Introdução
O sistema tributário tem um papel fundamental no bem estar de uma sociedade e crescimento em uma economia moderna, afetando tanto a competitividade nacional, assim como a distribuição social e regional da renda. Como se sabe, o Brasil é uma das Cargas Tributárias Brutas (CTB) mais elevadas entre os países em desenvolvimento, tendo saltando de 23,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1988 para cerca de 32% ou 33% do PIB desde 2005.
No entanto, além do nível arrecadatório do Sistema Tributário Brasileiro, outro grande obstáculo para o desenvolvimento do país é a sua complexidade. De fato, o sistema tributário brasileiro é referido como uma “estrutura desconexa”, com pouca coerência lógica, tornando excessivo tempo requerido para o pagamento de impostos no país: Segundo o relatório Doing Business, o número de horas gastas pelas empresas para o pagamento de tributos é de 1.501 horas anuais. Tamanho tempo é quase cinco vezes superior à média da América Latina (317,1 horas/ ano), dez vezes superior à média da OCDE (158,8 horas/ano) e coloca o país na última posicão do relatório.
A tributação de bens e serviços, particularmente, no Brasil é uma das mais ineficientes do mundo. Das 1.501 horas mencionadas anteriormente para o pagamento de impostos, 885 (59%) são dedicadas especificamente ao pagamento de tais tributos. Por questões diversas, a arrecadacão tributária indireta é subdividida em vários impostos diferentes, e sob competência dos diferentes entes federativos.
O principal tributo sobre bens e servicos é de responsabilidade dos Estados, o ICMS, enquanto a União arrecada do IPI e, os municípios, do ISS. Mas o Governo Federal também é responsável pelo PIS/Cofins, entre vários outros tributos. Há um aproveitamento restrito de créditos nos tributos não cumulativos, além da coexistência com tributos e regimes cumulativos, como o ISS e o PIS/Cofins, além de conflitos de competência devido à fragmentação da tributação em diversas bases de incidência.
O país sofre ainda de guerra fiscal dos impostos sobre competência regional, como nos serviços taxados na origem pelo ISS e principalmente nas operações interestaduais do ICMS, em que há um híbrido de princípios de origem e destino. Como seria de se esperar, tamanha complexidade tem como consequência numerosos processos judiciais.
Economistas diversos têm estudado os princípios para um bom Sistema Tributário (Mirless e coautores, 2011). Dentre estes, é consenso a necessidade de equidade horizontal, isto é, a minimização de arbitrariedades de tratamentos tributários não isonômicos entre agente econômicos e eficiência, ou seja, a busca por manter o sistema o mais simples e transparente possível. Desse modo, uma Reforma Tributária deveria focar principalmente nesses pontos.
Efeitos práticos da complexidade tributária: o caso da base de incidência do PIS/COFINS e ICMS
O PIS/COFINS é um tributo que incide sobre a receita, no entanto, parte de tal valor é também tributado pelo ICMS. A base de cálculo, portanto, do PIS/COFINS foi objeto de uma longa e discussão tributária, até que, em 2017, o STF decidiu que o ICMS não entra na base de cálculo do PIS/COFINS – diferentemente do que vinha sido feito pelo Governo Federal.
Após tal decisão, portanto, a União entrou com um recurso “modular os efeitos”, ou seja, estabelecer a partir de quando a decisão valeria. Em geral, decisões sobre constitucionalidade de uma norma retroagem, de modo que tudo que foi feito dessa forma é nulo e deve ser reparado – o que, nessa discussão do ICMS x PIS/COFINS, significaria que os contribuintes que pagaram esse PIS/COFINS sobre o ICMS teriam direito a pedir esse dinheiro de volta.
A União, no entanto, alega com base em argumentos práticos que tal modulacão dos efeitos teria efeitos práticas inviáveis. E, como esse tema do ICMS na base do PIS/COFINS está em discussão há quase 20 anos, muitas empresas e indivíduos entraram com processos nesse período.
Mesmo a decisão do STF tendo sido vinculada em 2017, o julgamento sobre a modulação de seus efeitos ainda não ocorreu, colocando múltiplos atores públicos e privados em compasso de espera devido à excessiva complexidade tributária brasileira.
A PEC 45/2019 da Câmara dos Deputados
Como visto, está bastante disseminada na literatura especializada a visão de que um caminho possível para minorar boa parte dos problemas é promover uma reforma simplificadora que passa pela fusão (ou substituição) de vários tributos, sendo substituídos por Imposto Sobre Valor Adicionado (IVA) e um imposto seletivo (IS) com características alinhadas às melhores práticas internacionais. É nesse sentido que caminha a PEC 45/2019, na Câmara dos Deputados.
No relatório recentemente apresentado da PEC, o país passaria pela substituição do IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS, que correspondiam juntos à 12,3% do PIB em arrecadação no ano de 2017, para um único tributo, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Este seria ainda complementado por um Imposto Seletivo, com finalidade extrafiscal ou regulatória (e, portanto, não arrecadatória) que incidiria sobre bens específicos como cigarros e bebidas. Adicionalmente, tributação também passaria a ser exclusivamente aplicada no destino, ou seja, no local do consumidor do bem ou serviço.
A arrecadação de tais impostos teria base ampla, e seria compartilhada entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Não tinha sido ainda estabelecida uma alíquota para os novos tributos, com cada esfera de governo podendo estabelecer sua respectiva alíquota em lei ordinária, mas que deveria ser a mesma para todas as operações com bens e serviços, acabando com a possibilidade de benefícios fiscais setoriais.
Impactos da Reforma Tributária
O economista Fernando Veloso aponta uma reforma que simplifique o sistema tributário para todas as empresas, e reduza significativamente os regimes especiais de tributação, como uma das três mais importantes para o aumento da produtividade do país. Segundo o pesquisador, renúncias fiscais em geral não são apenas custosas do ponto de vista fiscal, mas também ineficazes em termos de melhoria da produtividade, criando incentivos para a transferência de recursos ão para as empresas beneficiadas em detrimento daquelas excluídas, que muitas vezes são mais produtivas.
Segundo relatório da Endeavor, a unificação do PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS teria também efeito estimado de redução de 68%, ou 600 horas por ano, no tempo para pagamento de tributos indiretos para as empresas – o que significaria redução de 885 horas/ano para 285 horas/ano. Tal mudança faria com que o país saísse da última posição, como mostra o Gráfico abaixo, ainda que continuasse atrás da grande maioria dos países nesse quesito.
Economistas apontam ainda para significativos impactos da Reforma Tributária, ainda que com diferentes magnitudes. Appy aponta para um crescimento de pelo menos 5% do PIB em 15 anos apenas com a união dos tributos mencionados. Já Oliveira (2020) , economista do IPEA, estima que uma reforma tributária teria um impacto de 12% sobre o PIB e 15% sobre a produtividade em 10 anos.
Mesmo assumindo o cenário mais conservador, de impacto de 5% em 15 anos, tal reforma teria um impacto de pelo menos 1% do PIB sobre o crescimento econômico nos próximos 5 anos, gerando uma receita adicional de cerca de R$ 20 bilhões aos cofres públicos no mesmo período, pela via do aumento do nível de atividade econômica.
Conclusão
Como se vê, a Reforma Tributária se dá em um cenário de urgência para o país aumentar sua produtividade e competividade, caminhando em direção a um Sistema Tributário mais eficiente e mais horizontalmente equitativo. Tal reforma, se aplicada, reduziria sensivelmente o número de horas necessárias para que empresas planejassem o pagamento de seus impostos, e levaria a um crescimento econômico pelo menos 1 ponto percentual acima de sua trajetória prevista para os próximos cinco anos, o que geraria uma receita adicional de cerca de R$ 20 bilhões.
¹https://blogdoibre.fgv.br/posts/por-onde-comecar-reformas
²https://www.camara.leg.br/noticias/698041-economista-estima-aumento-do-pib-e-da-renda-com-reforma-tributaria/
³https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/conjuntura/cc48_nt_tributacao_do_consumo.pdf