Esse conteúdo faz parte do Blog do CLP. Esse é um espaço onde as lideranças formadas pelos cursos do CLP compartilham boas práticas, aprendizados e soluções que, nesse caso, foram criadas ou otimizadas através da participação no Master em Liderança e Gestão Pública. O texto, da líder MLG e consultora de Secretarias Municipais de Educação, Clara Costa, compartilhou sua experiência no Blog do CLP e contou como Boa Vista, RR, tem se transformado na Capital da Primeira Infância.
—
Inúmeros são os desafios enfrentados pelo Brasil. Frutos da nossa história, da nossa construção social, dos nossos líderes do passado, das influências que sofremos do mundo globalizado, das escolhas que fizemos e que fazem diariamente os nossos representantes. Tais desafios estão longe de serem simples e estão em constante mudança.
Para além de questões puramente técnicas, esses desafios estão imbuídos de uma necessidade fundamental de mudanças de hábitos. Eles exigem cada vez mais que os gestores e líderes públicos considerem diversos aspectos para a construção de suas soluções. Esses desafios também são conhecidos como problemas adaptativos.
Como lidar com problemas adaptativos?
Por vezes, ao nos depararmos com problemas adaptativos, desejamos acabar com tudo e começar do zero. Ou pararmos por um momento o curso da história para termos todo o tempo necessário para analisá-lo por todos os ângulos e avaliarmos os riscos de cada uma das possíveis soluções.
Mas não é assim que funciona. No setor público, tanto uma quanto a outra opção são praticamente impossíveis. É preciso ter a coragem para “trocar o pneu com o carro andando”.
É o caso de um Secretário Municipal de Educação que encontra uma rede com alunos analfabetos no 6º ano do Ensino Fundamental e precisa, ao mesmo tempo, garantir a aprendizagem dos alunos mais velhos e a alfabetização dos alunos de 1º e 2º ano na idade adequada.
Ou de um Secretário Municipal de Saúde, que encontra uma rede de postos de saúde com problemas graves de infraestrutura. E, no entanto, com a necessidade de expandir o número de equipamentos para atender a demanda de um novo bairro ou região da cidade ainda não atendida.
No enfrentamento diário dos desafios, surge então uma reflexão: qual seria o melhor caminho para mudança, reformas ou inovações?
O caminho das reformas
As reformas, em geral, estão ligadas a eixos estruturantes. Tratam-se de mudanças que por princípio são perenes, pois passam a fazer parte do arcabouço institucional.
No cenário Federal estão constantemente no centro do debate:
- • Reforma da previdência;
- • Reforma tributária;
- • Reforma trabalhista;
- • Reforma agrária;
- • Reforma no setor elétrico, e por aí vai.
A chamada reforma política é um exemplo disso. Em menos de 10 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, já se discutia e aprovava alterações no sistema eleitoral estabelecido. A inclusão da cláusula de barreira em 1995 (declarada inconstitucional e novamente aprovada em 2017), a reeleição em 1997 e a verticalização das eleições em 1998.
Fidelidade partidária, ficha limpa, financiamento eleitoral, voto facultativo e fundo eleitoral são apenas alguns dos assuntos que continuaram no debate até os dias atuais. E dificilmente discordamos com o fato de que o nosso sistema eleitoral ainda é uma questão complexa a ser enfrentada.
O caminho das inovações
As inovações, por sua vez, pressupõem um elemento de novidade. Podem ser novos processos, produtos, serviços ou técnicas na prestação do serviço público que sejam pioneiros, ou seja, nunca antes realizados, ou inspirados em outras experiências já existentes, adaptadas ao contexto local. Podem tanto promover rupturas radicais, como incrementais, na busca por ampliar a eficiência, eficácia e efetividade dos resultados.
Reformas ou inovações – qual o melhor caminho para a mudança?
Como diz o clichê, não há uma resposta única ou uma receita de bolo a ser seguida. O mais indicado, no entanto, seria o caminho do meio. Ao se desenhar uma solução, ter a visão global do processo e definir:
- • O que será descartado;
- • O que será mantido; e
- • Quais inovações serão feitas para trazer melhores resultados no futuro.
Para isso, é fundamental sabermos, enquanto líderes, para onde estamos indo. O que queremos alcançar? Qual é o nosso projeto de país, de estado, de cidade?
É preciso que tenhamos um discurso claro e um plano delineado, no qual as ações pensadas se encaixem no alcance de um mesmo propósito, para mobilizar as pessoas para a mudança. É complexo, mas é possível.
Boas práticas em Boa Vista
Depois de sete anos trabalhando diariamente na Prefeitura do Rio de Janeiro, hoje atuo como consultora de Secretarias Municipais de Educação. Tendo a possibilidade de acompanhar de perto o trabalho que está sendo realizado em Boa Vista, Roraima.
A cidade, de aproximadamente 400 mil habitantes, concentra dois terços da população do estado e é marcada pela diversidade cultural. A cultura do Norte do país convive com a cultura nordestina, indígena e, nos últimos anos, estrangeira. Esta vinda principalmente dos venezuelanos e guianenses que cruzam diariamente a fronteira.
Desde 2013, a prefeita da cidade definiu que Boa Vista se tornaria a Capital da Primeira Infância. Para isso, buscou o apoio de fundações e desenhou um planejamento estratégico voltado exclusivamente para o tema. Composto tanto por ações estruturantes, como inovações.
Tirar um slogan do papel não é uma tarefa simples. Para quem mora lá ou visita a capital, no entanto, ele hoje é uma realidade.
A capital da Primeira Infância
A cidade está desde o início do ano implementando sua Proposta Curricular para a Educação Infantil, alinhada à Base Nacional Curricular Comum (BNCC) e contemplando as especificidades locais.
As secretarias de Projetos Especiais, Educação, Saúde, Desenvolvimento Social, Comunicação e Finanças trabalham de maneira integrada no Programa Família que Acolhe. Nele, as gestantes realizam o pré-natal e participam da “Universidade do Bebê”, sendo orientadas sobre cuidados na Primeira Infância. Por sua frequência e assiduidade, recebem enxoval, leite e a garantia de vaga na creche para o seu filho a partir dos 2 anos.
Nos últimos anos, foram construídas novas unidades de Educação Infantil e postos de saúde na cidade. Os pontos de ônibus e as praças são ornamentados e possuem atrações voltadas para o público infantil.
Tendo um direcionamento claro e foco, Boa Vista tem demonstrado que uma combinação entre reformas estruturantes e inovações pode ser o melhor caminho.
Clara Costa é formada em ciências sociais pela UFRJ e líder pós-graduada pelo Master em Liderança e Gestão Pública – MLG. Clara é atualmente consultora pelo Banco Mundial e pela Fundação Getúlio Vargas para projetos de planejamento e gestão de políticas educacionais e integra a equipe da Probono’ss, criando propostas diferenciadas de atendimento à saúde e à educação. A líder em outubro de 2014 publicou seu primeiro livro, “A Arte de Governar”, reunindo suas experiências como gestora pública, estudante de política e cidadã brasileira.