A arte da gestão pública pode ser comparada à navegação marítima. Em um navio, o comandante define o rumo e a tripulação faz todos os ajustes necessários para o barco seguir a rota desejada. Na gestão pública, a agenda política define as prioridades e cabe aos gestores públicos executar tudo o que for necessário para traduzir essas prioridades em resultados efetivos para a população. E da mesma maneira que os marujos utilizam técnicas e máquinas para operar o navio, os gestores públicos precisam de metodologias e ferramentas para cumprir seu papel: formular, implementar e acompanhar as políticas públicas. É diante disso que se destaca uma metodologia em especial: o Ciclo PDCA.
O presente artigo tem como objetivo descrever essa metodologia, pontuando informações sobre seu surgimento, sua utilização e seu impacto para a gestão de estados e municípios brasileiros.
O que é o Ciclo PDCA e qual a sua origem?
O Ciclo PDCA consiste em uma metodologia de resolução de problemas e obtenção de resultados. Seu nome faz referência em inglês às quatro etapas que o compõem: Plan, Do, Check e Act, as quais em português podem ser traduzidas como Planejar, Executar, Controlar e Agir.
Apesar de alguns considerarem o francês René Descartes como o precursor do pensamento que originou o Ciclo PDCA, sua criação oficial ocorreu apenas na década de 1920 e é atribuída ao físico norte-americano Walter Shewhart. A disseminação dessa metodologia, todavia, aconteceu apenas alguns anos mais tarde, e teve como principal ator o estatístico William Deming. No Brasil, não se pode deixar de mencionar o nome do Professor Vicente Falconi, docente da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que na década de 80 iniciou uma jornada para disseminação do PDCA nas empresas e governos, e é hoje dono da principal consultoria em gestão do país.
Bom, para compreender e dominar essa importante e poderosa metodologia, vamos explorar cada uma das 4 etapas que compõem o ciclo: (P) Planejar, (D) Executar, (C) Controlar e (A) Agir.
Planejar (P): Por quê? O que? Quanto? Como?
A primeira etapa do Ciclo PDCA consiste em planejar a solução que se pretende implementar. Para tanto, é preciso entender o problema que se quer atacar, analisá-lo e definir ações que garantam que o problema seja enfrentado. Essa etapa é dividida em 4 sub etapas:
Identificação do Problema
Problema é um resultado indesejável. É a diferença entre onde estamos e onde queremos estar. Este momento do ciclo é destinado à exploração e análise do problema em questão, e para tanto, o primeiro passo consiste em definir um indicador. Este deverá ser uma métrica numérica que represente o resultado de determinada organização. Se o problema que queremos melhorar está na educação, por exemplo, podemos escolher a nota do IDEB.
Com o indicador estabelecido, inicia-se o processo de definição da meta. Esse processo, conforme a metodologia PDCA, é realizada em 3 passos: Benchmark, Lacuna e Meta. Benchmark consiste na melhor referência do indicador em questão, seja essa uma referência interna (algum ano ou algum mês quando o indicador foi o melhor), externa (comparando outras organizações que performam melhor), funcional (comparando funções semelhantes entre secretarias da mesma prefeitura, por exemplo) ou teórica (aplicável a determinados casos, como zerar o número de óbitos no trânsito, ou atingir 100% de eficiência em certo processo). A diferença entre o valor atual do indicador e o benchmark é denominado lacuna. E a partir dessa lacuna é definida uma porcentagem de captura, para assim se chegar ao valor da meta.
Em um contexto de educação, à título de exemplo, certo município obteve nota 5,3 no IDEB do ano passado. Ao analisar todos os demais municípios do estado, foi possível identificar um que obteve nota 9,3, a mais alta entre todos, passando este valor a ser o benchmark. A diferença entre o valor atual do indicador (5,3) e o benchmark (9,3) é denominado lacuna (4,0). Determinando uma captura hipotética de 50% da lacuna (2,0), temos que a meta para o município em questão é 5,3 + 2,0 = 7,3.
Análise do Fenômeno
Com a meta devidamente estabelecida o próximo passo consiste em estratificar e priorizar. Em outras palavras, o objetivo dessa etapa é quebrar um problema grande em problemas pequenos, e selecionar quais atacar. Para tanto, o indicador em questão deve ser analisado e segmentado conforme suas características. No caso do problema ser referente à segurança viária e o indicador definido ser o número de óbitos em acidentes de trânsito, por exemplo, a estratificação poderá ser realizada por fatores como: horário do acidente (manhã, tarde ou noite), região (bairro A, bairro B ou bairro C), tipo de via (federal, estadual ou municipal), e assim por diante.
Uma vez tendo o problema estratificado, é necessário priorizar. O racional aqui utilizado consiste na ideia de identificar qual combinação do menor número de problemas pequenos que, se resolvidos, provocam o maior impacto positivo no problema maior. Um importante aliado nesse processo de priorização é o Princípio de Pareto, o qual aponta que 80% dos efeitos costumam vir de 20% das causas. Veja um exemplo para priorização no contexto de um alto número de óbitos no trânsito estratificado por localização (rua) do acidente.
Análise de causas
Uma vez que a estratificação e a priorização foram realizadas, o próximo passo consiste em identificar as causas. O objetivo dessa etapa, portanto, é levantar todas as possíveis causas para o problema priorizado na etapa anterior, e aprofundar em cada uma delas, visando chegar até a causa raiz do problema. Para tanto, existem duas ferramentas usualmente utilizadas: o Diagrama de Ishikawa e o Método dos 5 Porquês.
A primeira, também conhecida como Diagrama Espinha de Peixe, identifica 6 grupos de causas que tendem a aparecer com maior recorrência nos problemas: método, máquina, medida, meio-ambiente, material e mão-de-obra. A ferramenta foi desenvolvida originalmente para o controle de qualidade em fábricas, o que significa que adaptações para o contexto da gestão pública, adicionando ou removendo grupos de causas, poderão ser necessárias. O importante é que a ferramenta facilite a identificação de causas de naturezas distintas. Confira um exemplo no âmbito da segurança viária:
Já a segunda ferramenta, o Método dos 5 Porquês, funciona de maneira bastante simples: deve-se perguntar o porquê de certo problema ocorrer, cinco vezes. Na prática, podem ser necessárias menos ou mais de cinco perguntas, mas o objetivo central é chegar na causa raiz. Assim garantimos que ao definir um plano de ação, não estamos simplesmente atacando um efeito, mas sim bloqueando a origem do problema para que ele não volte a ocorrer. Confira um exemplo:
Plano de Ação
Com as causas raiz devidamente identificadas, chegamos ao momento de definir as ações que deverão ser implementadas. É fundamental que o plano contenha ações que resolvam o problema em definitivo, e não apenas paliativamente, “apagando o incêndio”. A preocupação com a resolução efetiva do problema e o combate à causa raiz são fatores importantes que podem determinar o sucesso de um plano.
Além disso, três elementos em especial possuem grande importância para a elaboração de um bom plano e devem ser identificados para cada ação listada: motivo, responsável e prazo. O motivo consiste na causa raiz sobre a qual determinada ação pretende atuar e sua devida identificação garante a convergência do plano para enfrentar as causas identificadas na etapa anterior. Já o responsável consiste no indivíduo encarregado de implementar a ação, e que será cobrado por sua execução. É imprescindível que o responsável seja uma pessoa única, e não uma equipe, uma área ou um cargo. E por fim, o prazo, elemento vital para a construção de um plano, consiste em uma data específica, dentro da qual a ação deverá ser executada. Ações sem data para conclusão dificultam o monitoramento e desorganizam a execução. Confira abaixo um exemplo de plano de ação:
Executar (D): Hora de pôr a mão na massa!
Com o Plano de Ação em mãos, é hora de executar as ações definidas. Neste momento é importante que haja ampla comunicação para garantir que os esforços empreendidos na formulação do plano sejam aproveitados pela organização. Além disso, o papel da liderança tem especial importância nesta etapa, sendo os líderes responsáveis por engajar as equipes e mantê-las comprometidas com o plano e com as entregas necessárias.
Controlar (C): O plano está funcionando?
A terceira etapa do Ciclo PDCA consiste em controlar os resultados, ou seja, acompanhar a implementação das ações definidas no plano e monitorar o atingimento da meta. É a partir desse acompanhamento que será possível entender se o eventual não alcance da meta ocorre em função da não execução das ações do plano, ou em função das ações definidas não terem sido assertivas e suficientes.
Para tanto, deve ser definida uma Sistemática de Controle e Captura, ou seja, reuniões periódicas com objetivo de avaliar os resultados dos indicadores. Essas reuniões são segmentadas conforme a hierarquia da organização, e para cada nível é preciso estabelecer definições como frequência, calendário, pauta, duração, ferramenta, etc.
Agir (A): Ajustar a rota ou ligar o piloto-automático?
A última etapa do Ciclo PDCA consiste na adoção de ações corretivas com base no acompanhamento realizado na etapa anterior. É aqui que serão tratados os desvios relativos ao alcance da meta e à execução do plano de ação. Para tanto, a principal ferramenta utilizada é o Relatório 3 Gerações (R3G) – também conhecido como Relatório de Desvio de Meta (RDM), que tem como objetivo definir contramedidas que bloqueiem as causas fundamentais do problema.
A utilização do R3G tem como base a análise do passado, presente e futuro, verificando se foi estabelecida alguma ação no plano que deveria ter impedido a ocorrência do desvio em questão. A partir disso, busca-se entender questões como: “A ação foi executada?”, “Foi executada parcial ou integralmente?”, “Foi executada da maneira correta?”, e assim por diante. A resposta negativa para as perguntas anteriores indica uma imprecisão na formulação do plano, e sugere que se realize novamente a análise do fenômeno.
Por fim, não se pode esquecer da padronização dos resultados alcançados. É neste momento do ciclo que as ações que surtiram efeito de melhoria no indicador em questão, devem ser padronizadas. Essa atividade envolve um conjunto específico de ações, incorporadas em um ciclo próprio denominado SDCA – sendo S referente à Standard (padrão, em inglês).
O Ciclo PDCA na Gestão Pública
O Ciclo PDCA nada mais é do que o método para se alcançar resultados. Prefeituras, autarquias, governos estaduais, e todas as demais organizações da administração pública, podem se beneficiar da utilização dessa prática gerencial em suas operações. E não se pode deixar de pontuar que o uso do PDCA implicará na relação com demais instrumentos de gestão presentes nas organizações públicas, seja o Plano Diretor, o Planejamento Estratégico, o Plano Plurianual, entre outros. Além disso, o PDCA aplicado à gestão pública conversa diretamente com a teoria do Ciclo de Políticas Públicas, e importantes conexões podem ser estabelecidas entre essas duas ferramentas.
Nas incertas e tempestuosas águas sobre as quais a gestão pública navega, portanto, o ciclo PDCA se apresenta como uma poderosa ferramenta para direcionar os esforços e catalisar as importantes transformações que tanto ansiamos na sociedade.
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