A declaração de preparo e emprego do caráter militar de empresas privadas no interesse da defesa nacional: estudo de caso da Innospace no CLA

O presente policy paper teve como objetivo de demonstrar a possibilidade jurídica da Declaração do Preparo e Emprego do caráter militar de empresas privadas no interesse da defesa nacional. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica e documental, com ênfase na legislação nacional, que permitiu a confirmação da relevância das empresas privadas no contexto do preparo e emprego do poder aeroespacial, com vistas à segurança e à integridade do país. A conclusão após todos os dados levantados permitiu afirmar que o Ministério da Defesa deveria atuar proativamente na expansão da Declaração do Preparo e Emprego do caráter militar de empresas privadas em consonância com o cumprimento da atividade finalística da FAB. A Mobilização Aeroespacial é de grande relevância no preparo e no emprego do poder aeroespacial. 

Autor: Josevan Duarte Magalhães, Coronel da Força Aérea Brasileira (FAB).

O Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) 

O CLA está inserido na cadeia de valor da FAB na atividade finalística do emprego da Força Aérea: 1.3 – Gerir Operações de plataformas espaciais, cujo resultado da análise das 55 Ações de Força Aérea previstas na Doutrina Básica da FAB permitiu identificar, essencialmente, 03 Ações de Força Aérea pelo CLA: Defesa Cibernética; Interferência Eletrônica; e Lançamento de cargas úteis ao espaço exterior.  

Segundo a Estratégia Nacional de Defesa (END), cabe à Força Aérea desenvolver o setor espacial e, nesse mister, o CLA é peça chave para a consolidação do Projeto CEBRA (Complexo Espacial Brasileiro), que consta priorizado no PEMAER no item 5.1.5.3 Programa Estratégico de Sistema Espacial (PESE).

  • O Projeto CEBRA é definido no item 5.4.8.1 do PEMAER:
    O Projeto CEBRA (Complexo Espacial Brasileiro) consiste na consolidação da capacidade brasileira de acesso ao espaço visando disponibilizar os bens e serviços do COMAER para atividades de lançamento espacial de operadores privados a partir do território nacional.
    (grifo nosso)

O Operador Espacial privado já é uma realidade no mercado global e felizmente foi publicada a Lei nº 14.946/2024 para que o país possa explorar comercialmente esse nicho lucrativo com segurança jurídica.

  • LEI Nº 14.946, DE 31 DE JULHO DE 2024
    Institui normas aplicáveis a atividades espaciais nacionais.
    CAPÍTULO III
    DA EXPLORAÇÃO DAS ATIVIDADES ESPACIAIS
    Seção I
    Do Operador Espacial
    Art. 9º O operador espacial é uma entidade pública ou privada com representação jurídica no Brasil que executa atividade espacial de acordo com o disposto nesta Lei.
    § 1º O operador espacial privado poderá realizar atividades espaciais por meio de parceria com o setor público ou por meio de autorização, de permissão, de cessão ou de outros instrumentos congêneres previstos em Lei.
    (grifo nosso)

A Lei Espacial Brasileira autoriza a exploração econômica da infraestrutura espacial e das atividades espaciais tanto de forma direta (art. 173 da Constituição Federal), quanto de forma indireta. Ou seja, o próprio CLA pode diretamente “vender” o serviço objetivando o lucro inclusive. Ou pode optar por vender de forma indireta, objetivando o lucro também, por exemplo, seria interessante oferecer Serviços Técnicos Especializados (STE), previsto no art. 8º da Lei nº 10.973/2004 (Lei da Inovação) via Fundação de Apoio. Cabe destacar que o CLA é Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT) desde de 2007, conforme PORTARIA CTA Nº 149/SDE, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2007, publicado no BCA nº 006, de 09 de janeiro de 2008.

  • LEI Nº 14.946, DE 31 DE JULHO DE 2024
    Art. 11. A União poderá realizar, de forma direta ou indireta, dispensada a licitação, a exploração econômica da infraestrutura espacial e das atividades espaciais, incluídos os serviços inerentes à operação e à utilização de sistemas espaciais.
    (grifo nosso)

O caráter militar das atividades e dos empreendimentos desenvolvidos pelo Centro de Lançamento de Alcântara (CLA)

Foi publicado no DOU nº 80 em 29/04/2022 a PORTARIA GABAER Nº 280/GC4, DE 28 DE ABRIL DE 2022 pra declarar o caráter militar das atividades e dos empreendimentos desenvolvidos pelo CLA:

  • Art. 1º Declarar o caráter militar das atividades e dos empreendimentos desenvolvidos pelo Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), em Alcântara, Estado do Maranhão, destinados ao preparo e emprego da Força Aérea Brasileira na extensão dos Tombos MA.017-001 a MA.017-020, MA.017-022 a MA.017-44, MA.017-046 e MA.017-096, com área total de 225.965.714,49m², administrada pelo Comando da Aeronáutica. (grifo nosso)

A área supracitada abrangeu tanto a área já ocupada pelo CLA de 9.256 ha, quanto a área (mais ao norte) de 12.645 ha planejada originalmente para consolidação do Centro Espacial de Alcântara (CEA).

Figura 1: Área ocupada pelo CLA

A declaração do caráter militar das atividades e dos empreendimentos desenvolvidos pelo CLA destinados ao preparo e emprego da Força Aérea Brasileira traz consigo prerrogativa legal de isenção do licenciamento ambiental nos termos do art. 7º, XIV, alínea “f” da Lei Complementar nº 140/2011, in verbis:

  • LEI COMPLEMENTAR Nº 140, DE 8 DE DEZEMBRO DE 2011
    Art. 7º São ações administrativas da União:
    XIV – promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades:
    f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999.
    (grifo nosso)

Apesar da prerrogativa legal susodita, o CLA seguiu o rito mais difícil e obteve o licenciamento ambiental do IBAMA, vide Licença de Operação (LO) Nº 1653/2022 (13413478), com validade de 10 (dez) anos, publicada no DOU nº 176 em 15/09/2022.

O caráter militar das atividades e dos empreendimentos desenvolvidos pela iniciativa privada

A ICA 410-3, publicada no BCA nº 213, de 28/11/2024, estabelece a “Organização e o Funcionamento da Mobilização Aeroespacial” no Comando da Aeronáutica que no seu art. 25 mostra-se pertinente para entendimento do “caráter militar” de empresas privadas:

  • Art. 25 A mobilização militar é constituída de duas fases: preparo e execução.
    • § 1º As atividades desenvolvidas na fase de preparo da mobilização visam alinhar as políticas de desenvolvimento e as de defesa de maneira a minimizar os impactos na sociedade por ocasião da sua execução.
    • § 2º As seguintes atividades poderão ser empreendidas durante a fase de preparo.
    • I – colocação de encomendas educativas nas indústrias da BID;
    • II – formação e cadastramento de reservas mobilizáveis aptas;
    • III – incrementos de pesquisa e desenvolvimentos tecnológicos de interesse dual (militar e civil);
    • IV – busca de padronização e nacionalização de materiais e itens de interesse militar
    • para emprego dual;
    • V – especificação e acompanhamento de fontes produtoras de material de defesa;
    • VI – seleção e cadastramento de empresas públicas e privadas de interesse da mobilização;
    • VII – proposta de legislação especial para os casos de excepcionalidade, visando dar
    • suporte jurídico às atividades de mobilização militar;
    • VIII – mapeamento e atuação nos planejamentos estratégicos dos governos federal, estadual e municipal, de modo que contemplem recursos passíveis de serem utilizados pelas FA em caso de mobilização militar; e
    • IX – execução de exercícios de mobilização de recursos humanos, materiais, de serviços e de instalações, com o intuito de adestrar o sistema de mobilização militar e levantar dados, custos e soluções para as tarefas críticas previstas nos planejamentos estratégico e operacional.
    • § 3º A execução da Mobilização Aeroespacial, no contexto da Mobilização Militar, buscará transferir, de forma compulsória e célere, os recursos e meios disponíveis ou passíveis de serem obtidos por qualquer método em todas as Expressões do Poder Nacional, conforme planejado na fase de preparo.
    • § 4º Nessa fase, as medidas e ações de caráter excepcional que passarão a vigorar em relação ao recebimento e à utilização apropriada dos recursos e meios a serem transferidos da Nação para a Expressão Militar do Poder Nacional, serão reguladas por diretrizes expedidas pelo Ministro da Defesa e pelos Comandantes das FA, em consonância com o Decreto de Mobilização Nacional.
    • § 5º As seguintes atividades poderão ser empreendidas durante a fase de execução:
    • I – aprovação de legislação especial para os casos de excepcionalidade, inclusive aquela já formulada e não aprovada na fase de preparo;
    • II – desenvolvimento de campanhas visando obter o apoio interno e externo idealizados nos planejamentos para fazer face à Hipótese de Emprego das FA;
    • III – convocação, incorporação e destinação dos recursos humanos, de acordo com os planejamentos supracitados;
    • IV – mobilização de indústrias, instalações e órgãos logísticos de interesse militar, dentro dos limites fixados em lei; e
    • V – participação de integrantes da Mobilização Aeroespacial no Centro de Coordenação Logística e Mobilização (CCLM) do MD, compondo a coordenação de mobilização.

O final do caput do art. 25 na expressão “preparo e execução” seria mutatis mutandis o mesmo “preparo e emprego das Forças Armadas” previsto na Lei Complementar nº 97 de 09 de junho de 1999, vejamos o art. 14:

  • Art. 14. O preparo das Forças Armadas é orientado pelos seguintes parâmetros básicos:
    • I – permanente eficiência operacional singular e nas diferentes modalidades de emprego interdependentes;
    • II – procura da autonomia nacional crescente, mediante contínua nacionalização de seus meios, nela incluídas pesquisa e desenvolvimento e o fortalecimento da indústria nacional;
    • III – correta utilização do potencial nacional, mediante mobilização criteriosamente planejada.(grifo nosso)

A Portaria Normativa nº 15/MD, DE 23 DE FEVEREIRO DE 2016 estabeleceu diretrizes para a declaração do caráter militar de atividades e empreendimentos da União, destinados ao preparo e emprego das Forças Armadas, que não limitou exclusivamente as questões propriamente militares. Conforme podemos observar:

  • Art. 2º Com base na Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, e para o fim previsto nesta Portaria Normativa, empreendimentos e atividades de caráter militar previstos para o preparo e emprego são aqueles executados, normalmente, no interior das áreas militares, para o atendimento eficaz do emprego e da permanente eficiência operacional das Forças Armadas no cumprimento da destinação constitucional de defesa da Pátria, da lei e da ordem, e das suas atribuições subsidiárias particulares e geral, de cooperar com o desenvolvimento nacional e a defesa civil. (…)
  • Art. 4º Os empreendimentos e atividades de caráter militar destinados ao preparo e emprego das Forças Armadas incluem, nos termos da Lei Complementar nº 97, de 1999, dentre outros, aqueles necessários para:
  • I – patrulhar o território nacional, o espaço aéreo e as águas sob jurisdição nacional; (…)
  • X – realizar exercícios operacionais em outras áreas públicas e privadas, nos termos da Lei Complementar nº 97, de 1999.
  • Art. 5º O caráter militar dos empreendimentos e atividades destinados ao preparo e emprego das Forças Armadas não exclui, mitiga ou afasta a adoção de mecanismos de proteção apropriados, por parte desta Pasta e dos Comandos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, para a manutenção do patrimônio histórico, cultural e ambiental que forem aplicáveis em cada caso, observados os prejuízos para a capacidade operacional das Forças. (grifo nosso)

As atividades e empreendimentos desenvolvidos pela INNOSPACE no Centro de Lançamento de Alcântara (CLA)

A empresa sul-coreana INNOSPACE, Operadora de Lançamento Privada, possui contrato assinado com COMAER para realizar lançamentos espaciais (pra fins pacíficos) a partir do espaçoporto de Alcântara.

A área geográfica da Plataforma de Lançamento de Foguete concedida a empresa INNOSPACE fica dentro da  área já ocupada pelo CLA de 9.256 ha, ou seja, já licenciada pelo  IBAMA, vide Licença de Operação (LO) Nº 1653/2022 (13413478), publicada no DOU nº 176 em 15/09/2022. Lembrando que a área em tela tem isenção de licenciamento ambiental, devido à declaração do caráter militar, publicada no DOU nº 80 em 29/04/2022. A programação é de 03 (três) lançamentos do HANBIT-Nano no ano de 2025, conforme CALENDÁRIO DE LANÇAMENTOS ESPACIAIS DO CEA / CEBRA, vide link (acesso em 03 dez 2024).

Segue informações da INNOSPACE do HANBIT-Nano que demonstra que as operações de lançamento realizadas a partir do CLA oferecem vantagens estratégicas não apenas para órbitas equatoriais, devido à sua proximidade com a linha do Equador, mas também para órbitas de altas inclinações, como as heliossíncronas e polares. A localização geográfica privilegiada, com acesso direto ao mar e ampla abertura das linhas de lançamento, possibilita a execução de trajetórias heliossíncronas e polares de forma altamente eficiente, com mínima necessidade de manobras, otimizando o desempenho do voo.

Fonte: https://www.researchgate.net/figure/Figura-5-Orbitas-de-satelites-artificiais_fig5_314391304
*Sun-Synchronous Orbit (SSO) – órbita síncrona solar, também chamado órbita heliossíncrona. **Low Earth Orbit (LEO)  – órbita terrestre baixa.
Fonte: INNOSPACE

A exploração comercial da empresa privada INNOSPACE já trouxe um “produto” que nunca foi publicado antes, que as órbitas heliossíncronas e polares são também vantajosas a partir do espaçoporto de Alcântara. Segue informações da INNOSPACE sobre o HANBIT-Nano a partir de outros centro de lançamentos que demonstra que o CEA tem vantagem competitiva:

Fonte: INNOSPACE
Fonte: INNOSPACE
Fonte: INNOSPACE

Não podemos olvidar que os Objetivos da Defesa Nacional são os que orientam o preparo e o emprego da capacitação nacional, envolvendo os setores civil e militar, para o atendimento das necessidades da Defesa Nacional. No caso específico da  Plataforma de Lançamento de Foguete da INNOSPACE, podemos afirmar que seria de interesse estratégico do Comando da Aeronáutica.

Nesse diapasão, a plataforma da INNOSPACE se enquadraria (por analogia) ao art. 38 do  Código Brasileiro de Aeronáutica:

  • Lei n° 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica)
    Art. 38. Os aeroportos constituem universalidades, equiparadas a bens públicos federais, enquanto mantida a sua destinação específica, embora não tenha a União a propriedade de todos os imóveis em que se situam. (grifo nosso)

Ademais, temos a CONVENÇÃO DE RESPONSABILIDADE (1972), que define a responsabilidade dos Estados por danos causados por seus objetos espaciais na superfície terrestre e no espaço. O Estado lançador é considerado responsável e deve compensar quaisquer danos causados a outros países ou a terceiros. Ratificada por 98 Estados-parte, incluindo o Brasil (por meio do Decreto-Lei nº 71.981/73). Por tudo já explanado, causa surpresa a exigência do IBAMA do licenciamento ambiental da INNOSPACE, vide Licenciamento Ambiental nº 20660374/2024-Colac/CGLic/Dilic,(20675957) com custos e tempo que atrasam o Projeto CEBRA (Complexo Espacial Brasileiro), mesmo porque o licenciamento ambiental de atividades das Forças Armadas cabe ao Ministério da Defesa, conforme jurisprudência (Apelação Cível Nº 5022715-46.2017.4.04.7100/RS) divulgado pela AGU, vide.

Trago à baila excertos do PARECER n. 00156/2024/COJAER/CGU/AGU NUP: 67100.003761/2023-61 para demostrar que a área não precisa ser da União para gozar da prerrogativa legal da isenção do licenciamento ambiental:

  • (…)
  • Parágrafo 10, “levando-se em consideração as atividades desempenhadas pela Comissão de Aeroportos da Região Amazônica (COMARA) em prol do desenvolvimento da infraestrutura aeroportuária na região amazônica, consulto sobre a possibilidade de enquadramento de atividades de caráter militar previstas no preparo e emprego das Forças Armadas localizadas em áreas não administradas pelo COMAER”
  • A Portaria Normativa nº 15/MD, de 23 de fevereiro de 2016, que estabelece diretrizes para a declaração do caráter militar de atividades e empreendimentos da União, destinados ao preparo e emprego das Forças Armadas, dispõe, em seu artigo 2º:
    Art. 2º Com base na Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, e para o fim previsto nesta Portaria Normativa, empreendimentos e atividades de caráter militar previstos para o preparo e emprego são aqueles executados, normalmente, no interior das áreas militares, para o atendimento eficaz do emprego e da permanente eficiência operacional das Forças Armadas no cumprimento da destinação constitucional de defesa da Pátria, da lei e da ordem, e das suas atribuições subsidiárias particulares e geral, de cooperar com
    o desenvolvimento nacional e a defesa civil.
    (destacou-se)
  • A partir da leitura da norma, vê-se que, para se configurar empreendimento e atividade de caráter militar, não há imprescindibilidade de a execução se dar no interior de áreas militares. Isso porque, para o legislador, a característica
    precípua é o cumprimento da destinação constitucional de defesa da Pátria, da lei e da ordem, e das atribuições subsidiárias particulares e geral, conforme dispõe a LC 97/1999, não sendo determinante para tanto a titularidade da área em que se exerce.
  • Ademais, verifica-se que o desenvolvimento da infraestrutura aeroportuária na região amazônica encontra-se incluída na previsão normativa do artigo 4º, em especial no inciso VIII da referida Portaria, in verbis:
    Art. 4º Os empreendimentos e atividades de caráter militar destinados ao preparo e emprego das Forças Armadas incluem, nos termos da Lei Complementar nº 97, de 1999, dentre outros, aqueles necessários para:
    (…)
    VIII – instalar, operar e fazer a manutenção de equipamentos para monitoramento, controle, e fiscalização da faixa de fronteira, do espaço aéreo e das águas jurisdicionais brasileiras;
  • Assim, a despeito de as atividades desempenhadas pela Comissão de Aeroportos da Região Amazônica (COMARA) estarem sendo realizadas em áreas não administradas pelo COMAER, há enquadramento legal na Portaria nº 15/MD que declara o caráter militar de atividades e empreendimentos da União, destinados ao preparo e emprego das Forças Armadas.
  • No mesmo sentido, a Lei Complementar n° 97/1999, que dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas, em nenhum momento condiciona sua aplicação às áreas titularizadas pelas Forças Armadas. Ao contrário, há previsões expressas de atividades de preparo e emprego em outras áreas:
    Art. 13, § 2º No preparo das Forças Armadas para o cumprimento de sua destinação constitucional, poderão ser planejados e executados exercícios operacionais em áreas públicas, adequadas à natureza das operações, ou em áreas privadas cedidas para esse fim.
    (destacou-se)
    Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação:
    (…)
    § 4º Na hipótese de emprego nas condições previstas no § 3o deste artigo, após mensagem do Presidente da República, serão ativados os órgãos operacionais das Forças Armadas, que desenvolverão, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, as ações de caráter preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das operações na garantia da lei e da ordem.
    (destacou-se)
  • Em suma, o que caracteriza a exceção ao licenciamento ambiental e à exigência de autorização para supressão de vegetação prevista no art. 7º, inciso XIV, alínea “f”, da Lei Complementar n° 140/2011, é a natureza do empreendimento ou da atividade (relacionada ao preparo e emprego das Forças Armadas). Não é relevante para tal enquadramento aferir se a área é ou não de titularidade militar.
    (grifos no original)

Cabe lembrar que o CLA já possui o licenciamento ambiental, concedido pelo IBAMA, ou seja,  não há motivo do IBAMA cobrar o licenciamento ambiental da INNOSPACE para lançar do espaçoporto de Alcântara. Na verdade, não faz sentido exigir o licenciamento ambiental de qualquer empresa numa área que foi declarado de caráter militar destinados ao preparo e emprego da Força Aérea Brasileira, conforme embasamento jurídico do PARECER n. 00156/2024/COJAER/CGU/AGU supramencionado.

Ademais, Alcântara é o único município que na prática pode explorar comercialmente o espaçoporto, devido à segurança jurídica do ACORDO DE SALVAGUARDAS TECNOLÓGICAS:

  • DECRETO Nº 10.220, DE 5 DE FEVEREIRO DE 2020
    Promulga o Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América sobre Salvaguardas Tecnológicas Relacionadas à Participação dos Estados Unidos da América em Lançamentos a partir do Centro Espacial de Alcântara, firmado em Washington, D.C., em 18 de março de 2019.

O veto do parágrafo único do art. 34 da Lei nº 14.946/2024

Consultando a Lei nº 14.946/2024, verificamos que o  único veto foi relativo ao licenciamento ambiental e sua possível aprovação tácita:

  • Seção III
    Da Proteção Ambiental
    Art. 34. Os órgãos federais competentes conduzirão em regime especial os licenciamentos ambientais relacionados às atividades espaciais, com base nos requisitos técnicos aplicáveis desta Lei e da legislação ambiental.
    Parágrafo único. (VETADO).

Buscando a razão do veto do parágrafo único do art. 34 da Lei nº 14.946/2024, temos:

  • Parágrafo único do art. 34 do Projeto de Lei.
    “Parágrafo único. Exceto os casos de parecer justificadamente em sentido contrário, o processo de licenciamento ambiental deverá ser concluído no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, prorrogável 1 (uma) única vez, sob pena de aprovação tácita.”
  • Razões do veto
    “Embora se reconheça a boa intenção do legislador, ao determinar que, exceto os casos de parecer justificadamente em sentido contrário, o processo de licenciamento ambiental deveria ser concluído no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, prorrogável 1 (uma) única vez, sob pena de aprovação tácita, o dispositivo incorre em vício de inconstitucionalidade, com base em entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI nº 6808, em que a Corte Suprema consignou a inconstitucionalidade normas que simplifiquem a obtenção de licenças ambientais.”

Cabe ressaltar que a Lei nº 14.946/2024 não se aplica exclusivamente ao espaçoporto de Alcântara, a lei espacial brasileira abrange todo território nacional, que abarcará inclusive novos centros de lançamentos públicos e privados. Ou seja, as particularidades do caso concreto do CLA e a INNOSPACE não têm o condão de efeitos erga omnes. O veto do parágrafo único não abrange o caput do art. 34, que reforça a preocupação ambiental nos mesmos moldes do art. 5º da Portaria Normativa nº 15/MD, DE 23 DE FEVEREIRO DE 2016 já citado alhures.

Soberania nacional

Em que pese a soberania territorial ser um conceito jurídico com vários vieses, a questão tecnológica torna-se urgente:

  • E é o progresso tecnológico, no entendimento de Jean Gottmann, que determina a morte da função de abrigo e proteção da soberania territorial do Estado. Os meios de comunicação e as intervenções beligerantes articulam Estados, ameaçando-os, condicionando uma nova ordem, que é global e plural, porém, sem eliminar o território nem o Estado. Agora, os territórios, com novos significados, estão justapostos através das fronteiras e relacionados, política e geograficamente, no nível internacional, no qual, há uma fluidez e uma complementaridade moderna. (SAQUET, 2013, p.29).

Atualmente, as Forças Armadas precisam dominar além do domínio marítimo, terrestre e aéreo, o espacial e o cibernético:

Fonte: https://www.defencetalk.com/us-army-futures-and-concepts-center-evaluates-new-force-structure-75266/

A estratégia do COMAER de permitir o uso do espaçoporto (pra fins pacíficos) de Alcântara de empresas privadas contribui para o adestramento do efetivo do CLA no cumprimento da missão de preparar, lançar e rastrear foguetes. As vantagens competitivas do CLA foram destacadas no Programa de Desenvolvimento Integrado para o Centro Espacial de Alcântara (PDI CEA):

Fonte: PDI CEA pg. 9, vide https://observatorio.aeb.gov.br/pdi-cea/capitulos-do-pdi-cea
Fonte: PDI CEA pg. 9, vide https://observatorio.aeb.gov.br/pdi-cea/capitulos-do-pdi-cea

Considerações Finais

O CEA é um programa de Estado que envolve todos os bens e serviços a serem utilizados nas operações de lançamentos não militares a partir de Alcântara. O Sistema Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (SINDAE) tem como órgão central a Agência Espacial Brasileira (AEB), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), e responsável pela formulação das propostas de atualização da Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (PNDAE) e do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE), bem como pela coordenação e acompanhamento da execução das ações do PNAE.

Fonte: https://www.gov.br/aeb/pt-br/programa-espacial-brasileiro/politica-organizacoes-programa-e-projetos/sistema-nacional-de-desenvolvimento-das-atividades-espaciais-sindae

De todo o exposto, resta comprovado que o caráter militar das atividades e empreendimentos na área do CLA, destinados ao preparo e emprego da Força Aérea Brasileira, mediante a síntese descritiva do complexo, suas funções associadas, bem com o amparo legal cabível abrange necessariamente os Operadores Espaciais Privados no uso do espaçoporto de Alcântara.

Nesse contexto, é recomendável que a Força Aérea Brasileira promova estudos para ser apreciadas pelo Ministério da Defesa com vistas à Declaração de Preparo e Emprego do caráter militar de empresas privadas de interesse da Defesa Nacional, tais como decorrentes das  Infraestruturas Críticas previstas no DECRETO Nº 9.573, DE 22 DE NOVEMBRO DE 2018.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Agência Espacial Brasileira, “PDI-CEA: Programa de Desenvolvimento Integrado para o Centro Espacial de Alcântara,” (Brasília: 2022)

BRASIL. Comando da Aeronáutica. Estado-Maior da Aeronáutica. Portaria n° 318/GC3, de 22 de junho de 2022. Aprova a Diretriz que dispõe sobre a Concepção de Operações da Força Aérea Brasileira (CONOPS FAB) – Volume V Inteligência, Vigilância e Reconhecimento.  (DCA 1-2). Boletim do Comando da Aeronáutica, Brasília-DF, n° 117, 24 jun. 2020.

BRASIL. Comando da Aeronáutica. Estado-Maior da Aeronáutica. Portaria n° 1.224/GC3, de 10 de novembro de 2020. Aprova a reedição da Doutrina Básica da Força Aérea Brasileira (DCA 1-1). Boletim do Comando da Aeronáutica, Brasília-DF, n° 205, 12 nov. 2020.

BRASIL. Comando da Aeronáutica. Portaria GABAER nº 1.453/GC3, de 5 de junho de 2024. Aprova a reedição do PCA 11-47 “Plano Estratégico Militar da Aeronáutica 2024 – 2033”. Boletim do Comando da Aeronáutica, Rio de Janeiro, n. 107, 10 jun. 2024.

BRASIL. Constituição Federal. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: 1988.

BRASIL. Lei Complementar nº 97/1999. Dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas. Brasília. DF: Senado, 1999.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986. Dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1986.

BRASIL. Ministério da Defesa. Portaria Normativa nº 15/MD, de 23 de fevereiro de 2016. Estabelece diretrizes para a declaração do caráter militar de atividades e empreendimentos da União, destinados ao preparo e emprego das Forças Armadas

BRASIL. Ministério da Defesa. Estratégia Nacional de Defesa. Versão aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 61, de 23 de maio de 2024. Disponível em: https://www.gov.br/defesa/pt-br/assuntos/copy_of_estado-e-defesa/304grément304s-nacional-de-defesa. Acesso em: 30 nov 2024.

BRASIL. Senado Federal. Decreto Legislativo no 179, de 14 de dezembro de 2018. Aprova a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional, encaminhados ao Congresso Nacional pela Mensagem no 2, de 2017 (Mensagem n° 616, de 18 de novembro de 2016, na origem). Brasília: Diário Oficial da União, 17 dez. 2018.

BRASIL. Advocacia-Geral da União. Consultoria-Geral da União. Consultoria Jurídica Adjunta do Comando da Aeronáutica. Parecer Jurídico nº 00156/2024/COJAER/CGU/AGU (22/04/2024). Processo:  67100.003761/2023-61. Ementa: direito administrativo. Licitação. Licitações e Contratos Administrativos. Consulta a respeito da isenção do licenciamento ambiental das atividades e empreendimentos de caráter militar de preparo e emprego, e da subsequente dispensa de autorização de supressão de vegetação. Brasília, 2024.

BRASIL. Comando da Aeronáutica. Portaria EMAER/4SC3 nº 214, de 25 de novembro de 2024. Aprovar a edição da ICA 410-3 que estabelece a “Organização e o Funcionamento da Mobilização Aeroespacial” no Comando da Aeronáutica, na forma dos Anexos I e II. Boletim do Comando da Aeronáutica, Rio de Janeiro, n. 213, 28 nov. 2024.

SAQUET, M. A. Abordagens e concepções de território. 3ª Ed. São Paulo: Outras Expressões, 2013.

Josevan Duarte Magalhães, Coronel da Força Aérea Brasileira (FAB).
Doutorando em Ciências Aeroespaciais pela Universidade da Força Aérea (UNIFA, 2022-2025). Mestre em Historia, Derechos Humanos, Fronteras Y Culturas En Brasil Y América Latina, Mención en Derecho pela Universidad Pablo de Olavide (2011). Especialização em Liderança e Gestão Pública pelo Centro de Liderança Pública (CLP, 2015) com módulo de extensão internacional na Harvard Kennedy School of Government. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA, 2006). Conferencista e palestrante na área de Licitações e Contratos Administrativos. Possui mais de 23 anos de atuação na Administração Pública Federal. Autor do livro Gestor Público Inteligente: como fazer obra pública sem recurso – Veranópolis: Diálogo Freiriano, 2024; Chefe da Inovação e Governança do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA).

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