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Análise do substitutivo do PLP 68/2024 da reforma tributária

Avaliação do Substitutivo do PLP 68/2024

A reforma tributária no Brasil representa um marco recente do país na tentativa de simplificar e modernizar seu sistema fiscal complexo, injusto e ineficiente. Com o advento do texto substitutivo do PLP 68/2024, apresentado pela Câmara dos Deputados, surgem novas propostas de regulamentação que trazem mudanças não apenas na forma como os tributos são coletados, mas também afetam diferentes setores da economia. Este texto se debruçará sobre as mudanças mais significativas, focando em cinco áreas-chave que são essenciais para entender os impactos por trás das alterações do Governo.

Primeiramente, analisaremos as alterações no Imposto Seletivo, uma medida projetada para tributar produtos específicos que têm impactos negativos sobre a saúde pública ou o meio ambiente. A segunda área de foco será a Construção Civil no Regime Imobiliário, onde o substitutivo propõe incluir o setor em um regime diferenciado com alíquota reduzida. Ademais, a introdução da figura do “Nanoempreendedor” e o detalhamento do “Split Payment” também serão analisados. Finalmente, serão abordados outros dois detalhes adicionais que complementam e expandem o entendimento sobre as vastas implicações da reforma.

  1. Imposto Seletivo

A reforma tributária brasileira, através do texto substitutivo, propõe mudanças significativas no Imposto Seletivo (IS), que busca ajustar a tributação de certos produtos e serviços com impactos socioeconômicos específicos. Inicialmente, a incidência do IS será ampliada para incluir categorias não abrangidas na legislação anterior, como carros elétricos e concursos de prognósticos, incluindo apostas físicas e virtuais e fantasy games. Além disso, há uma exclusão notável no novo texto: caminhões não estarão mais sujeitos ao IS, o que pode ter implicações importantes para a indústria de transporte e logística, potencialmente reduzindo custos operacionais para esses veículos.

No que tange aos veículos, o substitutivo prevê uma graduação de alíquotas que será definida por lei ordinária com base em critérios como tecnologia empregada, impactos ambientais e pegada de carbono. Esta medida mantém o esforço para promover veículos mais sustentáveis, porém, a exclusão da previsão de alíquota zero para veículos que atendam a critérios de sustentabilidade ambiental específicos (como elétricos) pode reduzir o incentivo inicial previsto para a adoção de veículos ecológicos. 

Avaliação: Parcialmente Favorável

A decisão de impor alíquotas diferenciadas sobre os veículos, incluindo carros elétricos, baseadas em critérios como potência, eficiência energética, reciclabilidade de materiais, emissões de poluentes, processos de fabricação e categoria do veículo, representa um esforço compreensível para integrar considerações ambientais na política tributária. No entanto, embora faça sentido, em teoria, aplicar uma alíquota adicional sobre carros elétricos para gerenciar os efeitos negativos no trânsito e promover o uso responsável do espaço urbano, a categorização das alíquotas com base no impacto ambiental pode, paradoxalmente, desincentivar a adoção de veículos mais limpos e eficientes. 

Vale notar que tal mudança foi introduzida em um momento em que o próprio governo tem incorrido em significativo custo fiscal em incentivos para tornar a indústria automobilística mais sustentável. Por exemplo, o Programa de Mobilidade Verde (Mover), prevê créditos financeiros para empresas automobilísticas que investem em pesquisas, desenvolvimento e produção tecnológica que contribuam para a descarbonização da frota de carros, ônibus e caminhões. A introdução de alíquotas que podem onerar adicionalmente os veículos elétricos parece ir na contramão desses esforços, potencialmente retardando a transição para uma matriz de transporte mais verde.

Além disso, a mudança na tributação dos carros elétricos vem no contexto de pressões recentemente exercidas pelas montadoras nacionais contra a importação desses veículos. Argumentando em carta ao governo que os carros elétricos importados representam uma ameaça à indústria nacional, o que levou a pleitos junto ao governo para desincentivar essas importações. A coincidência desses eventos — a mudança na tributação dos carros elétricos e as pressões das montadoras — sugere que as decisões políticas podem estar sendo excessivamente influenciadas por interesses empresariais específicos, em detrimento de uma política coerente de sustentabilidade. Tal cenário pode levar a uma descoordenação de políticas públicas, onde a influência de grupos de interesse pode estar orientando mudanças tributárias que contradizem os objetivos de longo prazo de redução da pegada ecológica do transporte no Brasil. 

Além disso, houve a inclusão de apostas virtuais. A tributação das apostas online se trata de tentativa de desincentivar e gerar arrecadação adicional sobre um setor que tem crescido substancialmente. Vale notar, apesar dos debates e das pressões de diferentes setores, armas e munições continuam excluídas do IS.

Avaliação: Favorável

A inclusão do Imposto Seletivo (IS) sobre qualquer tipo de apota, conforme proposto pelo texto substitutivo da reforma tributária, representa uma medida prudente e necessária quando analisamos os impactos sociais e de saúde associados ao jogo online. A classificação de transtornos de jogo pela American Psychiatric Association no mesmo grupo de distúrbios relacionados a substâncias e vícios, como os transtornos de uso de opioides e álcool, sublinha a gravidade potencial deste problema. A natureza viciante do jogo pode levar a sérias consequências psicológicas e sociais, justificando uma intervenção regulatória mais estrita.

Um estudo realizado pela marca iGaming, Minimum Deposit Casinos, que envolveu centenas de jogadores online em países como Canadá, Nova Zelândia, Reino Unido e Estados Unidos, revelou que 41% dos entrevistados experimentaram ansiedade ou depressão. Essa estatística alarmante destaca os riscos à saúde mental associados ao jogo excessivo, que são amplificados pela acessibilidade e pela natureza envolvente das plataformas de apostas online. Impor um imposto sobre estas atividades pode servir como uma ferramenta para moderar o consumo e, potencialmente, financiar programas de prevenção e tratamento para transtornos de jogo.

Nos Estados Unidos, estima-se que aproximadamente 1% dos adultos tenham um problema grave de jogo, com um adicional de 2% a 3% enfrentando problemas leves a moderados. Esses números sugerem que milhões de pessoas são afetadas por comportamentos de jogo problemáticos, que podem levar a dificuldades financeiras, desintegração de relações pessoais e outros problemas sociais graves. A implementação do IS sobre apostas virtuais, portanto, não apenas ajudaria a desencorajar o excesso de jogo, mas também poderia gerar receita significativa que poderia ser reinvestida em saúde pública, educação sobre jogos de azar e infraestruturas de suporte. Assim, a inclusão do IS nesse contexto é uma estratégia positiva e alinhada com os esforços para mitigar os impactos negativos do jogo online na sociedade.

  1. Construção Civil no Regime Imobiliário diferenciado

A inclusão da construção civil no regime imobiliário diferenciado da reforma tributária, segundo o relatório apresentado pelo grupo de trabalho, estabelece alíquotas reduzidas – 40% menores para a construção civil e 60% menores para operações de locação, cessão onerosa e arrendamento de bens imóveis. Com isso, o governo prevê o fomento da atividade no setor.

A base de cálculo específica para os serviços de construção civil também foi definida como o valor da operação, excluindo os valores relacionados aos materiais de construção fornecidos pela construtora, seja diretamente ou indiretamente. Essa metodologia de cálculo tem o potencial de simplificar a tributação dessas operações, facilitando a gestão fiscal das empresas e reduzindo disputas administrativas sobre a composição da base tributável.

Avaliação: Desfavorável

A promoção da construção civil é justificada por seu potencial de geração de empregos e estímulo econômico, mas este não deve ser o único critério para a elaboração de políticas tributárias diferenciadas. Embora seja verdade que o setor da construção civil é um dos grandes motores da economia, responsável por um vasto número de empregos diretos e indiretos e por significativos investimentos em infraestrutura, a dependência excessiva em subsídios fiscais específicos pode levar a distorções no mercado e na própria estrutura tributária.

Primeiramente, o uso de subsídios fiscais como ferramenta principal para o incentivo de um setor pode criar um ambiente onde as decisões de investimento são guiadas mais por vantagens fiscais do que por fundamentos econômicos sólidos. Isso pode resultar em alocação ineficiente de recursos, onde projetos menos viáveis economicamente são realizados simplesmente por oferecerem benefícios fiscais. Além disso, a complexidade adicionada ao sistema tributário com essas diferenciações pode resultar em maior custo de conformidade para as empresas e dificuldades de administração para os órgãos governamentais.

A promoção de qualquer setor econômico, especialmente os sem externalidades positivas claras (como aqueles associados à sustentabilidade ambiental), deve ser realizada dentro de um contexto de crescimento econômico sustentável e regras claras e consistentes. Subsídios e incentivos fiscais devem ser bem calibrados e temporários, não apenas para evitar dependência de longo prazo desses incentivos por parte das empresas, mas também para garantir que o sistema tributário permaneça simples, transparente e justo. A falta de clareza e a constante mudança nas regras podem desencorajar o investimento estrangeiro direto e a expansão de negócios locais, que preferem ambientes regulatórios estáveis e previsíveis.

Portanto, embora seja compreensível a intenção de apoiar a construção civil através de reduções tributárias, é crucial que essas medidas sejam parte de uma política econômica mais ampla e coesa, que considere os impactos a longo prazo sobre a economia e o sistema tributário. Incentivos devem ser acompanhados de metas claras e critérios de desempenho, assegurando que contribuam efetivamente para o desenvolvimento sustentável e para o aumento da competitividade econômica, sem causar distorções indesejadas no mercado.

  1. Nanoempreendedor

O conceito de “Nanoempreendedor” introduzido pelo Substitutivo na reforma tributária é uma nova categoria que busca reconhecer e formalizar empreendedores de menor escala na economia brasileira. Definido como um empreendedor com receita anual de até R$ 40,5 mil, ou R$ 3.375 mensais, essa classificação destina-se a pessoas que operam em um nível de faturamento que é exatamente a metade do limite atual para o Microempreendedor Individual (MEI), que é de até R$ 81 mil por ano. A criação desta categoria visa proporcionar um ambiente fiscal mais adequado para pequenos empresários que, de outra forma, poderiam achar o regime fiscal existente proibitivo ou demasiadamente complexo para suas operações de pequena escala.

A proposta legislativa sugere que os nanoempreendedores sejam isentos dos impostos sobre o consumo, como o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) nas esferas estadual e municipal, e a CBS (Contribuição Social sobre Bens e Serviços) do governo federal, a menos que optem por contribuir com esses tributos. Essa opção de isenção permite que os nanoempreendedores mantenham a simplicidade em suas obrigações tributárias e reduzam seus custos operacionais, enquanto ainda lhes oferece a flexibilidade de escolher entre permanecer no regime do Simples Nacional, que é cumulativo, ou migrar para o regime baseado no IVA (Imposto sobre Valor Agregado), que é não cumulativo. Tal estrutura busca apoiar esses pequenos empresários ao minimizar a carga tributária enquanto facilita a entrada no mercado formal.

Avaliação: Desfavorável

A inclusão da figura do “Nanoempreendedor” na reforma tributária brasileira, embora bem-intencionada em seu esforço para simplificar a formalização para pequenos empreendedores, pode inadvertidamente contribuir para uma maior complexidade em um sistema já multifacetado e frequentemente ineficaz. Historicamente, o Brasil criou estruturas como o Simples Nacional e o MEI (Microempreendedor Individual) para facilitar a formalização de pequenas empresas e reduzir barreiras administrativas. No entanto, esses regimes, apesar de suas vantagens, trouxeram consigo uma gama de regras diferenciadas por setor e atividade, gerando uma complexidade que muitas vezes contraria o objetivo inicial de simplificação.

As diferenciações tributárias específicas para cada regime criam distorções no mercado, onde as decisões de negócios podem ser excessivamente influenciadas por considerações fiscais ao invés de econômicas. Além disso, o Simples Nacional e o MEI, apesar de reduzirem a carga tributária direta para os participantes, resultam em custos fiscais indiretos significativos devido à subtributação. Isso significa que o governo pode estar perdendo receitas essenciais sem necessariamente alcançar uma inclusão econômica efetiva ou sustentável desses empreendedores.

Introduzir uma nova figura, o Nanoempreendedor, com ainda mais regras favoráveis, pode não apenas aumentar a complexidade do sistema tributário, mas também gerar efeitos indiretos negativos. Por exemplo, os limites de receita anual podem incentivar os negócios a limitarem seu crescimento para se beneficiarem das isenções tributárias, desencorajando a expansão natural e a escalabilidade. Além disso, a sobrecomplexidade resultante do acúmulo de diferentes regimes tributários pode desviar recursos que poderiam ser mais bem investidos em outras áreas, como infraestrutura ou educação. Em última análise, a proposta de adicionar mais uma categoria ao sistema tributário brasileiro pode acabar sendo mais uma política ineficiente de formalização, complicando ainda mais o sistema sem necessariamente oferecer os benefícios de longo prazo necessários para um ambiente empreendedor favorável.

  1. Split Payment

O sistema de “Split Payment” ou “Pagamento Dividido” introduzido pelo texto substitutivo da reforma tributária brasileira representa uma inovação no processamento de transações financeiras com o objetivo de otimizar a arrecadação de impostos. Esse método divide a responsabilidade pelo recolhimento dos tributos entre as partes envolvidas a partir de uma única transação, especificamente entre os fornecedores de bens ou serviços e os prestadores de serviços de pagamento. Ao fazer isso, o sistema busca não apenas garantir a eficiência na coleta dos impostos sobre bens e serviços (IBS) e contribuições sobre bens e serviços (CBS), mas também simplificar a conformidade fiscal e reduzir a carga administrativa sobre as empresas. 

Dentro das modalidades de Split Payment propostas, o “Split Payment Automático” se destaca por sua capacidade de calcular e recolher o tributo devido em tempo real durante a transação. Isso é feito através de sistemas eletrônicos que automaticamente determinam e separam o valor do imposto, enviando-o diretamente para as autoridades fiscais. Essa automação ajuda a prevenir erros de cálculo, atrasos nos pagamentos dos tributos e potenciais evasões fiscais. Por outro lado, o “Split Payment Simplificado” é voltado para transações onde o adquirente não é um contribuinte regular do IBS e da CBS, como no caso de consumidores finais. Nessa modalidade, o prestador de serviços de pagamento pode optar por calcular e recolher os impostos baseando-se em um percentual pré-definido do valor da transação, facilitando a arrecadação em situações menos complexas. Ambas as modalidades refletem um esforço para adaptar o sistema tributário às dinâmicas modernas do mercado, promovendo uma tributação mais ágil e menos suscetível a discrepâncias.

Avaliação: Favorável

A implementação do sistema de Split Payment na reforma tributária é positiva, pois simplifica significativamente o processo de pagamento de impostos, especialmente em um ambiente de negócios cada vez mais digitalizado. Ao automatizar a segregação e o repasse dos tributos no momento da transação, esse sistema reduz a carga administrativa para os negócios, minimizando os erros humanos e atrasos que podem ocorrer no cálculo manual dos impostos. Além disso, ao garantir que os impostos sejam coletados diretamente e enviados às autoridades fiscais, o Split Payment melhora a conformidade fiscal e a eficiência da arrecadação, beneficiando tanto os órgãos governamentais em termos de receitas mais previsíveis e seguras, quanto as empresas, que podem dedicar menos recursos à gestão tributária e mais ao crescimento e inovação de suas atividades.

  1. Mudanças Adicionais

As mudanças introduzidas pelo texto substitutivo da reforma tributária, embora menores em escopo comparado a outras alterações, apresentam impactos parcialmente positivos em setores específicos, como o farmacêutico e de alimentação. Na área de medicamentos, o substitutivo propôs ajustes na lista de produtos sujeitos a tributação diferenciada. Um dos destaques é a isenção de impostos sobre absorventes higiênicos, promovendo a acessibilidade a produtos essenciais de higiene feminina, uma mudança em relação à proposta original que previa apenas uma alíquota reduzida. Além disso, o substitutivo mantém 850 medicamentos com imposto reduzido, equivalente a 40% da alíquota total, e torna outros 383 totalmente isentos de tributos, facilitando o acesso a tratamentos médicos e contribuindo para a saúde pública.

No segmento de bares e restaurantes, o setor foi incluído entre os que serão beneficiados pelo regime não cumulativo. Essa mudança permite que esses estabelecimentos possam deduzir os impostos pagos em etapas anteriores da produção e comercialização, evitando a incidência em cascata que eleva os custos finais ao consumidor. Essa nova abordagem também inclui a exclusão do delivery da base de cálculo do imposto.

Por Daniel Duque, gerente da Inteligência Técnica do CLP

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