Reprodução: Revista Época
O Cientista político Steven Kelman, professor de Harvard e coordenador do módulo internacional do Master em Liderança e Gestão Pública (MLG), oferecido pelo Centro de Liderança Pública, deu uma entrevista para a Revista Época em junho de 2014 onde fala sobre a atual situação do setor público brasileiro.
Para Kelman, o setor público brasileiro precisa ser chacoalhado. Ele ressalta também que o principal problema da administração pública nacional é a concessão de favores e privilégios àqueles que simpatizam com o governo e aos poderosos.
O professor é considerado um dos nomes mais respeitados quando se trata de administração pública, tendo sido responsável pelo projeto de modernização da política de compras do governo americano no primeiro mandato do Presidente Bill Clinton.
ÉPOCA – Em muitos países, inclusive no Brasil, o governo é visto como burocrático e ineficiente. É possível ele ser tão eficiente quanto a iniciativa privada? Dá para ter esperança no governo?
Steven Kelman – Sim, é possível ter ao menos alguma esperança de que o governo possa ter um bom desempenho. Uma razão para isso é que o desempenho pode melhorar ao longo do tempo. Nos EUA, 100 anos atrás, não havia uma política pública para dar segurança econômica aos idosos. Hoje, há um bem-sucedido programa do governo que oferece isso a eles. Há 75 anos, o governo permitia uma situação em que os negros não podiam ir aos mesmos restaurantes e aos mesmos hotéis dos brancos. Agora, a integração é considerada uma questão superada. Hoje, em Nova York, o número de assassinatos é 20% do que era há 20 anos, graças à melhoria no policiamento. Outra razão para ter esperança é que alguns governos têm um desempenho melhor que outros. Hoje, no Brasil, as pessoas muitas vezes têm de pagar propina para conseguir uma carteira de motorista ou uma licença para construção. Nos EUA, isso não acontece. Mesmo em países em estágios semelhantes de desenvolvimento, há diferenças dramáticas. O Brasil não conseguiu ampliar a rede de metrô para a Copa do Mundo, enquanto a China construiu um grande sistema de metrô em poucos anos.
ÉPOCA – Como se explicam essas diferenças entre os países na entrega de grandes projetos de infraestrutura?
Steven Kelman – Isso depende em parte do desenvolvimento do mercado de capitais e da facilidade de cada país para obter crédito no mercado. Tem a ver também com a possibilidade de quem não gosta de um projeto poder criticá-lo e protestar contra ele. Na China, se alguém não gosta de um projeto, não pode fazer muita coisa. Nos EUA, a execução desses projetos é mais lenta, porque as pessoas podem provocar o adiamento ou protestar contra um projeto de que não gostem. Muitas vezes, o custo também resulta maior que o previsto. Isso vale tanto para o setor público quanto para o privado. O túnel no Canal da Mancha, que liga a Inglaterra à França, era um projeto privado, e o custo da obra foi o triplo do esperado. Vários países implementam Parcerias Público-Privadas (PPP) para tentar construir e administrar melhor esses projetos. Isso tem funcionado bem em alguns lugares, embora muitos projetos sejam complexos e difíceis de realizar.