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Uma análise do sistema prisional brasileiro: problemas e soluções

Ainda que bem amparado na legislação,  o sistema prisional brasileiro enfrenta  graves  problemas estruturais desde a sua fundação, como  a  superlotação  das  celas, o domínio do sistema por facções criminosas, bem como a insalubridade, a proliferação de epidemias e o consumo  de  drogas nas unidades.  

Conforme  informações  do banco de dados  “World  Prison  Brief”,  o  Brasil  comporta a terceira maior população prisional do mundo, com  índice  superado  somente  pelos  Estados  Unidos  (2,1  milhões  de  presos) e China (1,6 milhões de presos). Em 2021, a população carcerária brasileira registrou a sua primeira diminuição desde 2014, e ainda assim, as penitenciárias estão cerca de 54,9% acima da sua capacidade e o percentual de detentos sem julgamento é ainda maior do que o registrado em 2020.


A história das prisões e do sistema prisional brasileiro

A origem do sistema prisional como pena teve o seu início em mosteiros no período da Idade Média. A iniciativa objetivava a punição de monges e clérigos que faltavam com as suas obrigações eclesiásticas. Na prisão, eram coagidos a se recolherem e se dedicarem ao arrependimento por seu comportamento. A ação inspirou os ingleses da época, que construíram em Londres a “House of Correction”, primeira prisão destinada ao recolhimento de criminosos, datada entre 1550 e 1552

No mesmo período, o Brasil Colônia passou a ser o “presídio de degredados” instituído pelo Código de Leis Portuguesas. As penas eram aplicadas a cafetões, assassinos, vândalos e contrabandistas. A instalação da primeira prisão brasileira oficial é mencionada na Carta Régia de 1769, que estabelece uma casa de correção no estado do Rio de Janeiro. Posteriormente, outra cadeia foi construída na cidade de São Paulo entre 1784 e 1788, situada no Largo de São Gonçalo. 

Foi apenas a partir do século XIX que se deu início ao surgimento de prisões com celas individuais e oficinas de trabalho, bem como arquitetura própria para os espaços. Em  1890,  cria-se o primeiro Código Penal, documento que estabelece novas  modalidades  de  penas,  além  de  considerar  penas  restritivas  de  liberdade individual  que  não  deveriam exceder  trinta anos,  o que  culminou  com a  extinção  das penas perpétuas e coletivas.

Gradualmente,   o  sistema prisional brasileiro passou  por diversas alterações conceituais, estruturais e legislativas até os dias  atuais.  Entre  essas  mudanças, destacam-se o Código Penitenciário da República de 1935, Código Penal Brasileiro de 1940, Lei de Execução Penal (Lei N° 7.210/1984) e a própria Constituição Federal de  1988,  que  incorporou aspectos ligados aos direitos humanos. As legislações acerca do tema foram alteradas continuamente, sempre se adequando a ideologia preponderante da época.


Estudo de caso: Sistema Penitenciário do estado do Maranhão

A primeira penitenciária do estado do Maranhão foi construída por volta de 1946 no Bairro dos Remédios, no centro da capital.  Em 1948, o espaço foi transferido para o município de Alcântara devido a falta de mecanismos de segurança no seu espaço inicial. Contudo, as novas instalações apresentavam os mesmos problemas que o espaço anterior, e a região passou a ter as suas atividades turísticas afetadas com o estabelecimento da penitenciária.

Por conseguinte, em dezembro de 1965, a penitenciária foi reinaugurada e denominada como “Penitenciária de Pedrinhas”, obra do governo do estado do Maranhão, que na época comportava cerca de 120 presos. Novamente, o local escolhido era inapropriado e o edifício estava em estado precário de conservação. Seu funcionamento já deu início de forma improvisada, sem os recursos necessários para receber os internos. Com o aumento da população carcerária, as celas passaram a ser superlotadas. 

Até os anos 2000, apenas dois grupos disputavam o comando nos presídios maranhenses, sendo eles os “interioranos” e os “da capital”. Apesar da disputa de poder, os grupos não eram considerados facções pois não tinham organização própria. Segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça, o surgimento das primeiras facções criminosas do estado se deu com os internos maranhenses que estavam lotados em penitenciárias do sudeste e retornaram ao estado dominando a cartilha do crime organizado, dando início a primeira facção em meados de 2006 denominada de PCM (Primeiro Comando do Maranhão), seguida pelos grupos “Anjos da Morte” e “Bonde dos 40”.


As rebeliões no sistema prisional do Maranhão

Com o surgimento das facções, a disputa pelos pontos de venda de drogas e o poder nos presídios deram início, marcando um período sangrento no estado do Maranhão, originando as conhecidas rebeliões no sistema prisional. 

Em 2013, o  Complexo de Pedrinhas passou por sucessivos episódios de rebeliões,  evidenciando a situação caótica que estava instaurada na casa prisional. Naquele ano, os confrontos se intensificaram, culminando na morte de 64 internos, sendo 22 em apenas um dia. Fora do presídio, as facções incendiavam ônibus e assassinavam policiais.

As rebeliões se motivavam pelas contínuas violações  dos  direitos  humanos  dos  detentos,  em especial, pela superlotação das celas. Além disso, o estabelecimento prisional não possuía condições para fornecer o básico como saúde,  alimentação,  saneamento  básico e  segurança  para  o  elevado  e excedente número de detentos.


O Programa de Gestão Penitenciária 

Considerando a necessidade de ações mais estratégicas e estruturais pelo poder público que atendessem a essas demandas, foi criado em 2015 pelo governo do estado do Maranhão, o Programa de Gestão Penitenciária (GESPEN), visando a sistematização das ações realizadas nos presídios. O GESPEN faz parte da reestruturação da administração penitenciária do Maranhão, funcionando como uma ferramenta de gestão que monitora as ações efetivas realizadas nas unidades com foco na segurança interna e externa e na humanização dos segmentos envolvidos. Ele oferece suporte e feedback para a própria gestão, sistematizando informações indispensáveis para a melhoria da qualidade, eficiência e eficácia da gestão.

O GESPEN facilita que as próprias unidades identifiquem êxitos e adversidades, dando assim autonomia e acompanhando a evolução dos indicadores. Uma premiação anual reconhece as melhores unidades, gerando estímulos e troca de experiências para o cumprimento das metas.

O GESPEN possui 4 eixos: 

  • Segurança, 
  • Atendimento e humanização, 
  • Administração, 
  • Modernização. 

Em cada um deles, são estabelecidos indicadores de desempenho alinhados aos objetivos da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP), e para cada um destes indicadores, são estabelecidas metas individualizadas, de modo que as mesmas estejam condizentes com as condições e com os potenciais de cada unidade.


Resultados efetivos do GESPEN dentro do sistema prisional brasileiro 

Como primeiro resultado, São Luís foi a única capital do nordeste brasileiro a deixar a lista das 50 cidades  mais  violentas  do  mundo  em  2017. Nesse período de redução sucessiva da violência    letal,    o    Maranhão    registrou    considerável redução  da  taxa  de  ocupação originária   da   construção   de   novos   presídios   no   Estado,   o   que   ampliou significativamenteas vagas totais disponíveis nas unidades prisionais.

A nova ferramenta de gestão promoveu o reforço da segurança nas penitenciárias, treinamentos contínuos dos agentes e a instalação do sistema de informação em segurança penitenciária que já está em vigor em mais de 90% dos presídios do estado. As fugas caíram cerca de 66% e o número de mortes em 79%.

Referente  ao  setor  educacional,  somente em 2021 foram realizadas cerca de 46 mil atividades educacionais por pessoas privadas de liberdade no Maranhão. Entre as atividades desenvolvidas estão a alfabetização, escolarização com o ensino fundamental, médio e superior, além de cursos técnicos e profissionalizantes e a iniciativa Remição pela Leitura.

Os resultados também foram superados pelas Pessoas Privadas de Liberdade (PPLs) que prestaram exames, anualmente, como o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) e o Exame Nacional do Ensino Médio para Pessoas Privadas de Liberdade (ENEM PPL). No Encceja cresceu em 93,75%, o número de internos inscritos para o exame em relação a 2018. Assim como o Enem PPL com crescimento de 111%.

O número de internos que foram qualificados em cursos técnicos também teve um crescimento de 222%, e de 680% no número de certificados que foram emitidos. Com estes resultados, o sistema penitenciário do Maranhão já conta com 25 mil certificados de qualificação que foram emitidos pelo Instituto Mundo Melhor.

Segundo o novo levantamento de Informações Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o sistema prisional do Maranhão alcançou o 1º lugar a nível nacional no percentual de Pessoas Privadas de Liberdade (PPLs) inseridas em atividades de educação e trabalho no primeiro semestre de 2021.

Atualmente, são mais de 1.200 internos envolvidos em atividades de promoção de trabalho e renda. Dentre as oficinas de trabalho, um dos destaques é a fábrica de blocos de concreto da antiga Penitenciária de Pedrinhas – hoje Complexo Penitenciário São Luís – bem como a fábrica de chinelos, produzindo até 150 pares por dia. Outra iniciativa recente foi a instalação da primeira padaria estruturada do sistema prisional do Maranhão, capaz de produzir três mil pães por dia. 

Levando-se em consideração o aumento percentual no número de presos trabalhando, entre os anos de 2017 a 2019, o Estado ficou em primeiro lugar no Infopen, registrando crescimento de 16,43%, de 1818 para 4378. Hoje a mão de obra das PPL é utilizada na confecção de móveis, reforma e manutenção predial, pavimentação e revitalização de espaços públicos notadamente frequentados pela sociedade civil.

O programa trouxe o resultado esperado no que tange a capacitação, ressocialização, remição e diminuição de despesas aos cofres públicos, tendo em vista que o trabalho das PPL foi utilizado em demandas de órgãos do próprio governo do Estado. Estima-se redução de custos de 35% em comparação ao mercado, para a produção de materiais como blocos de concreto; 3% nos serviços de obras e reformas; e corte de gastos de 64% com os móveis planejados com mão de obra carcerária. A capacitação e preparação das PPL para o mercado de trabalho também possui relação linear com a desocupação de vagas nas Unidades Prisionais, uma vez que o trabalho promove a alocação social e diminuição da reincidência.

Além das próprias pessoas privadas de liberdade, há também os impactos aos membros das famílias dos reeducandos, que se beneficiam com o complemento de renda advindo do trabalho da PPL. Segundo o Infopen, o Maranhão agora possui 35,46% dos presos em atividades laborais. O compromisso com a saúde dos internos também é uma das iniciativas de relevância no estado, com cerca de 15 mil atendimentos médicos por ano em presídios, incluindo a instalação de unidades básicas de saúde (UBS) nos complexos.

Os números chamaram a atenção de organizações em todo país, sendo inclusive uma das iniciativas finalistas do Prêmio Excelência em Competitividade promovido pelo Centro de Liderança Pública (CLP) em 2021.

Leia também: Casoteca do Estado do Maranhão: Trabalho com Dignidade

Hoje, o Estado do Maranhão se tornou referência nacional em gestão do sistema prisional brasileiro. Como consequência, os resultados de segurança também têm mostrado significativa melhora após a implementação do programa, culminando com a marca de 4 anos consecutivos sem rebeliões e quedas sucessivas no número de fugitivos anualmente.

Humanizar a prisão de forma a conseguir a recuperação do preso, mantendo a ordem, a disciplina e o controle da unidade são imperativos que representam a gestão prisional e que estão intimamente relacionados ao bom gerenciamento do sistema prisional brasileiro. O respeito a essas práticas certamente contribuem para uma prisão segura, capaz de ressocializar aqueles que por ela passam.

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