Sendo um dos assuntos de maior prioridade da população, a educação enfrenta uma série de reduções em suas receitas desde 2014. A estabilidade das despesas individuais com alunos e a redução do número de alunos matriculados na rede municipal de ensino (em 2015, a queda foi de 1,2%) se tornaram problemas ainda maiores, incluindo o fato de que a educação está consumindo uma parcela maior do orçamento dos municípios em todo país.
Soma-se o Decreto de Contingenciamento (Nº 9.018), sancionado no último dia 30 de março pelo Poder Executivo, o qual prevê um corte de R$ 42,1 bilhões do Orçamento do Governo para o ano/exercício 2017.
A educação foi uma das pastas mais afetadas pela medida, sofrendo um corte de R$ 4,3 bilhões. Esse montante reduziu o orçamento da Lei Orçamentária Anual (LOA) em 12%, para R$ 31,4 bilhões. A medida força os gestores públicos da Educação a definirem prioridades de gestão, evitar desperdícios e otimizar os processos que envolvem a gestão da rede educacional.
O desempenho do Brasil
Professores pouco qualificados, salários baixos, pais que participam pouco da educação dos filhos e a falta de estrutura básica para dar aulas são os problemas mais comuns apresentados pelo cenário educacional do país.
O baixo desempenho brasileiro em rankings e avaliações internacionais também é um destaque negativo. Segundo uma análise feita pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgada em fevereiro/2016, o Brasil tem o segundo maior número de estudantes com baixa performance em matemática básica, ciências e leitura em uma lista de 64 países de todo o mundo, ficando atrás de alguns países, como, Peru, Albânia e Tunísia.
Alguns especialistas responsabilizam a ausência de parâmetros para o que se deve ensinar, uma vez que não há um currículo nacional para o ensino fundamental no país. Além disso, muitas cidades e estados também não possuem uma base educacional pré-estipulada, desse modo, torna-se inviável dizer se um programa de aprendizado é adequado para um aluno nos primeiros anos de vida escolar.
Uma das recentes iniciativas governamentais é a de destinar 10% do PIB do país para a educação. Porém, os gastos individuais com alunos continuam altos. Ainda se gasta muito mais no ensino superior do que no ensino fundamental.
O exemplo cearense
Em 2015, o município de Sobral apresentava um Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de 8,8, marca que o consagrou como o município com o melhor índice do Ceará, da Região Nordeste, e de todos os municípios brasileiros. O número ultrapassa a média proposta pelo MEC para 2021 (6,1).
Ao alcançar 7,3 pontos, em 2011, a cidade zerou a taxa de abandono escolar do 1° ao 5° ano. O desempenho das escolas municipais permaneceu acima da média do estado (4,9), e, também, da média nacional (5,0). Dentre as 47 escolas da rede municipal, 35 foram avaliadas pelo Ideb, sendo que 34 aparecem entre as 100 melhores da região Nordeste, e 9 delas estão entre as 100 melhores do país.
Na educação básica, conforme dados do Censo Educacional de 2015, a cidade possui um número total de matrículas de 33.939 alunos, sendo que 26.276 (77%) concentram-se na rede municipal. Da matrícula total de Sobral, 28.312 delas constituem o ensino fundamental, tendo 21.933 das matrículas efetivada na rede municipal. Desde 2001, o município ampliou o ensino fundamental para nove anos. O atendimento às crianças de seis anos também vigora na matrícula do ensino fundamental. A cidade tem uma taxa de alfabetização de 94,90%, a qual faz dela a mais alfabetizada do nordeste e do Brasil.
Dado positivo retrospecto da cidade, e propondo facilitar aos administradores públicos encontrarem melhores soluções para a educação pública sob as atuais condições político-econômicas da nação, o CLP conversou com Francisco Herbert Lima Vasconcelos, atual Secretário da Educação de Sobral.
Como a gestão municipal de Sobral alcançou seus expressivos resultados?
No final da década de 90, a gestão municipal começou a enfrentar, com sentido de prioridade, a realidade de uma rede municipal absolutamente desestruturada, como era regra na maioria dos municípios brasileiros, com absurdos níveis de ineficiência evidenciados nas altas taxas de abandono, de distorção idade-série, na ausência de professores habilitados, entre outros tantos problemas.
Há 20 anos, a gestão municipal de Sobral fez várias mudanças, estruturando a política educacional de Sobral, que era inexistente. Foram feitos grandes investimentos na construção de novas escolas, reforma e ampliação das escolas existentes; além da nucleação das escolas, acabando com as salas multisseriadas. Houve uma ampla oferta de formação superior para os professores sem habilitação e realização dos primeiros concursos públicos para selecionar professores e diretores por competência acadêmica. Antes disso, predominavam as indicações políticas e havia até diretor de escola analfabeto.
No ano de 2000, nós fizemos uma pesquisa sobre os níveis de leitura dos alunos que estavam concluindo a 2ª série do ensino fundamental, que revelou que 50% dos alunos não sabiam ler e escrever, as nossas escolas municipais estavam formando analfabetos.
Então, definimos como foco da nossa ação a alfabetização de todas as crianças na idade certa. Nesse período, nós identificamos também problemas de gestão nas escolas, nas salas de aula e na própria secretaria. Em 2001, o foco da gestão foi alfabetizar as crianças no 1° ano, e para isso a Secretaria desenhou e implementou estratégias para assegurar a efetiva alfabetização dessas crianças. Porque se a criança não aprende, ela também não poderá adquirir conhecimentos de matemática, ciências, história, geografia, e etc.
Como a educação na cidade é administrada?
Alguns processos foram muito importantes para tornar o discurso uma realidade progressivamente internalizada em toda a rede e na comunidade, como a implementação de um processo qualificado de seleção de diretores e absolutamente isento de qualquer influência político partidária. Os gestores escolares de Sobral passam por seleção pública e concurso. Estão nos cargos que ocupam por mérito e capacidade próprios.
Com foco na aprendizagem e prioridade na alfabetização da idade certa, nós estruturamos a política educacional de Sobral com um conjunto de ações articuladas e baseadas em três eixos estratégicos: o fortalecimento da gestão escolar – concursos públicos de diretores e professores, formação continuada, autonomia administrativa, pedagógica e financeira para as escolas; o fortalecimento da ação pedagógica – com a qualificação e organização do trabalho em sala de aula, formação continuada dos professores, material pedagógico e didático estruturado e avaliação externa; e a valorização do magistério – com reconhecimento, gratificação por desempenho e qualificação docente.
Atualmente, a Prefeitura de Sobral elaborou os documentos curriculares de Língua Portuguesa e Matemática e está na etapa de implementação desses novos currículos. A meta agora é elevar o patamar da rede de ensino de Sobral para uma das melhores da América Latina. Numa experiência pioneira, o município aplicará o Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (PISA) para alunos da rede pública de Sobral.
Vocês atuam em conjunto com outros municípios?
Uma das estratégias responsáveis pela elevação dos indicadores de qualidade da educação municipal foi ter o foco inicial na garantia da alfabetização de todas as crianças na idade certa, e por isso foi criado o Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC), que estabelece a alfabetização de todos os alunos até 7 anos de idade. Criado em Sobral, o programa foi ampliado para todo o Estado do Ceará, em 2007, pela então gestão municipal, sendo que esse mesmo modelo inspirou o Governo Federal na criação do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), em 2012, aplicado em todo o Brasil. Embora o município de Sobral não tenha uma parceria estabelecida com nenhum outro município, a experiência educacional de Sobral contribui mostrando um caminho possível rumo a qualificação do ensino público.
É possível gerir a educação de uma cidade plenamente sob a atual situação financeira do país (incluindo a diminuição dos repasses da União para estados e municípios)?
De fato, o momento que o país atravessa é de muita dificuldade e restrições financeiras, mas Sobral tem priorizado os investimentos em educação, de forma efetiva, há duas décadas. A continuidade da política pública de educação e dos investimentos aliado à boa gestão dos recursos, ao longo desses últimos 20 anos, garantiram uma boa base para que Sobral estivesse alcançando resultados significativos, prezando pelo princípio da economicidade sem gerar nenhum prejuízo ao atendimento das demandas básicas, como merenda e transporte escolar, material escolar, contratação de novos profissionais e formações desses profissionais, entre outros. No ano de 2016, a Prefeitura de Sobral aplicou 27,38% do orçamento municipal em educação, ultrapassando o percentual mínimo exigido pela Constituição que é de 25%. E já no início deste ano, foram empossados 135 professores aprovados em concurso público.
Como a tecnologia está gerando resultados para a rede de educação da cidade?
Com o objetivo de elevar a qualidade da educação do município para níveis internacionais, Sobral também está desenvolvendo um novo currículo de ciências, em parceria com a Universidade de Stanford e a Universidade Federal do Ceará. O novo currículo de ciências de Sobral envolverá o uso de tecnologias e engenharia para envolver os alunos no fazer, valorizando a criatividade e respeitando as fontes locais de conhecimento. Baseado em pesquisas científicas da Universidade de Stanford, o município implantará laboratórios de fabricação digital adaptados ao ambiente escolar (Fab Learn Labs), nos quais os estudantes têm acesso à tecnologia de ponta para construção de conhecimentos científicos.
Todas as escolas de ensino fundamental possuem laboratórios de informática, que são utilizados nas aulas para o desenvolvimento do projeto Khan Academy na Escola, no qual os alunos têm aulas de matemática de forma personalizada. O sistema reconhece quais habilidades o aluno domina e quais ainda precisa praticar e os professores acompanham, em tempo real, o percentual de acertos dos estudantes. E os Centros de Educação Infantil também contam com mesas digitais contribuindo para o processo de ensino aprendizagem com o uso de tecnologia já nos primeiros anos da educação infantil.
Desde 2001, todos os alunos matriculados na rede pública municipal de Sobral são avaliados semestralmente por áreas de competência e habilidades em leitura oral, língua portuguesa, escrita e matemática. As provas são elaboradas e aplicadas por uma coordenação de avaliação externa às salas de aula e os resultados são fornecidos às escolas, num sistema informatizado, por turma e por aluno. Esta ação tem possibilitado o constante redesenho das políticas públicas voltadas para a garantia da oferta de um ensino de qualidade aos alunos da rede. É um dos principais instrumentos para a elaboração de políticas públicas dos sistemas de ensino e redirecionamento das metas escolares.
É possível gerar bons resultados em educação não gastando muitos recursos? O que aconselha aos gestores públicos que desejam estabelecer iniciativas eficientes e de baixo custo?
Mesmo em meio a grave crise econômica e financeira que afeta o Brasil, agravada pelos últimos cinco anos de estiagem no Ceará, Sobral investiu na universalização do atendimento na pré-escola, para crianças de 4 e 5 anos, com a inauguração de 13 Centros de Educação Infantil, e ampliou para cerca de 50% o atendimento das crianças de 0 a 3 anos em creches, enquanto a média de atendimento no Brasil é de 25%. Em 2014, o Município implantou o ensino em tempo integral do 6° ao 9° ano. E já conta com quatro colégios de tempo integral em funcionamento e outras 11 escolas de tempo integral em construção.
Antes da implantação da nova política municipal, a Secretaria de Educação concentrava o poder de decisão sobre as mínimas coisas de interesse das escolas. Se a torneira da pia quebrava, era preciso solicitar seu conserto, via ofício, à Secretaria. Resultado: as soluções para os problemas eram lentas e as escolas estavam sempre com problemas pedagógicos e de infraestrutura pendentes.
O fortalecimento da autonomia das escolas implica necessariamente autonomia financeira. No modelo desenvolvido em Sobral, a escola escolhe a forma de gestão de seus recursos, tanto humanos quanto materiais, e traça suas próprias metas tendo como parâmetro as metas da política municipal. Com o objetivo de financiar as despesas cotidianas da escola, foi criado o Fundo para o Desenvolvimento e Autonomia da Escola (Fundae), constituído por receitas próprias do orçamento do Município. Os recursos do Fundae são transferidos diretamente para as contas bancárias das unidades escolares, conforme a matrícula, para custear gastos como: contas de água, energia, gás e telefone; material de limpeza e expediente; contratação de pequenos serviços de reparos e manutenção de material elétrico-eletrônico, seguindo os princípios da lei de licitações; contratação de serviços, entre outros.
Sobral é exemplo para o Brasil de como decisão política, boa gestão e boas políticas públicas educacionais, com planejamento e foco na aprendizagem dos alunos podem proporcionar um salto de qualidade para a educação pública.