Estudos e Estatísticas

Um estudo da AGP, em parceria com a SBVC, sobre o cenário das apostas esportivas no Brasil detalha os hábitos de apostas online e suas implicações socioeconômicas. Com uma pesquisa quantitativa em painel online com abrangência nacional, a amostra foi ponderada por sexo, faixa etária e classe social.

Segundo a POF 2017/18, menos de 1% da população adulta tinha participado de alguma aposta esportiva naqueles anos (contra cerca de 5% de apostas lotéricas). No entanto, a pesquisa da AGP/SBVC revela que, em 2024, apenas seis anos depois, aproximadamente 38% dos entrevistados já participaram em apostas esportivas online, sendo 25% apostando frequentemente e 54% ocasionalmente. Isto indica que uma parcela significativa da população se envolve em atividades de apostas online.

A maioria dos apostadores online são jovens, com participação significativa entre aqueles com idades compreendidas entre os 18 e os 44 anos – com destaque para o grupo entre 25 e 34 anos. Esta tendência demográfica sugere que as gerações mais jovens estão mais inclinadas para as apostas online.

As apostas esportivas são uma atividade econômica importante no Brasil, com o tamanho do mercado expandindo significativamente nos últimos anos. Segundo a POF 2017/18, apenas cerca de R$ 86 milhões, ou 0,03% da renda da população era destinada a apostas de esportes. Porém, atualmente, o estudo da AGP/SBVC estima que as operações de apostas esportivas movimentem R$ 150 bilhões anualmente (cerca de 2,7% da renda), sendo que somente as atividades online representaram mais de R$ 50 bilhões em 2023.

Um número substancial de apostadores (51%) participa em atividades de apostas pelo menos uma vez por semana. Os apostadores priorizam plataformas que sejam fáceis de usar e que ofereçam diversas opções de apostas esportivas. Confiança e facilidade de uso são fatores-chave que influenciam a escolha da plataforma.

Apesar da participação regular, uma proporção considerável de apostadores não utiliza o seu rendimento primário para apostar; em vez disso, utilizam rendimentos adicionais ou discricionários. Cerca de 36% dos entrevistados indicaram que as apostas tiveram um impacto negativo nas suas finanças pelo menos uma vez e 24% sofreram perdas frequentes.

O futebol é o esporte mais popular para apostas.  Tais empresas, vale notar, são grandes patrocinadoras dos clubes de futebol brasileiros, fornecendo apoio financeiro significativo. No geral, as conclusões sublinham a crescente importância das apostas esportivas online no Brasil, marcadas por uma ampla participação, contribuições econômicas significativas, junto a uma necessidade regulatória urgente. No entanto, a prevalência das apostas também traz desafios, especialmente em termos de risco financeiro e proteção do consumidor, destacando a necessidade de uma supervisão regulamentar e educação do consumidor.

Um estudo dos economistas Baker, Balthrop, Johnson, Jotter e Pisciotta, de 2024, analisa o impacto das apostas esportivas nas famílias americanas. O artigo emprega dados de transações nos Estados Unidos para estimar o efeito causal das apostas esportivas online nas decisões financeiras dos domicílios. O estudo foca no impacto da legalização das apostas esportivas online nas decisões de investimento, gastos e gestão de dívidas dos domicílios. O artigo cobre quase todas as legalizações de apostas esportivas online nos Estados Unidos desde 2018 até setembro de 2023, possibilitando uma análise abrangente dos efeitos da legalização das apostas nas decisões financeiras dos domicílios em diferentes estados.

O estudo tem como conclusão que as apostas esportivas online levam a uma redução significativa nas alocações de poupança das famílias. Após a legalização das apostas esportivas online, as famílias apresentam uma redução de quase 14% nos investimentos líquidos.

O estudo também mostra que as famílias com restrições financeiras aumentam suas dívidas de cartão de crédito em 8% em comparação com a média da amostra. Como resultado, as famílias com restrições financeiras experimentam uma diminuição no crédito disponível. Esta redução restringe ainda mais a sua flexibilidade financeira e pode levar a uma maior dependência da dívida para financiar atividades relacionadas com o jogo.

Adicionalmente, as apostas esportivas também levam a um aumento no uso de cheque especial para famílias com dificuldades financeiras, em cerca de 24% em relação à média.

Famílias com restrições tendem a usar mais dívidas para financiar o consumo relacionado ao jogo, levando a gastos maiores em bens complementares, como TV a cabo, restaurantes e entretenimento.

Regulação

Em termos de regulação, os legisladores podem considerar a implementação de regulamentos para proteger as famílias financeiramente vulneráveis ​​dos efeitos adversos das apostas esportivas online. Isto poderia incluir medidas para limitar o acesso a plataformas de apostas esportivas para indivíduos que enfrentam restrições financeiras ou fornecer recursos para práticas de jogo responsáveis.

Dados os desafios de acesso atualmente, pode haver necessidade de programas aprimorados de educação financeira direcionados a indivíduos envolvidos em apostas esportivas, especialmente aqueles que têm restrições financeiras. Educar os consumidores sobre os riscos associados ao jogo excessivo e a importância de uma gestão financeira prudente poderia ajudar a mitigar os resultados negativos.

Os reguladores poderiam explorar medidas para monitorar e regular o uso de cartão de crédito relacionado a apostas esportivas online. Isto poderia envolver a definição de limites às transações com cartão de crédito para atividades de jogo ou a implementação de salvaguardas para evitar que os indivíduos acumulem dívidas excessivas através de apostas esportivas.

Governos e organizações podem oferecer serviços de suporte para indivíduos que enfrentam dificuldades financeiras devido a apostas esportivas. Isto pode incluir serviços de aconselhamento, programas de gestão de dívidas ou assistência financeira para ajudar os indivíduos a enfrentarem tais situações financeiras.

No Brasil, os regulamentos recentes visam proteger os apostadores, garantindo que as plataformas de apostas cumpram critérios, incluindo responsabilidade fiscal e integridade operacional. Isto faz parte de esforços mais amplos para formalizar e regular a indústria de apostas no país.

Em 2018, por exemplo, o foi assinada a regularização de apostas com quota fixa, Lei n° 13.756. A partir daquele momento, os brasileiros têm a possibilidade de apostar nas casas de apostas online, desde que elas sejam regularizadas em outros países que recolhem as taxas e impostos delas.

Em maio de 2024, o Governo publicou uma portaria com novas regras para atuação das BETS de quotas fixas no Brasil. Nesse novo sistema, o apostador consegue ter a noção do quanto irá ganhar caso acerte a projeção. Para ter autorização para atuar na modalidade, as casas de apostas passaram a precisar cumprir critérios estabelecidos pela SPA. As casas de apostas também precisam pagar R$ 30 milhões à União para receber aval para explorar até três marcas comerciais em território nacional pelo prazo de cinco anos. Essa portaria permite a regularização das empresas que exploram loterias de apostas, nos segmentos de apostas esportivas e jogos-online

Adicionalmente, em julho de 2024, o Ministério da Fazenda determinou que as plataformas de apostas digitais são obrigadas a comunicar transações suspeitas ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). Os agentes operadores das apostas precisam, a partir desta portaria, adotar procedimentos que permitam identificar e validar a identidade de apostadores ou de usuários da plataforma no momento do cadastro.

As informações precisarão ser validadas, atualizadas e armazenadas por, no mínimo, cinco anos após o término do vínculo com a plataforma. Também será preciso monitorar se as instituições de pagamento e instituições financeiras com as quais mantenha relacionamento estão dentro da conformidade prevista pelo Banco Central, se atentando para possíveis irregularidades.

Além disso, as plataformas deverão encaminhar um relatório anual à Secretaria de Prêmios e Apostas, até o dia 1º de fevereiro do ano seguinte com informações sobre as práticas de segurança adotadas no ano anterior.

Conclusão

A ascensão das apostas esportivas online no Brasil suscita debates críticos sobre os impactos socioeconômicos e regulatórios dessa atividade. A participação crescente, especialmente entre os jovens, destaca a necessidade urgente de novas regulações que não apenas promovam a integridade econômica e a transparência nas apostas, mas também salvaguardem os interesses dos consumidores mais vulneráveis. Tendo em vista que uma parcela considerável da população utiliza rendimentos discricionários para apostas, e muitos enfrentam consequências financeiras negativas, fica claro que o bem-estar financeiro dos apostadores deve ser uma prioridade nas políticas públicas.

Além disso, à medida que o mercado se expande e se formaliza, é necessário que os legisladores e reguladores ampliem os esforços para educar os apostadores sobre os riscos associados e promovam práticas de jogo responsável. A implementação de medidas como limites de transações e programas aprimorados de educação financeira pode mitigar os efeitos adversos das apostas esportivas. Este é um momento importante para que o Brasil e o mundo se adequem a um futuro para as apostas esportivas que não apenas gere receitas significativas, mas também proteja e informe seus cidadãos, assegurando que a diversão não se transforme em um fardo financeiro.

Por Daniel Duque, gerente da Inteligência Técnica do CLP

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