Avaliação geral
O processo de reforma tributária no Brasil tem sido acompanhado de grandes expectativas por parte de analistas econômicos, empresas e da sociedade em geral. A reforma, em sua essência, representa um avanço significativo para o sistema tributário brasileiro, prometendo simplificar a estrutura atual de impostos e, com isso, reduzir a complexidade e o custo Brasil, fatores que há muito tempo são apontados como obstáculos ao desenvolvimento econômico do país.
Entretanto, as últimas alterações introduzidas no Senado antes da aprovação final da reforma suscitam preocupações quanto à eficácia e aos princípios norteadores do projeto original. Medidas como a Emenda 807, que sujeita integrantes de carreiras tributárias dos entes subnacionais ao teto dos servidores da União, por exemplo, representam um passo na direção errada, levando a um aumento do teto salarial sem justificativa clara para tal, potencialmente exacerbando as desigualdades salariais no serviço público.
Outras emendas introduzem e mantêm benefícios fiscais que podem comprometer a simplicidade e a transparência almejadas pela reforma. Em particular, a Emenda 812, ao propor uma alíquota reduzida para produtos e serviços ligados à economia circular e sustentabilidade, cria uma redundância desnecessária de benefícios tributários voltados ao meio ambiente. Uma política tributária mais eficaz seria aprimorar o imposto seletivo, ajustando alíquotas de maneira a incentivar práticas sustentáveis sem complexificar o sistema.
Além disso, a manutenção e a prorrogação de incentivos fiscais do ICMS durante o período de transição podem diluir os benefícios esperados da reforma, mantendo distorções e ineficiências que a reforma se propunha a erradicar. O mesmo se aplica à introdução do tratamento diferenciado para o setor de eventos, e ao regime específico para operações com microgeração e minigeração distribuída de energia elétrica.
Por fim, a ampliação do Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica para estados amazônicos com Áreas de Livre Comércio, é mais um exemplo de tratamento diferenciado que pode gerar distorções econômicas e impactar negativamente a situação fiscal do governo, comprometendo ainda mais a uniformidade e a eficiência do sistema tributário.
Em resumo, enquanto a reforma tributária traz avanços indiscutíveis para o sistema de tributação brasileiro, os tratamentos diferenciados e as mudanças inseridas no último momento são economicamente questionáveis e corroem o espírito da reforma. A busca por um sistema tributário mais justo, simples e eficiente deve evitar a tentação de criar exceções que apenas perpetuam as ineficiências do passado.
Últimas Emendas aprovadas e avaliação
– Emenda 807: sujeita os integrantes das carreiras tributárias dos demais entes federados ao teto dos servidores da União
- Não Favorável: não há por que aumentar o teto de determinadas carreiras de entes subnacionais.
– Emenda 812: inclui bens e serviços que promovam a economia circular e a sustentabilidade no uso de recursos naturais na alíquota reduzida de 60%;
- Não favorável: há uma sobreposição de benefícios tributários em prol do meio ambiente, como tratamento tributário diferenciado, o imposto seletivo e, com essa emenda, a alíquota reduzida. Vale mencionar que grande parte dos problemas do sistema tributário atual advém da criação de tributos com caráter semelhante a outros já existentes, o que
cumulativamente complexificou o pagamento de impostos. Uma alternativa melhor seria o aumento da alíquota do imposto seletivo e uma redução das alíquotas de consumo geral.
– Emenda 815: permite a prorrogação de incentivos de ICMS durante o período de transição, bem como a utilização do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiros-Fiscais;
- Não favorável: quanto maior o período de transição, quanto maior o número de incentivos, menor será o benefício geral da reforma tributária. Distorções e tratamentos diferenciados levam a ineficiências tais quais existem no sistema hoje, que motivaram a própria reforma.
– Emenda 825: inclui o setor de eventos na alíquota reduzida de 60%;
- Não favorável: não há razão social ou ambiental para tratamento diferenciado do setor de eventos. É uma atividade consumida majoritariamente pelas classes média-alta e alta da população, sem qualquer distinção em relação ao seu impacto ambiental, comparativamente aos demais setores. Com um faturamento de cerca de R$ 290 bilhões anuais (cálculos da ABRAPE), tal diferenciação terá um custo superior a R$ 30 bilhões, que terá de ser pago pelos demais setores.
– Emenda 826: cria regime específico para operações com microgeração e minigeração distribuída de energia elétrica, abarcando, inclusive, o Sistema de Compensação de Energia Elétrica – SCEE;
- Não favorável: novamente, cria-se sobreposição de instituições e estruturas com mesmo objetivo. Não há razão para o tratamento diferenciado deste setor que não já esteja incluso em outras políticas governamentais.
– Emenda 804: amplia o Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica para os estados amazônicos que possuem Áreas de Livre Comércio.
- Não favorável: a Região Norte já se encontra com diversos tratamentos diferenciados e incentivos, como a Zona Franca de Manaus, o Fundo de Desenvolvimento Regional e a alíquota reduzida para plantas automobilísticas sustentáveis. Esse tratamento diferenciado adicional criará diversas distorções, impactando negativamente tanto a economia brasileira como a situação fiscal do Governo
Conclusão
Apesar do crescimento de exceções, o texto é positivo na visão do CLP, sobretudo pela redução de impostos, pelo aumento da transparência da incidência de impostos sobre produtos e serviços, pelo mecanismo de cashback, pela progressividade do sistema e pela criação de um imposto seletivo. No entanto, o CLP é contrário à inclusão de qualquer nova concessão que tenha objetivo de viabilizar a aprovação do texto no Senado.
Por Daniel Duque, gerente de Inteligência Técnica do CLP;