Resumo
Tendo em vista o fatiamento da reforma tributária, o Governo enviou ao congresso a PL 2337/21, sobre a tributação de rendimentos de pessoas físicas e jurídicas. A reforma é avaliada sob os princípios de simplicidade, transparência e justiça tributária. O diagnóstico principal do documento se resume ao fato de que a PL faz mudanças na direção correta, principalmente em relação à criação imposto sobre dividendos e reduzindo significativamente o IRPJ e CSLL. No entanto, há erros graves referentes à calibração de alíquota e as múltiplas e injustificáveis isenções. Tendo em vista que o princípio da simplicidade e justiça tributária são prejudicados com esses erros, defende-se a revisão desses pontos.
Introdução
A Reforma Tributária tem sido alvo de sucessivas tentativas em diferentes governos, como as de 1995, 2003 e 2008. Novamente, uma nova iniciativa se iniciou no ano passado, 2020, com protagonismo do Congresso, com o PL 110/2019, no Senado Federal, e a PEC 45/2019, na Câmara dos Deputados, cada uma contendo uma ampla reforma no sistema tributário do país.
No entanto, o Governo Federal, propôs uma alteração na estratégia de proposição das mudanças, com propostas menos abrangentes e fatiadas em sua tramitação. Tal mudança estratégica partiu do diagnóstico, descrito por Junqueira (2011), de que a ampla insatisfação com os tributos no Brasil tem induzido diferentes governos a propor reformas amplas, que alteram muitos aspectos da intrincada estrutura tributária, o que gera conflitos multidimensionais, ou seja, o aparecimento de muitas clivagens políticas simultâneas. Desse modo, seria necessário um fatiamento e enxugamento das propostas para viabilizá-las politicamente.
Este documento focará no Projeto de Lei 2.337/20, votado na Câmara dos Deputados, relatado pelo Deputado Celso Sabino (PSDB-SP), relacionada aos tributos sobre rendimentos de pessoas físicas e jurídicas, além de instrumentos financeiros. O CLP defende que qualquer Reforma Tributária se oriente por três princípios: (i) Simplicidade; (ii) Transparência e; (iii) Equidade. Desse modo, será feita uma avaliação geral das propostas a partir desses fatores.
a. Breve diagnóstico do Sistema Tributário Brasileiro sobre Rendimentos
- Rendas de pessoas mais ricas e outras fontes de renda não são totalmente capturados na base tributária. Dividendos não são tributados, há isenções e deduções que beneficiam os mais ricos (como plano de saúde) e perde-se receita do imposto sobre propriedade de alto valor uma vez que muitos municípios deixam de atualizar o valor de mercado ou o subestimam.
- O Brasil é um dos países com mais baixo percentual de receita tributária advinda de impostos diretos – seja sobre renda, lucros ou dividendos. Enquanto a média da América Latina é de 27%, no país é de cerca de 22%. Isso faz com que nosso sistema tributário seja relativamente regressivo, distribuindo menos a renda do que no resto do mundo via impostos.
Percentual da Receita Tributária por fonte na América Latina
- Desde 1995, houve uma política de ampliação da base de pagamento do imposto de renda por inércia inflacionária. Não reajustando a tabela das faixas de renda do IRPF, a atual faixa de isenção é aproximadamente metade do que foi em 1995.
Gráfico 1: Valor Real da Faixa de Isenção do IRPF por ano
- O Brasil é uma anomalia em relação à taxação de lucros. Enquanto o país tem uma das maiores tributações sobre o lucro das empresas anteriormente à distribuição (IRPJ+CSLL) para grandes empresas, ao mesmo tempo não se tributa dividendos, quando há distribuição dos lucros obtidos pelas empresas. Orientação internacional e da literatura econômica é ter uma estrutura exatamente oposta.
- Rendimentos financeiros estão sujeitos a diversas diferenças arbitrárias e pouco isonômicas. Orientação internacional e da literatura econômica é manter regras simples e com poucas exceções.
b. A Reforma dos Impostos sobre Rendimentos em Tramitação na Câmara
Como as questões colocadas acima são tratadas pela reforma enviada pelo governo, hoje em análise pela Câmara dos Deputados? Na tabela abaixo, são mencionados os principais pontos da reforma proposta, já englobando as mudanças ocorridas durante a tramitação. Em anexo, está uma lista mais completa, com a avaliação do CLP.
c. Avaliação Geral da Reforma
i. IRPF
Em relação às mudanças do IRPF, apesar de o Brasil ter uma proporção relativamente alta de população adulta isenta do pagamento do imposto, a proposta reverte uma tendência histórica de ampliação de base por inércia inflacionária, um movimento de baixa transparência e debate público. O reajuste iguala a faixa de isenção ao valor real observado em 2015.
No entanto, é válido mencionar que o percentual da população isenta de pagamento do IRPF não está em linha com os padrões internacionais, uma vez que a base de pagadores do Imposto de Renda, cerca de 35 milhões de brasileiros (menos de 30% dos adultos), é consideravelmente menor do que nos países desenvolvidos. Os Gráficos abaixo mostram que, enquanto muitos países não têm qualquer isenção para a população, com alíquotas mínimas variando entre 2 e 25%, aqueles que apresentam isenções, o fazem para cerca de apenas cerca de 10% da população – ao contrário do Brasil e Chile, que isentam cerca de 80% atualmente. Com a nova mudança, o Governo Brasileiro passará o Chileno e terá, proporcionalmente, a menor base de contribuintes do Imposto de Renda.
No entanto, seguindo o princípio da transparência, o CLP defende que, mesmo que fosse proposta uma bem-vinda mudança no sentido de aumentar a base tributária do IRPF, com redução da faixa de isenção, esta deveria ser fruto de um Projeto de Lei, discutido pela sociedade. Idealmente, esta seria atrelada ainda a um reajuste automático das faixas de renda pela inflação do ano passado, ou pela meta do ano corrente.
Na primeira versão do texto das mudanças do IRPF, era também estabelecido um limite de renda bruta de até R$ 3.333 mensais para poder ser aplicada a declaração simplificada. Esta permite ignorar quaisquer gastos isentos e/ou dependentes e calcular a renda tributável como 80% da renda bruta, com um limite de dedução de 16.754,74 anuais (quase R$ 1400 mensais).
No entanto, o texto aprovado pela Câmara dos Deputados prevê que, alternativamente ao limite de renda mencionado acima para a possibilidade do uso da Declaração Simplificada, o limite de dedução desta passa a ser R$ 10.573,60 anuais (cerca de R$ 880 mensais). Como, no entanto, aqueles que optam por tal módulo ainda se beneficiam de menores alíquotas, todos declarantes acabam por pagar alíquota menor ou pelo menos igual à antes da reforma, como mostra o Gráfico abaixo.
A maior fragilidade desta recente mudança se deve ao alto impacto fiscal. Anteriormente, o limite da Declaração Simplificada levava a uma economia de cerca de R$ 10 bilhões anuais. No CLP, não se tem acesso à distribuição de declarantes do IRPF pelo módulo simplificado, no entanto, assumindo uma semelhante à divulgada pela Receita Federal para a totalidade dos declarantes, tem-se que a redução de alíquota para o grupo dos simplificados que recebem uma renda bruta entre R$ 2 mil e R$ 7 mil mensais vai a cerca de R$ 6,8 bilhões anuais. Mesmo assumindo-se que aqueles que optam pela Declaração Simplificada têm em geral menor renda, e que alguns se tornam isentos de pagar imposto de renda com a reforma, a perda fiscal total dessa mudança vai a cerca R$ 15 bilhões por ano.
ii. IRPJ e imposto sobre dividendos
Já em relação as mudanças do IRPJ, a proposta adequa tributação do Brasil sabre o lucro das empresas e seus acionistas conforme a experiência internacional, reduzindo a alíquota sabre lucros pré-distribuição (ver gráfico abaixo), e criando um novo tributo sabre a distribuição destes rendimentos (chamados dividendos). Com isso, o Brasil avança relativamente no sentimento de tributar mais rendas do capital, passando a Polônia, Turquia e Colômbia, coma mostra o Gráfico abaixo.
Gráfico 2: Impostos sobre ganhos de capital pré e pós-distribuição
A proposta, no entanto, não necessariamente significa um aumento da carga tributária sobre rendimentos do capital. No Gráfico acima, além de se considerar empresas de porte pelo menos médio, com lucro mensal acima de 20 mil, também toma como hipótese a distribuição total dos lucros das empresas.
A tabela abaixo mostra que, a depender do percentual distribuído, de fato a carga tributária pode acabar, de fato, diminuindo o grau de tributação. Como se vê, enquanto empresas médias ou grandes acabam por ter um aumento da alíquota efetiva de 21,8% para 29,1% caso distribuam 100% dos lucros, tal aumento torna-se queda para 20,4% caso estas distribuam apenas 30% do lucro. Já micro e pequenas empresas do lucro presumido, como estão isentas, acabam por experienciar uma relevante redução da alíquota efetiva, de 21,8% para 16,6%.
A queda da alíquota do IRPJ, de 15/25% para 6.5/16.5% (a depender do nível do lucro), portanto, e uma das medidas com maior impacto sobre a arrecadação, mas também sobre a economia. Em Nota Técnica recente, referente a uma queda marginalmente maior, para 2.5/12.5%, discute-se que, tal mudança, apesar de gerar uma perda cerca de R$ 95 bilhões sobre os tributos arrecadados, também tem meios de incentivar um aumento do investimento privado (devido a combinação com o Imposto sobre Dividendos), o que por si só aumenta a economia do pais e, portanto, a arrecadação. Simulações realizadas mostram que tal retorno pode variar entre R$ 20 e R$ 50 bilhões. Desse modo, o impacto fiscal global imediato da proposta, de perda de cerca de R$ 30 bilhões de arrecadação, pode ser totalmente mitigado por suas consequências sobre o aumento do investimento.
A proposta gera, como consequência natural, uma menor possibilidade de dedução do IRPJ pelas empresas com investimentos chamados sociais. O maior percentual passível de dedução, de 4%, e ligado à cultura, como pela Lei Rouanet. No entanto, os ganhos econômicos tendem a gerar maiores ganhos sociais, principalmente pela redução de tributação que empreendimentos culturais desfrutarão.
É válido mencionar, no entanto, importante ponto negativo: a proposta do imposto sobre dividendos, incluindo uma isenção para as micro e pequenas empresas (MPE’s) no lucro presumido, gera incentivo negativo gerado pela possibilidade de subdividir a empresa em partes menores para usufruir dos limites de dedução estabelecidos, gerando perdas de produtividade pelo canal dos ganhos de escala. Há ainda estímulo ao planejamento tributário, negativo para a economia. Adicionalmente, a isenção do Simples faz pouco sentido em termos distributivos e de isonomia. Como se vê na tabela abaixo, ocupados por Conta Própria com CNPJ, dentre os quais se inserem principalmente trabalhadores do MEI e Simples, estão concentrados nos extratos superiores de renda. Desse modo, ambas categorias, ou apenas a última, teriam a capacidade financeira para o pagamento desse novo imposto.
Tais isenções, vale lembrar, acabam por gerar grande impacto fiscal. Anteriormente, este era compensado por uma alta alíquota para as não isentas, de 20% sobre distribuição de dividendos. No entanto, um destaque aprovado na Câmara acabou por reduzi-lo a 15%, fazendo com que a proposta acabe por ter um impacto fiscal global negativo.
iii. Impostos sobre ativos financeiros
Outro ponto importante da reforma são as mudanças promovidas no Imposto de Renda para investimentos financeiros. De modo geral, as medidas são positivas tendo como norte a promoção de maior equidade no tratamento dado aos fundos abertos (mais populares) e aos fundos fechados, os quais são bastante exclusivos tendo recursos volumosos aplicados. A proposta de tributação do estoque dos fundos fechados também vai na direção correta. Vale notar que, atualmente, existe uma distorção na regra de tributação desses fundos, a qual acaba sendo diferida com alguns ficando anos sem pagar tributação.
d. Conclusão
Esta Nota Técnica fez uma análise da tributação sobre rendimentos no Brasil concluindo que existem inúmeras distorções, como a não tributação de lucros e dividendos e a elevada tributação pré-distribuição dos lucros. Também foi elaborada uma visão geral sobre a reforma do Imposto de Renda proposta e seus impactos nas contas públicas e no setor produtivo. A reforma promove mudanças que simplificam diferentes regras em relação a rendimentos financeiros, além de torná-la mais transparente. O reajuste das faixas de renda do IRPF reduz a base tributária, mas de forma progressiva, com maior ganho marginal aos adultos de menor condição financeira. Por fim, as mudanças no IRPJ, com criação dos dividendos é, além de A reforma promove mudanças que simplificam diferentes regras em relação a rendimentos financeiros, além de torná-la mais transparente. O reajuste das faixas de renda do IRPF reduz a base tributária, mas de forma progressiva, com maior ganho marginal aos adultos de menor condição financeira. Por fim, as mudanças no IRPJ, com criação dos dividendos é, além de progressiva, também tendem a induzir maiores investimentos por parte das empresas. No entanto, seu elevado número de isenções atenta contra a isonomia e o princípio de justiça tributária, sendo esse o ponto mais importante de ser revisto em seu mérito.
Links Importantes
- Junqueira, Murilo de Oliveira. “O nó tributário: por que não se aprova uma reforma tributária no Brasil.” PhD diss., Universidade de São Paulo, 2010.
- Pires, Manoel; Goto, Fábio. A Reforma do Imposto de Renda. Observatório de Política Fiscal, Rio de Janeiro, jun. 2021. Disponível em: https://observatorio-politica-fiscal.ibre.fgv.br/reformas/tributacao/reforma-do-imposto-de-renda.
- Laureano, Luis, and Márcio Telles Portal. “Does Brazilian allowance for corporate equity reduce the debt bias? Evidences of rebound effect and ownership-induced ACE clientele”. 2016.
- Orair, Rodrigo Octávio, Sergio Wulf Gobetti, Ésio Moreira Leal, and Wesley de Jesus Silva. Carga tributária brasileira: Estimação e análise dos determinantes da evolução recente: 2002-2012. No. 1875. Texto para Discussão, 2013.