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O cubo mágico da formação de professores

Reunião de Goiás
 
Você já tentou resolver um cubo mágico? Se já conseguiu fazê-lo, sabe que pouco adianta resolver uma face toda e partir para as seguintes. É preciso ir resolvendo todas ao mesmo tempo, porque cada face, cada peça está relacionada com as demais e as influencia. Essa é uma boa imagem para ilustrar e ajudar a entender o desafio da estrutura de formação de professores no Brasil.
 
Ainda que haja enorme convergência em torno do papel central do professor para mudarmos de patamar na educação, ações pontuais não vão resolver a questão. Serão necessárias mudanças em várias frentes, progressivas, simultâneas e articuladas, para de fato elevarmos a profissão docente ao patamar que lhe cabe, como a principal e mais importante do País. Como as seis faces do cubo mágico, destacamos aqui seis frentes – identificadas a partir da contribuição de dezenas de especialistas – que precisam ser destravadas.
 
Primeiro, o potencial de impacto de uma agenda de mudança que objetiva aproximar a estrutura de formação docente dos desafios da prática em sala de aula está altamente relacionado à capacidade do País de tornar a carreira docente muito mais desejada e atrativa para os jovens. Até hoje nenhum país no mundo – nenhum! – conseguiu constituir um conjunto de professores de excelência partindo de um cenário em que a maioria dos que optam pela carreira são alunos egressos do ensino médio com desempenho escolar abaixo de uma média nacional já muito baixa, como no Brasil. Isso tem que ver, é claro, com a valorização da carreira como um todo, desde a remuneração até o respeito pela sociedade.
 

Segundo, ainda há um tímido entendimento (ou falta de priorização) por parte dos gestores estaduais e municipais de que o debate sobre formação de professores tem nos critérios de ingresso e progressão na carreira importantes indutores de mudanças. No que diz respeito ao ingresso, é ali que, em tese, se devem estabelecer o perfil docente desejável e os critérios para contratação, e também o momento em que se desenvolve o estágio probatório de três anos. Já no âmbito da progressão é que está um dos principais mecanismos de incentivo e, portanto, a oportunidade de reconhecer a busca do desenvolvimento profissional como parte essencial da evolução na carreira.

Terceiro, o marco regulatório brasileiro recente que rege a temática é genérico e pouco indutor. Assim, na prática, observa-se que os cursos de pedagogia e licenciatura (seja em universidades públicas ou particulares) e os programas de formação continuada nas redes de ensino que quiserem avançar no sentido proposto podem fazê-lo. Mas se não quiserem, seja por que motivo for, conseguem navegar sem dificuldade no campo da subjetividade para cumprir as regras, em especial na formação inicial.

Quarto, encarar a complexidade inerente da formação inicial e continuada dos professores. Uma boa atuação docente depende muito menos de vocação e muito mais de uma estrutura de formação que, prioritariamente, saiba como promover a articulação entre teoria e prática e o efetivo ensino da didática. A falta de prestígio da temática nas universidades, o alto número de formadores dos futuros professores que não têm a experiência de atuação em sala de aula na educação básica e a ainda pouca indução do governo federal para estimular o desenvolvimento e a ampliação da capacidade instalada nessa área de conhecimento são algumas das explicações para o baixo número de experiências de sucesso no Brasil.

Quinto, a refratária dinâmica escolar ao desenvolvimento da escola também como lugar da formação docente. O processo de implantação de políticas e programas de formação continuada – estratégia-chave para o curto prazo, já que são mais de 2 milhões de professores na ativa – muitas vezes esbarra na falta de condições adequadas na escola. Por exemplo: é sabida a ampla relevância da troca de experiências entre os professores de uma mesma unidade escolar sobre sua prática pedagógica, porém são poucas as redes de ensino que estabelecem políticas consistentes para criar tais condições, em especial no que tange à atuação do coordenador pedagógico e ao uso efetivo de um terço da carga horária, assegurado por lei nacional, para atividades fora da sala de aula.

Sexto, não há uma definição clara, em âmbito nacional, do que se espera da atuação docente em sala de aula, o que dificulta o avanço de um debate mais objetivo e preciso sobre o que especificamente precisa ser alterado ou mantido na estrutura de formação. É como perguntar que caminho se deve seguir sem saber aonde exatamente se quer chegar. A experiência internacional mostra que a definição colaborativa, envolvendo os professores, de parâmetros da prática docente para nortear os programas de formação inicial e continuada, numa perspectiva referencial, e não focada em responsabilização, é uma política-chave para impulsionar melhoras relevantes e, inclusive, maior valorização da carreira.

Assim como no cubo mágico, a inter-relação dessas diferentes faces ou dos desafios da formação de professores é clara e elevada. Ou seja, mudanças transformadoras na formação de professores – e, consequentemente, nos resultados de aprendizagem dos alunos – só serão concretizadas se a abordagem for coordenada e norteada por uma visão sistêmica. Com a nova estrutura curricular proposta para o ensino médio, recém-aprovada pelo Congresso Nacional, e o avanço da Base Nacional Comum Curricular, ambas em discussão há anos no País, o momento é agora. Caso contrário, a maioria das promessas – positivas e desejáveis – de melhora da educação básica pública brasileira não passará disso: serão apenas promessas.

*Priscila Cruz – Mestre em administração pública pela Harvard Kennedy School, é fundadora e presidente do Movimento Todos Pela Educação

*Olavo Nogueira Filho – Pós-Graduado em gestão pública pelo Centro de Liderança Pública, é gerente geral do todos pela educação

Confira o artigo na íntegra no site do Jornal O Estado de S. Paulo.

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