Introdução
O Brasil historicamente conviveu com níveis consideravelmente alarmantes de dificuldades impostas pela regulação sobre negócios e também sobre a vida civil. O Gráfico abaixo mostra uma comparação internacional de quatro medidas de qualidade/simplificação regulatória, colocando em perspectiva com o PIB per Capita dos países.
No mundo todo, a resposta da demanda por maior simplificação do tratamento com o Estado é orientada pela busca de melhoria regulatória, tal como ocorre na organização dos países da OCDE. Porém, mesmo com tal diagnóstico claro, soluções têm tido dificuldade de melhorar a situação no país nessa questão, apesar de esforços pontuais.
O mais recente foi a aprovação da Lei 13.874, sancionada dia 20 de setembro de 2019. O texto trouxe medidas de desburocratização e simplificação de processos para empresas e empreendedores, além de flexibilizar regras trabalhistas, como dispensa de registro de ponto para empresas com até 20 empregados, eliminar alvarás para atividades consideradas de baixo risco, e permitir que qualquer atividade econômica seja exercida em qualquer horário ou dia da semana, inclusive em feriados, sem cobranças ou encargos adicionais.
No entanto, tal reforma realizou mudanças principalmente no âmbito do Governo Federal, como consequência de ter sido aprovada anteriormente como Medida Provisória. Vale considerar, por outro lado, que a maior parte da insegurança jurídica e sobreposição regulatória ocorre no âmbito dos entes subnacionais, com diferentes regras entre Estados e Municípios – fazendo com que o país acabe por se tornar um “arquipélago de entidades com regras díspares e conflituosas”, nas palavras do jurista Carlos Ari.
É no sentido de continuar tal esforço de simplificação regulatória, e a melhorar forma de realizar tais reformas, que está no Congresso Nacional o Projeto de Lei 4888/19, que estabelece normas gerais de governança para a edição, a revisão e a aplicação das normas específicas de direito econômico, ou legislação correlata, em conformidade com os princípios gerais da atividade econômica, no âmbito de todos entes da Federação.
O Projeto de Lei 4888/19
O PL trata de normas sobre a estruturação dos processos decisórios e do controle interno, ligados à ordenação pública. Sua principal mudança é a regulação do dever de permanente revisão e avaliação da ordenação para viabilizar a permanente prevenção e eliminação de problemas de eficácia, bem como das ineficiências, desvios e excessos estatais.
A revisão permanente do estoque de normas ocorreria por parte de cada nível federativo. Adicionalmente, caberia ao chefe do executivo estabelecer metas e programas de simplificação regulatória a cada mandato – de modo a incorporar tais mudanças ao debate eleitoral, de forma clara. O foco de tais revisões pode, ainda, variar setorialmente, como construção, meio ambiente, etc…
O PL ainda prevê a integração de estruturas de aprovação legal de iniciativas. Desse modo, se reduziriam os conflitos entre regras por ente federativo. E, ainda, há a instituição do dever do Estado de tornar claras exigências legais, tornando tal princípio um direito de cada cidadão.
Entre outras medidas previstas na proposta, está a previsão expressa de, ao regular atividades privadas, buscar a desburocratização de processos, classificando-as em níveis crescentes de risco, levando em consideração as probabilidades de acidentes e danos para definir e graduar a imposição de deveres e condicionamentos, fiscalização e sanções administrativas.
O projeto também prevê que órgãos e entidades administrativas deverão organizar, por temas, os atos e regulamentos, além de revisá-los constantemente para reduzir sua quantidade e os custos para a sociedade, sem prejuízo às finalidades públicas.
Efeito potencial
Estimar o impacto de tal medida passa por compreender os efeitos da permanente melhora regulatória do país. Messaoud e Teheni (2014) fornecem uma ligação robusta entre os índices de regulamentação e o crescimento econômico, exceto os índices de Comércio Internacional e de Negociação com Licenças de Construção. Usando uma amostra de 162 países no período de 2007-2011, com regressões com variáveis instrumentais, os autores encontram que a maioria dos índices de regulação apresentam os sinais esperados e se correlacionam positivamente com a taxa média de crescimento, sendo robustos para vários exercícios de sensibilidade. Há também evidência semelhante encontrada por Djankov et al. (2006) e Hanusch (2012), sustentando a hipótese de que “boas” regulamentações de negócios estão associadas a maior crescimento econômico.
Em uma regressão simples com cerca de 200 países de 2013 a 2019, incluindo efeitos fixos de país e ano (ou seja, controlando por características fixas dos países e choques em conjunto sofridos por todos países), encontra-se uma associação negativa e estatisticamente significativa entre o número de procedimentos para registrar uma propriedade e o PIB per capita, com este último sendo -2,4% menor em média com um procedimento a mais. Tal impacto seria, portanto, significativo para o Brasil, uma vez que este se encontra na última posição desse indicador entre todos os países analisados, cerca de 8 a mais do que o esperado segundo seu nível de renda média.
Caso o PL 4888/19 fizesse com que o número de procedimentos para abrir uma propriedade convergisse para nível dos demais países, o PIB per capita brasileiro teria, caso os resultados da regressão estejam próximos do efeito causal real (ou seja, quanto a queda do indicador resultaria em uma maior renda média), um crescimento permanente de quase 20%. Mesmo com uma queda de apenas 2 procedimentos, número plausível para um mandato (4 anos), o PIB per capita ainda assim acabaria 4,8% maior. Deve-se, no entanto, interpretar os resultados com cautela, tendo em vista que mais controles estão ausentes. O horizonte temporal de tal crescimento também se mostra ausente nos resultados, podendo ser necessário um período alongado para tal crescimento se concretizar.
Conclusão
A Nota Técnica expôs a questão problemática do ambiente regulatório do Brasil. Em praticamente todos os indicadores de qualidade da regulação, o país performa consideravelmente pior do que a média, especialmente considerando seu nível de PIB per capita. Desse modo, o Projeto de Lei 4888/19 se coloca como uma solução para tal problema, institucionalizando a ferramenta de revisão do estoque de normas no país.
A maior contribuição da PL 4888/19 para tal esforço são: (1) a instituição da revisão periódica; (2) a periodicidade por mandato, sendo dever do chefe do executivo estabelecer metas e programas de simplificação, podendo variar setorialmente, e; (3) a abrangência da mudança, ocorrendo em todos os níveis federativos.
A reforma, como exposto nesta NT, pode, portanto, ter grande impacto econômico, tal como expresso na literatura. Uma regressão simples também mostrou coeficientes de grande impacto para a possível redução de procedimentos para abrir uma propriedade, onde o Brasil tem número consideravelmente maior do que o demais dos países.
Referências Bibliográficas
Djankov, S., McLiesh, C., & Ramalho, R. M. (2006). Regulation and growth. Economics letters, 92(3), 395-401.
Hanusch, M. (2012). The doing business indicators, economic growth and regulatory reform. World Bank Policy Research Working Paper, (6176).Messaoud, B., & Teheni, Z. E. G. (2014). Business regulations and economic growth: What can be explained?. International strategic management review, 2(2), 69-78