Esse conteúdo faz parte do Blog do CLP. Esse é um espaço onde as lideranças formadas pelos cursos do CLP compartilham boas práticas, aprendizados e soluções. Que nesse caso, foram criadas ou otimizadas através da participação no Master em Liderança e Gestão Pública. Da líder MLG Evanilde, o texto fala sobre a saúde como direito do cidadão, o Sistema Único de Saúde (SUS) e a importância de instrumentalizar a área para desenvolver ações conjuntas com o objetivo de melhorar a prestação dos serviços públicos. Leia:
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O Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde pública do mundo, abrangendo desde o simples atendimento para avaliação da pressão arterial, por meio da Atenção Primária, até o transplante de órgãos, garantindo, assim, acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país. Com a sua criação, o SUS proporcionou o acesso universal ao sistema público de saúde, sem discriminação.
O SUS foi criado pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei nº 8.080/90. Essa Lei o define como: “Conjunto de ações e serviços de saúde prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público”.
Saúde é direito básico do cidadão
A atenção integral à saúde, e não somente aos cuidados assistenciais, passou a ser um direito de todos os brasileiros, desde a gestação, se estendendo por toda a vida, com foco na saúde com qualidade de vida, visando a prevenção e a promoção da saúde. A gestão das ações e dos serviços de saúde deve ser solidária e participativa entre os três entes da Federação: a União, os Estados e os municípios. A rede que compõe o SUS é ampla e abrange tanto as ações quanto os serviços de saúde. Ela engloba a atenção primária, média e alta complexidades, os serviços urgência e emergência, a atenção hospitalar, as ações e serviços das vigilâncias epidemiológica, sanitária e ambiental e assistência farmacêutica.
Conforme a Constituição Federal de 1988 (CF-88), a “Saúde é direito de todos e dever do Estado”. No período anterior a CF-88, o sistema público de saúde prestava assistência apenas aos trabalhadores vinculados à Previdência Social, aproximadamente 30 milhões de pessoas com acesso aos serviços hospitalares, cabendo o atendimento aos demais cidadãos às entidades filantrópicas e, para garantir o direito a todos, o SUS é alicerçado nos seguintes princípios, a Universalização, a Equidade e a Integralidade.
Temos ainda, os princípios organizativos, a Regionalização e Hierarquização, pois os serviços devem ser organizados em níveis crescentes de acordo com sua complexidade, circunscritos a uma determinada área geográfica, planejados a partir de critérios epidemiológicos e com definição e conhecimento da população a ser atendida.
De acordo com Lenir Santos, em Direito da saúde no Brasil, “a saúde pública brasileira sempre teve um calcanhar de Aquiles na sua organização e funcionamento. Esse calcanhar de Aquiles é a definição das responsabilidades federativas no cumprimento do dever com a saúde. O que cabe a cada ente da Federação realizar no âmbito de sua competência para cuidar da saúde? A Constituição determina a todos os entes federativos o dever de cuidar da saúde pública. As competências comuns, o Judiciário as têm como solidária, ou seja, todos ficam compromissados na efetivação do direito”.
Santos afirma ainda que, “esse tem sido um dos desacertos da saúde em seu aspecto organizativo. Quem faz o que num mundo imenso de ações e serviços, interdependentes, onerosos e que exigem complexidade tecnológica, estrutura e escala. Como organizar as competências num sistema composto por 5.570 municípios, 27 Estados e a União?”
Portanto, o caminho a trilhar inicia com a Gestão do SUS em consonância com os princípios e diretrizes dispostos na Constituição Federal e na Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990, que estabelecem que a gestão do SUS seja fundamentada na distribuição de competências entre a União, os estados e os municípios.
Qual a responsabilidade desses três entes?
Dessa forma, cabe às três esferas de governo, de maneira conjuntas, definir mecanismos de controle e avaliação dos serviços de saúde, monitorar o nível de saúde da população, gerenciar e aplicar os recursos orçamentários e financeiros, definir políticas de recursos humanos, realizar o planejamento de curto e médio prazo e promover a articulação de políticas de saúde, entre outras ações.
Sendo que, o modelo do SUS já está definido nas relações intergovernamentais fundamentado na concepção de federalismo cooperativo, com expressiva participação de Estados e Municípios como demonstrado acima. Que, pela primeira vez na história do país, passam a atuar com protagonismo na organização e gestão das políticas de proteção social no campo da saúde.
E quem assegura a participação deles?
As instâncias colegiadas de gestão institucional do SUS que asseguram a participação dos três entes federados são as seguintes:
- Comissão Intergestores Tripartite (CIT): foro de negociação e pactuação entre gestores federal, estadual e municipal;
- Comissão Intergestores Bipartite (CIB) – foro de negociação e pactuação entre gestores estadual e municipais;
- Conselho Nacional de Secretário da Saúde (Conass): entidade representativa dos entes estaduais e do Distrito Federal na CIT;
- Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems): entidade representativa dos entes municipais na CIT.
- Conselhos de Secretarias Municipais de Saúde (Cosems): reconhecidos como entidades que representam os entes municipais, no âmbito estadual; para tratar de matérias referentes à saúde, desde que vinculados institucionalmente ao Conasems, na forma que dispuserem seus estatutos.
Com a publicação do Decreto nº 7.508 de junho de 2011, foram instituídas as comissões intergestores regionais (CIR), a instância regional de governança federativa do SUS, as outras duas já existiam, CIB e CIT —, conforme art. 30, incisos II e III, do Decreto n° 7.508, de 20 de junho de 2011, onde os gestores municipais e o gestor estadual tomam as decisões relativas ao planejamento e à gestão do SUS no âmbito das regiões de saúde. As CIR estão vinculadas às respectivas secretarias estaduais de saúde para efeitos operacionais e administrativos, devendo observar as diretrizes definidas na respectiva CIB.
Arranjos institucionais na administração da saúde
Atualmente o Sistema Único de Saúde perpassa pelo processo de transformação e a institucionalização de novos arranjos administrativos de caráter federativo e intergovernamental, que vêm gradualmente restabelecendo as competências e as responsabilidades dos entes federados no que se refere ao desenvolvimento das ações e serviços de saúde no Brasil.
Algumas dessas transformações foram desencadeadas após a publicação do Decreto nº 7.508/11, que regulamenta a Lei Orgânica da Saúde – Lei nº 8.080/90 (após 10 anos de sua publicação), no que diz respeito à organização do SUS, ao planejamento da saúde, à assistência à saúde e à articulação inter federativa, trazendo novos desafios à gestão do SUS, particularmente ao fortalecimento dos mecanismos e instrumentos de governança, entre eles as Comissões Intergestores em cada uma das esferas político-administrativas da Federação, já citada acima. Em seguida, foi publicada a LC nº 141 de 2012, que estabelece os critérios de rateios dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com a saúde nas três esferas de governo.
As relações interfederativas no SUS e suas competências são ainda frágeis em vários aspectos, tendo a Judicialização da Saúde como um dos principais problemas que aflige o Sistema Único de Saúde, gerando, com isso, muitos conflitos em todas as esferas de gestão sua gestão. O direito à saúde, cada vez mais, é acionado por todas as camadas sócias que acessam o SUS e, é bem verdade, que a população mais vulnerável é a que menos aciona o sistema judicial para garantir este direito, perpetuando os privilégios e as desigualdades sociais.
Considerando toda a complexidade que envolve o tema da Judicialização da Saúde versus distribuição de recursos financeiros escassos, a realidade das demandas só crescem, conforme dados do Ministério da Saúde, “O número de demandas judiciais relativas à saúde aumentou 130% entre 2008 e 2017, enquanto o número total de processos judiciais cresceu 50%, sendo que em sete anos, houve um crescimento de aproximadamente 13 vezes nos seus gastos com demandas judiciais, atingindo R$ 1,6 bilhão em 2016”.
Como a Judicialização da saúde interfere no serviço ao cidadão?
A Judicialização na Saúde compromete significativamente os recursos orçamentários e financeiros, com isso, inviabiliza o planejamento e execução de políticas públicas de saúde, principalmente para os Estados e municípios, pois são eles que estão mais próximos dos usuários e terminam por assumirem as responsabilidades da União nas demandas judicializadas, principalmente os municípios que investem cada vez mais na saúde, impactando, com isso, diretamente na gestão municipal.
Mediante o exporto aqui, há que se haver a definição das responsabilidades federativas no SUS, com compromissos expressos e observância criteriosa aos princípios constitucionais do SUS. Frente aos seguintes desafios: necessidade de aumentar os gastos públicos em saúde no país, novo pacto federativo e reforma tributária, redução das desigualdades regionais e definição sobre o critério de rateio dos recursos da União, conforme previsto no artigo 17 da LC 141/2012.
Como instrumentalizar a saúde?
Frente a tantos desafios, os gestores municipais têm buscado novos arranjos para instrumentalizar a gestão da saúde, como a formação de Consórcios Intermunicipais de Saúde mostra-se como uma das alternativas de cooperação federativa de apoio e de fortalecimento da gestão para o desenvolvimento de ações conjuntas e de objetivos de interesse comum, para melhoria na prestação dos serviços públicos.
Deste modo, o Consórcio entre entes públicos pode se assentar com um importante mecanismo de auxílio aos governos municipais na execução de sua missão constitucional de garantia à saúde pública, asseverado em conformidade com a extensão do papel assumido pelos gestores envolvidos na prestação de serviços públicos de saúde. Ante a complexidade do SUS, pode-se ganhar relevância pela amplitude das políticas públicas voltadas para a saúde, ao passo que não substitui a região de saúde, que por sua vez, possui o papel de abrigar uma rede de atenção à saúde, conforme posicionamento de Santos.
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Referências:
Manual de Planejamento no SUS / Ministério da Saúde, Fundação Oswaldo Cruz. – 1. ed., rev. – Brasília: Ministério da Saúde, 2016. 138 p.: il. – (Série Articulação Interfederativa; v. 4);
BRASIL. Constituição (1988.) Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, 1998.
Comissão Intergestores Tripartite. Resolução nº 1, de 29 de setembro de 2011. Estabelece diretrizes gerais para a instituição de Regiões de Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), nos termos do Decreto Nº 7.508, de 28 de junho de 2011. [Brasília], 2011. Disponível em: Acesso em: 29 set. 2015.
_______. Ministério da Saúde. Portaria GMMS nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010, Coletânea Direito à Saúde: Dilemas do Fenômeno da Judicialização da Saúde. Organizadoras: Alethele de Oliveira Santos, Luciana Tolêdo Lopes – Brasília (DF): CONASS, 2018, Volume 2.
Santos L. Direito da saúde no Brasil. Campinas: Saberes Editora; 2010. p. 98.
Gomides. E. F. C. Implantação do Primeiro Consórcio Intermunicipal da Saúde no Estado de Goiás: Região Oeste II de São Luís de Montes Belos, p. 129-140. Coletânea Direito à Saúde – Boas Práticas e Diálogos Institucionais Brasília, outubro de 2018.
Evanilde Fernandes Costa Gomides, graduada em Pedagogia e Direito com especialização em Inteligência do Futuro: prospectiva, estratégia e políticas públicas/UnB; Direito Sanitário; Saúde Pública e Gestão do SUS/USP. Evanilde também é líder pós-graduada pelo Master em Liderança e Gestão Pública – MLG . Foi Superintendente de Políticas de Atenção Integral à Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás de 01/2015 a 04/2019.