(Foto por Macerllo Dias/Futura Press/Folhapress)
Por Renata Motta
Nas primeiras 24 horas após a tragédia da destruição do Museu Nacional no Rio de Janeiro evitei continuamente essa pergunta. Um pouco por dever institucional de solidariedade com os profissionais envolvidos (já que atualmente ocupo a presidência do ICOM Brasil que é uma importante rede internacional de profissionais de museus), mas principalmente pela responsabilidade como gestora pública e especialista na área cultural de colocar o debate numa trilha menos acusatória e mais efetiva.
É claro que a responsabilização é importante e necessária. Pelas razões objetivas e normativas, mas principalmente por se tratar da perda irreversível de um dos mais importantes patrimônios nacionais, com valor histórico e científico inestimáveis. Perdemos a Luzia, o mais antigo fóssil humano das Américas, perdemos o Maxakalisaurus topai, quadrúpede herbívero que era o maior dinossauro montado no Brasil, o Trono de Daomé, doado ao Dom João 6o em 1811 e grande parte do acervo de mais de 20 milhões de itens.
Tombado pelo patrimônio histórico nacional, o Museu Nacional é gerido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vinculada ao Ministério da Educação e, como todas as instâncias públicas brasileiras, vinha sofrendo sucessivos cortes orçamentários nos últimos anos. Embora o incêndio que destruiu o Museu possa ser uma metáfora fácil da situação de crise e penúria atual do país, não se trata de culpar uma única administração.
Diante do impacto de uma perda irreversível, foi importante a manifestação de luto e indignação de tantos brasileiros – de populares que talvez nunca tenham entrado em um museu, ou ainda, de uma elite que só frequenta museus no exterior – mas foi lamentável a repetição de uma polarização e, mesmo, uma partidarização do debate. É importante e oportuno incluirmos na pauta política (e neste momento eleitoral) as questões da importância da cultura e da preservação do patrimônio para o projeto nacional, mas sem casuísmo.
A perspectiva de longa duração que os museus trabalham, talvez ajude a explicitar que o Brasil deu as costas para o seu patrimônio, mas não só. O choque diante do patrimônio perdido para sempre, explicita as prioridades equivocadas, a ineficiência estrutural da gestão pública, mas também o descaso da sociedade civil. Não se trata de encontrarmos o culpado da vez, mas da necessidade urgente de enfrentarmos a nossa crise pública, o nosso status quo obsoleto. E, nessa perspectiva, diante dessa tragédia que nos acometeu, buscarmos responsabilidades nas nossas escolhas como sociedade e não culpados individuais (ou grupos de indivíduos).
As circunstâncias externas atuais são das mais difíceis, mas precisamos definir o que é relevante, o que priorizamos, pois somente fazendo nossas escolhas difíceis, assumindo de forma compartilhada nossas responsabilidades, poderemos ter uma alocação de recursos mais adequada, uma gestão pública mais eficiente, serviços públicos de qualidade e instituições públicas perenes.
Renata Motta é Doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP), com especialização no Master em Liderança e Gestão Pública (MLG). No período de 2011 a 2016 foi Diretora do Sistema Estadual de Museus de São Paulo (SISEM-SP) e Coordenadora da Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico (UPPM). Atualmente é Assessora da Reitoria da USP para a área de museus e coleções, e também, Presidente do Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus (ICOM Brasil)