Um diagnóstico sobre os acidentes de trânsito no Brasil
Introdução
Acidentes de trânsito têm um impacto significativo na sociedade, tanto em termos de custos econômicos quanto humanos. Todos os anos, milhões de pessoas são feridas ou mortas em acidentes de trânsito em todo o mundo, tornando-se um problema urgente de saúde pública e segurança.
Os custos humanos de acidentes de trânsito são imensos, com vidas perdidas, famílias desfeitas e comunidades afetadas. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 1,35 milhão de pessoas morrem anualmente em acidentes de trânsito, com muitas mais sofrendo lesões não fatais que podem levar a deficiências de longo prazo, redução de qualidade de vida e queda de produtividade.
As razões que levam a acidentes de trânsito e a mortes ou comorbidades como sua consequência englobam uma série de questões, destacando-se: aumento da velocidade média, dirigir sob influência de álcool, não utilização de capacete, cinto de segurança e cadeirinha para crianças, infraestrutura e veículos com baixo grau de segurança, direção desatenta, cuidados inadequados pós acidente além da aplicação inadequada de leis que objetivam coibir que a população não utilize cinto de segurança e capacete, dirija depois de ter consumido bebida alcoólica e exceda limites de velocidade estabelecidos. Assim, como será abordado nesta nota técnica, a formulação de políticas públicas que reduzam acidentes de trânsito e seus impactos podem equacionar os desafios mencionados acima[1].
Além dos custos humanos dos acidentes de trânsito, há também custos econômicos significativos. Esses custos incluem despesas médicas e previdenciárias, perda de produtividade e os custos associados a danos materiais. Os governos devem levar esses custos em consideração ao implementar medidas para melhorar a segurança viária.
Em conclusão, os acidentes de trânsito têm um impacto significativo na sociedade, com vidas perdidas, famílias desfeitas e comunidades afetadas. Os governos têm a responsabilidade de abordar esse problema por meio da implementação de leis de segurança viária, melhorias na infraestrutura, campanhas de educação pública e medidas de fiscalização. Ao adotar uma abordagem abrangente, os governos podem reduzir o número de acidentes e os custos associados.
Cenário Brasil
Analisando-se os dados de Morbidade nos Transportes presentes no Ranking de Competitividade dos Municípios, lançado pelo CLP, notamos que a região Sul do Brasil se destaca como a que apresenta maior número de cidades com menos de 50 internações por acidente de transporte por grupo de 100 mil habitantes. Assim, dos municípios da região com população acima de 80 mil habitantes, 46,38% apresentam Morbidade nos Transportes abaixo de 50 por grupo de 100 mil. Em nenhuma outra região verifica-se essa quantidade de municípios com morbidade nos transportes abaixo de 50 sendo que a segunda região com melhor performance nesse recorte é o Nordeste, a qual apresenta pouco mais de ¼ de seus municípios com população superior a 80 mil habitantes com Morbidade nos Transportes abaixo de 50.
Importante ressaltar que nas regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste ocorreu aumento do número de municípios com taxas de internação decorrentes de acidente de transporte acima de 150 quando comparamos as edições de 2020 e 2023 do Ranking dos Municípios. Assim, em 2020, essas regiões apresentavam, respectivamente, 18,58%, 25% e 46,43% de seus municípios, de acordo com o critério populacional utilizado pelo CLP, com Morbidade nos Transportes acima de 150. Já na edição de 2023, esses números passaram para 24,87%, 31,11% e 57,14%.
Nesse sentido, quando analisamos o conjunto total de cidades presentes na amostra, notamos que o número de municípios no país com Morbidade nos Transportes acima de 150 passou de 23,70% em 2020 para 29,23% em 2023.
Em termos de Mortalidade nos Transportes, a região com melhor performance é a Sudeste, na qual menos de 20% das cidades apresentam mortalidade acima de 20 por grupo de 100 mil sendo que em todas as demais regiões o número de municípios com Mortalidade nos Transportes acima de 20 está próximo ou passa de 40%, chegando a 57,14% no Centro Oeste, 44,74% no Norte, 38,57% no Sul e 42,22% no Nordeste. Importante destacar também que o Nordeste apresentou elevação do número de municípios com mais de 80 mil habitantes que apresentam Mortalidade no Transporte acima de 20, tendo passado de 36,36% cidades na edição de 2020 do Ranking para 42,22% na edição de 2022.
De modo geral, analisando todos os municípios presentes na amostra, nota-se que o número de municípios com menos de 10 óbitos decorrentes de acidentes de transporte por grupo de 100 mil aumentou no comparativo entre as edições de 2020 e 2022 do Ranking saindo de 26,67% para 29,88%. Nota-se também que o número de municípios com Mortalidade no Trânsito acima de 20 reduziu-se no mesmo comparativo saindo de 35,31% do total da amostra em 2020 para 32,29% em 2022.
Comparativo Brasil x Países Desenvolvidos
Analisando os dados da OMS, notamos que, no comparativo com países desenvolvidos, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer, apresentando taxas de mortalidade nos transportes estruturalmente mais alta. O Gráfico abaixo ilustra a situação.
Comparativo Brasil x Países da Região
Quando comparamos a performance do Brasil, em termos de mortalidade nos transportes, com a de países da região, notamos que nossa performance é média. Assim, apresentamos mortalidade nos transportes mais elevada do que países como Colômbia, Chile, Uruguai e Argentina. Por outro lado, temos melhor performance do que países como Venezuela, Paraguai, Bolívia e Equador, conforme demonstrado no gráfico abaixo.
Série Histórica – Brasil
Interessante notarmos que, apesar de ainda estar distante dos países desenvolvidos, o Brasil, desde o ano de 2014, vem apresentando redução das mortalidades nos transportes, revertendo a tendência de crescimento que vinha desde o ano de 2000. O gráfico abaixo demonstra a situação.
Custos Econômicos
- Custo de Vidas Perdidas
Para calcular o custo econômico das perdas de vidas no trânsito, foi adotado o modelo desenvolvido por órgãos internacionais[1], e já usada pelo IPEA[2], que utiliza a sobrevida esperada dos acidentados e a trajetória esperada de renda privada destes. A análise foi separada por sexo, utilizando o período de 2012 a 2020 para a trajetória dos óbitos por acidentes rodoviários, pelos dados do DataSUS, e a PNADC de 2020 para estimar a trajetória de rendimentos privados por idade, explicitada no Gráfico abaixo.
O Gráfico abaixo mostra a trajetória de óbitos por acidentes rodoviários. Como se vê, homens têm chance cerca de 4 vezes maior do que mulheres de perderem a vida por essa razão.
A idade média daqueles que perdem suas vidas nesse tipo de acidente é de cerca de 41 anos para homens e 42 anos para mulheres; e a sobrevida destes é de 36 e 40 anos, respectivamente. O Gráfico abaixo mostra a evolução do custo anual das vidas perdidas ao longo dos anos de 2012 e 2023.
Somando os valores considerando a correção para valor presente, tem-se que, em um período de 8 anos, foram perdidos R$ 251 bilhões em termos de vidas para acidentes de trânsito. Em média, portanto, houve uma perda anual de R$ 21 bilhões, correspondente a cerca de 0,2% do PIB brasileiro em 2023 apenas por vidas perdidas.
- Acidentes de Trânsito no Sistema Único de Saúde (SUS) e na Previdência Social
Este estudo adicional, desenvolvido pelo Centro de Estudos e Promoção de Políticas de Saúde (CEPPS) do Einstein, tem o intuito de complementar o impacto econômico das mortes ocasionadas por acidentes de trânsito no Brasil, com dados do Ranking de Competitividade dos Municípios (NT CLP, 2024). Para tanto, avaliou a utilização dos serviços do SUS, ambulatoriais e hospitalares, e os benefícios previdenciários concedidos em virtude dos acidentes de trânsito.
- Características dos atendimentos ambulatoriais relacionados a acidentes de trânsito
Em 2023, foram registrados 141.428 atendimentos ambulatoriais associados a acidentes de trânsito, envolvendo valores de R$ 4,07 milhões. Seis tipos de procedimentos, de quase 300 realizados, responderam por mais da metade dos atendimentos: atendimento médico em Unidade de Pronto Atendimento – UPA (17,3%), acolhimento com classificação de risco (11,5%), atendimento de urgência com observação de até 24 horas (7,5%), tomografia computadorizada do crânio (6,0%), curativos grau II – tratamento de lesão aberta (5,4%) e administração de medicamentos (5,2%). Em virtude de sua menor complexidade, os atendimentos ambulatoriais possuem um valor médio menor em relação aos hospitalares (R$ 30,09 contra R$ 1.666,29), considerando os valores por procedimento estabelecidos na tabela SUS/SIGTAP. Dos 258 procedimentos realizados, 88% possuem valor médio abaixo de R$ 50,00.
Predominam os atendimentos onde a pessoa envolvida no acidente estava em motocicleta (63%), seguido de meio de transporte indeterminado (11%), bicicletas (10%), pedestres (7%) e automóveis (6%). Enquanto os acidentes com motocicletas representam a maior parte dos atendimentos e do valor total (53,1%), os maiores valores médios estão nos acidentes com caminhonetes, automóveis e veículos de transporte pesado, nesta ordem (tabela 6).
Também predominam os atendimentos a pacientes do sexo masculino (67% nos atendimentos ambulatoriais contra 78% nos atendimentos hospitalares); a pacientes pardos e brancos (49,0% e 39,3%, respectivamente, nos atendimentos ambulatoriais contra 65,11% e 27,02%, respectivamente, nos hospitalares) e a jovens e adultos entre 19-39 anos (29,4%) e 40-59 anos (29,1%), em concentração parecida das faixas etárias entre homens e mulheres.
Esses valores tendem a estar subestimados, por algumas razões. O preenchimento do CID-10 para identificação do diagnóstico principal não é obrigatório para os atendimentos ambulatoriais. Assim, a maior parte dos atendimentos ambulatoriais do SUS, em 2023 (2,7 bi; 64,2%), não teve CID-10 registrado, não permitindo avaliar quanto desses atendimentos foi ocasionado por acidentes de trânsito e suas sequelas. Isso se verifica com as informações sobre local de atendimento, sexo e raça/cor do paciente, o que reduz a capacidade de dimensionamento das necessidades assistenciais relacionadas aos acidentes de trânsito e do perfil sociodemográfico das vítimas, impactando aspectos assistenciais e de gestão do SUS. Há ainda a possibilidade de inserção inadequada dos códigos CID-10, a exemplo de atendimentos em serviços de fisioterapia para tratamento de sequelas de fratura ocasionada por acidente de trânsito, registrada apenas pelo CID-10 da fratura.
- Características das internações relacionadas a acidentes de trânsito
Em 2023, foram registradas pouco mais de 233 mil internações decorrentes de acidentes de trânsito no SUS, envolvendo R$ 388,3 milhões; e 5.207 óbitos ocorridos durante as internações (tabela 1). Assim, em 2023, 638 pessoas foram internadas e 14 perderam suas vidas, por dia, em virtude de acidentes de trânsito no país.
Mais da metade das internações por acidentes de trânsito envolveram motocicletas como meio de transporte da vítima (61,6%), seguido de vítimas pedestres (17,2%), e com meio de transporte indeterminado (7,8%). O maior valor médio pago pela internação no SUS (R$ 2.615,19) e o maior tempo médio de permanência hospitalar (6,1 dias) foram observados no grupo de veículos de transporte pesado. Apesar de as motocicletas concentrarem o maior volume de internações e de óbitos, a maior taxa de mortalidade intra-hospitalar e a maior proporção de diárias hospitalares em UTI ocorreram no grupo das caminhonetes (5,1% e 26,1%) (tabela 1).
Para todos os meios de transporte, as vítimas foram, em sua maioria, homens. Essa proporção é especialmente elevada (>80%) no grupo das motocicletas, veículos de transporte pesado e caminhonetes, em contraste com meios de transporte como o ônibus (57%) (figura 1). Além de concentrarem a maior proporção dos acidentes (180.893; 78%), as internações de pacientes do sexo masculino parecem apresentar maior gravidade em relação às do sexo feminino, com maior tempo médio de permanência (5,6 contra 5,3 dias), taxa de mortalidade intra-hospitalar (2,3 contra 2,0), valor médio (R$ 1.700,87 contra R$ 1.546,39) e maior proporção de diárias de UTI (11,8% contra 10,0%). Para ambos, mas especialmente para vítimas do sexo masculino, os acidentes se concentram na faixa etária dos 20 aos 39 anos, seguido dos 40 aos 59 anos. Com proporções de raça/cor parecidas entre pacientes homens e mulheres, predominam as vítimas pardas (65,1%) e brancas (27,0%). Há ainda um volume considerável de internações por acidentes de trânsito (2,2%) sem informação de raça/cor (tabela 3).
[1] https://www.nhtsa.gov/press-releases/traffic-crashes-cost-america-billions-2019#:~:text=The%20%24340%20billion%20cost%20of,gross%20domestic%20product%20for%202019.
[2] https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/artigos/7018-td2565.pdf
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