A lei de concessões e PPPs aprovada pela Câmara dos Deputados

Projeto de Lei moderniza leis de concessões e PPPs

A Câmara dos Deputados concluiu a votação do projeto que moderniza a legislação de concessões e PPPs, aprovando uma emenda substitutiva do relator Arnaldo Jardim ao PL 2892/2011 e, ao mesmo tempo, rejeitando o PL 7063/2017, de origem do próprio Senado Federal. Com essa manobra regimental, o texto da Câmara passa a ser a proposição principal e segue agora ao Senado como PL 2892/2011, enquanto o projeto anterior é arquivado. Na prática, a Casa baixa assume a posição de casa iniciadora, assegurando a palavra final sobre eventuais mudanças que o Senado venha a introduzir.

Com ajustes pontuais em algumas legislações, a proposta consolida avanços importantes para o setor. Entre as inovações, estão a previsão de reequilíbrio cautelar, a possibilidade de incorporar “serviços conexos” sem relação direta com o serviço de uma concessão, o reequilíbrio cautelar e a ampliação de receitas alternativas, que deixam de servir apenas à modicidade tarifária e poderão quitar obrigações do poder concedente. Tais adições buscam tornar os projetos mais atrativos para investidores.

O texto também moderniza a gestão de riscos e a governança contratual, permitindo reajuste automático de tarifas pautadas em fórmulas objetivas caso o reajuste contratual não seja realizado em até 30 dias da data original pelo Poder Concedente. Anteriormente, tais reajustes só poderiam entrar em vigor após autorização do poder público, que, em determinadas circunstâncias políticas, como anos de reeleição, buscava atrasar tal aprovação. A lei também traz a inclusão de prazo para análise de pedidos de reequilíbrio e prorrogação emergencial, fortalece acordos tripartites com financiadores (step in) e permite que bens da própria concessão sejam dados em garantia, desde que substituídos ou indenizados em caso de extinção.

Em matéria fiscal, o projeto eleva de 5 % para 10 % o limite da Receita Corrente Líquida (RCL) que estados e municípios podem comprometer com contraprestações de PPP, amplia a faixa de PPPs dispensadas de autorização legislativa (de 70 % para 85 % de remuneração pública) e deixa mais claro o cálculo de despesas continuadas que entram nessas travas. Além disso, são previstas contas vinculadas para mitigar riscos e usar saldos a favor de concessionário ou poder concedente na recomposição do equilíbrio, além de autorizar suspensão temporária de obrigações se o parceiro público atrasar licenciamento, desapropriação ou pagamento de contraprestação. Ainda, o projeto estende o regime do aporte de recursos às concessões comuns.

Pontos de atenção

Alguns aperfeiçoamentos podem se fazer necessários ao texto, principalmente quando este for analisado no Senado. O primeiro diz respeito à extensão automática das sanções aos controladores da Sociedade de Propósito Específico (SPE). Isso porque, ao responsabilizar indistintamente a holding ou empresas coligadas por infrações ocorridas em um único contrato, a redação atual pode afugentar investidores institucionais e encarecer o capital. Alternativamente, seria mais equilibrado condicionar a aplicação da penalidade à demonstração de benefício direto ou culpa da controladora, dentro de processo com contraditório.

O segundo ponto é a multa de 1 % a 10 % para pedidos de reequilíbrio considerados de “má fé”: a falta de critérios objetivos e de rito administrativo definido transfere excessiva discricionariedade ao agente público que, podendo atuar com arbitrariedades, aumenta a incerteza jurídica e desestimula pleitos legítimos de recomposição. Uma mudança necessária para o dispositivo é que este seja calibrado com parâmetros claros de dolo e etapa probatória mínima antes da penalidade.

Em outro ponto de atenção, permanece na versão aprovada a possibilidade de sociedades de um mesmo grupo econômico emitirem atestados de capacidade técnica entre si. Embora faça sentido em conglomerados capazes de transferir know how (como operadores globais de mobilidade), a regra pode abrir brecha para “atestados vazios” emitidos só para favorecer acionistas. A lei tenta coibir abusos ao exigir detalhamento das atividades comprovadas, vedar uso de atestados de empresas impedidas de contratar e sujeitar declarações falsas a responsabilidade civil e criminal. Nesse sentido, a fiscalização do poder concedente e de verificadores independentes será decisiva para separar expertise legítima de mera formalidade documental.

Mudanças do texto original

Na reta final de votação, entretanto, foi suprimido o dispositivo que permitia usar recursos do Fundeb, do Fundo Nacional de Saúde (FNS) e do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) como garantia de pagamentos da administração. A retirada atende a críticas de que Fundeb e FNS possuem vinculações constitucionais à educação básica e ao SUS, respectivamente, e não deveriam lastrear contratos privados.

A retirada dos fundos de educação e saúde fazem sentido, uma vez que a finalidade dessas receitas é distinta da dos investimentos por PPP. Em relação ao FDR, porém, o veto é mais problemático, pois uma das finalidades do fundo é justamente fomentar infraestrutura em entes subnacionais. Desse modo, poder usá-lo (com limites e governança) atenderia tanto à maior segurança para investidores, quanto ao destravamento de investimentos para municípios e Estados.

O texto final também excluiu a figura da concessão por adesão, removeu o prazo de 120 dias para análise prévia dos órgãos de controle e excluiu a limitação de 20% à extensão de prazo para reequilíbrio. A concessão por adesão poderia reduzir a burocracia em projetos padronizados (iluminação pública, TIC), dispensando novos editais para entes que quisessem replicar condições idênticas. Sem esse mecanismo, pequenos municípios continuarão arcando com processos licitatórios longos e onerosos. Projetos de baixa complexidade, que muitas vezes têm retorno baixo, não precisariam ter processos licitatórios complicados.

Quanto ao prazo para os Tribunais de Contas, havia risco de pressão por decisões apressadas, mas simplesmente eliminá-lo mantém o problema crônico de demora e encarece projetos. Uma solução intermediária seria fixar prazo padrão com possibilidade de extensão motivada para empreendimentos complexos.

E, por fim, a limitação de extensão de prazo para fins de reequilíbrio constante na primeira versão da emenda substitutiva poderia onerar usuários, pois uma das principais formas de reequilíbrio seria o aumento de tarifas.

Por Daniel Duque, gerente da Inteligência Técnica do CLP

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