As mudanças da Reforma do Imposto de Renda ocorridas na sua tramitação na Câmara nos Deputados geraram grande discussão. Em primeiro lugar, o projeto moveu de neutralidade fiscal para uma perda de arrecadação de cerca de R$ 30 bilhões – destacadamente devido à calibragem da alíquota de IRPJ, que antes cairia de 15% para 10% no texto original, mas tendo caído para 2,5% no texto substitutivo. Manoel e Barros (2021) estimam que, para cada ponto percentual (p.p) de redução na alíquota de IRPJ, há perda fiscal de R$7,5 bilhões, de modo que o impacto fiscal da redução total da alíquota se encontra em torno de R$ 95 bilhões.
Tal mudança, como se vê, portanto, tem grande impacto fiscal imediato. No entanto, há questões dinâmicas a serem consideradas, uma vez que mudanças de impostos corporativos costumam ter efeitos sobre outras variáveis da economia, especialmente investimento privado. E, na contramão das necessidades do país, o Brasil há anos investe em volume como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) muito aquém do necessário, e em trajetória de queda. Em 2019, a Taxa de Investimento era de 20,9%, caindo para cerca de 15% em 2017. Ainda que tenha aumentado relativamente para 16,4% do PIB em 2020 – dos quais cerca de 2,6% do PIB são de origem pública, o resto advindo do setor privado (13,8%) –, a título de comparação, em 2018, 90% dos países investiram mais do que o Brasil.
No entanto, mesmo que as empresas estejam com mais R$ 95 bilhões por ano em caixa por ano, não se garante que estas investirão mais. Entretanto, com a introdução do Imposto de Dividendos, sua combinação com a queda no IRPJ tende a levar de fato a maiores investimentos privados.
Em um artigo de trabalho recente (Matray e Boissel 2020), foi estudado um dos maiores aumentos na alíquota do imposto sobre dividendos no mundo desenvolvido, ocorrido na França em 2013, de 15,5% para 46%. Com dados administrativos, os autores rastrearam os resultados das empresas durante o período de 2008-2017, e assim comparando empresas tratadas e de controle antes e depois do Reforma de 2013. Foi encontrado que as empresas afetadas pela mudança reduziram substancialmente os pagamentos de dividendos, deixando-os com mais liquidez em seus balanços, o que levou a maiores investimentos, vendas firmes e crescimento de valor agregado, e uma redução na má alocação de capital entre as empresas.
Segundo as estimativas dos autores, para cada aumento de 1% na taxa de imposto sobre dividendos, os empresários franceses tratados aumentaram seu investimento em 0,4%. Esse aumento no investimento, juntamente com a expansão do crédito ao cliente, também encontrada, ajudou as empresas que enfrentavam o aumento do imposto sobre dividendos a crescerem mais rapidamente.
Desse modo, é plausível supor que pelo menos 20% dos R$ 95 bi de incremento de caixa nas empresas seriam redirecionados para investimentos, tendo em vista o estímulo a retenção de lucros pelo imposto sobre dividendos, o que faria com que o Investimento Privado aumentasse cerca de 2% (de 13,8 para 14% do PIB).
O quanto desse aumento acabaria sendo refletido em maior produção econômica e, portanto, maior arrecadação? Derkacz (2020), usando o mesmo método de pesquisa que é usado em publicações semelhantes no estudo de medidas de gasto autônomo (Łaski et al. 2010c; Palley 2009), estimou o multiplicador do Investimento Privado sobre o PIB. Em termos tradicionais, os multiplicadores fiscais, de investimento e de exportação determinam o quanto o valor do PIB muda quando os gastos autônomos individuais mudam. O autor analisou as mudanças nos valores dos multiplicadores durante a desaceleração econômica causada pela pandemia do vírus COVID-19 em cerca de seis países europeus com características econômicas distintas, em períodos trimestrais. Na tabela são expostos os resultados desde 2018.
Tabela 1: Estimativa de multiplicadores de investimentos privados
Considerando, portanto, a média encontrada no período para os seus países, de cerca de 0,82, um aumento de 2% do investimento privado geraria uma alta de 1,6% no PIB. Aplicando uma carga tributária de 30%, tal aumento sobre uma base de cerca de R$ 7,4 trilhões, equivalente ao PIB brasileiro, seria de cerca de R$ 34 bilhões – o que neutralizaria o impacto fiscal da Reforma do Imposto de Renda.
Como tal estimativa depende basicamente de duas principais hipóteses: o repasse do ganho de caixa das empresas para investimentos, e o multiplicador de investimentos privados para o PIB, uma análise de sensibilidade se faz bem-vinda. O Gráfico abaixo mostra uma combinação de cenários com ambos os parâmetros variando 20% positiva ou negativamente.
Como se vê, o ganho de arrecadação com a queda de 12,5 pontos percentuais do IRPJ varia de R$ 20 a R$ 50 bilhões, sendo superior à perda global da reforma em 6 dos 9 cenários. Portanto, há relevante probabilidade de os impactos dinâmicos da medida tornarem o projeto de lei fiscalmente neutro, sem perdas fiscais relevantes.
Referências bibliográficas
Derkacz, Arkadiusz J. 2020. “Fiscal, Investment and Export Multipliers and the COVID-19 Pandemic Slowdowns Uncertainty Factor in the First Half of 2020” Risks 8, no. 4: 122. https://doi.org/10.3390/risks8040122
Manoel, Alexandre; Barros, Gabriel. Déjà vu tributário. Blog do Ibre. Rio de Janeiro. Jul. 2021. Disponível em: https://blogdoibre.fgv.br/posts/deja-vu-tributario
Matray, A and C Boissel (2020), “Higher Dividend Taxes, No Problem! Evidence from Taxing Entrepreneurs in France’’, Working Paper.