Então, vamos falar um pouco sobre Atenção Primária à Saúde (APS). Entenda como ela é definida, quais são suas práticas, seus atributos essenciais e competências. Mas primeiro, vamos para seus conceitos definidos a partir de 1978.
Em 1978, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) realizaram a I Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde em Alma-Ata, no Cazaquistão, antiga União Soviética. Lá propuseram um acordo e uma meta entre seus países membros para atingir o maior nível de saúde possível até o ano 2000, através da APS. Essa política internacional ficou conhecida como “Saúde para Todos no Ano 2000′. A Declaração de Alma-Ata, como foi chamado o pacto assinado entre 134 países, no qual definiu-se a APS como:
“Cuidados essenciais baseados em métodos de trabalho e tecnologia de natureza prática, cientificamente críveis e socialmente aceitáveis, universalmente acessíveis na comunidade aos indivíduos e às famílias, com a sua total participação e a um custo suportável para as comunidades e para os países, à medida que se desenvolvem num espírito de autonomia e autodeterminação”.
Os elementos essenciais da Atenção Primária à Saúde
Dessa definição emergiram, naquele momento, elementos essenciais da APS: a educação em saúde; o saneamento básico; o programa materno-infantil, incluindo imunização e planejamento familiar; a prevenção de endemias; o tratamento apropriado das doenças e danos mais comuns; a provisão de medicamentos essenciais; a promoção de alimentação saudável e de micronutrientes; e a valorização das práticas complementares. Principalmente, aponta para a saúde como expressão de direito humano. (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE/UNICEF, 1979).
A APS Renovada (OPAS, 2005), conforme a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS), deve constituir a base dos sistemas nacionais de saúde por ser a melhor estratégia para produzir melhorias sustentáveis e maior equidade no estado de saúde da população.
Na visão do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS, 2003) a APS é uma estratégia de reorganização do modelo assistencial e não somente um programa limitado de ações em saúde de baixa resolutividade. A Estratégia Saúde da família foi considerada como “uma estratégia de reorganização do modelo assistencial, tendo como princípios: a família como foco de abordagem, território definido, adscrição de clientela, trabalho em equipe interdisciplinar, co-responsabilização, integralidade, resolutividade, Intersetorialidade e estímulo à participação social”. É um processo dinâmico que permite a implementação dos princípios e diretrizes da Atenção Primária, devendo se constituir como ponto fundamental para a organização da rede de atenção, é o (primeiro) contato preferencial com a clientela do SUS.” (CONASS, 2007).
Para o Ministério da Saúde, a Atenção Primária à Saúde é o primeiro nível de atenção em saúde e se caracteriza por um conjunto de ações de saúde. No âmbito individual e coletivo, abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver uma atenção integral que impacte positivamente na situação de saúde da coletividade.
As funções essenciais e os atributos essenciais e derivados da Atenção Primária à Saúde
Os atributos essenciais
- Acesso de primeiro contato do indivíduo com o sistema de saúde: acessibilidade e utilização do serviço de saúde como fonte de cuidado a cada novo problema ou novo episódio de um mesmo problema para os quais se procura a saúde;
- Longitudinalidade: constitui a existência do aporte regular de cuidados pela equipe de saúde e seu uso consistente ao longo do tempo, em um ambiente de ralação mútua de confiança e humanizada entre equipe de saúde, indivíduos e família;
- Integralidade: significa a prestação pela equipe de saúde de um conjunto de serviços que atendam às necessidades da população adscrita nos campos da promoção, da prevenção, da cura, do cuidado, da reabilitação e da paliação, a responsabilização pela oferta de serviços em outros pontos de atenção à saúde e o reconhecimento adequado dos problemas biológicos, psicológicos e sociais que causam as doenças;
- Coordenação da atenção: conota a capacidade de garantir a continuidade da atenção, por meio da equipe de saúde, com o reconhecimento dos problemas que requerem seguimento constante e se articula com a função de centro de comunicação das RAS.
Os atributos derivados
Temos ainda a presença de outras três características, chamadas atributos derivados, que qualificam as ações dos serviços de APS. São elas:
- Atenção à saúde centrada na família (orientação familiar): na avaliação das necessidades individuais para a atenção integral, deve-se considerar o contexto familiar e seu potencial de cuidado e, também, de ameaça à saúde, incluindo o uso de ferramentas de abordagem familiar;
- Orientação comunitária: reconhecimento, por parte do serviço de saúde, das necessidades em saúde da comunidade por meio de dados epidemiológicos e do contato direto com a comunidade; sua relação com ela, assim como o planejamento e a avaliação conjunta dos serviços;
- Competência cultural: adaptação do provedor (equipe e profissionais de saúde) às características culturais especiais da população para facilitar a relação e a comunicação. (STRARFIELD, 2002).
As funções essenciais
As funções Essenciais da APS são:
- Resolutividade: inerente ao nível de atenção primária, significa que ela deve ser capacitada, cognitiva e tecnologicamente, para solucionar mais de 85% dos problemas de sua população;
- Comunicação: expressa o exercício, pela APS, do papel de centro de comunicação das redes de atenção à saúde, o que significa ter condições de ordenar os fluxos e contrafluxos das pessoas dos produtos e das informações entre diferentes componentes das redes;
- Responsabilização: manifesta o conhecimento íntimo, nos microterritórios sanitários, da população adstrita, o exercício da gestão de base populacional e a responsabilização econômica e sanitária em relação a essa população adstrita (STRARFIELD, 2002).
A APS é desenvolvida com o mais alto grau de descentralização e capilaridade, ocorrendo no local mais próximo da vida das pessoas. Há diversas estratégias governamentais relacionadas, sendo uma delas a Estratégia de Saúde da Família (ESF), que leva serviços multidisciplinares às comunidades por meio das Unidades de Saúde da Família (USF), por exemplo. Consultas, exames, vacinas, radiografias e outros procedimentos são disponibilizados aos usuários nas USF.
Os perfis de oferta e de demanda na Atenção Primária à Saúde
A Estratégia Saúde da Família é formada por equipes multiprofissionais de equipe de Saúde da Família (ESF). Ela é composta por, no mínimo: (I) médico generalista, ou especialista em Saúde da Família, ou médico de Família e Comunidade; (II) enfermeiro generalista ou especialista em Saúde da Família; (III) auxiliar ou técnico de enfermagem; e (IV) agentes comunitários de saúde. Podem ser acrescentados a essa composição os profissionais de Saúde Bucal. Cada equipe de Saúde da Família deve ser responsável por no máximo 4.000 pessoas, sendo a média recomendada de 3.000 pessoas.
Recentemente, o Ministério da Saúde laçou a Carteira de Serviços da Atenção Primária à Saúde (CaSAPS) em parceria com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), Associação Brasileira de Enfermagem de Família e Comunidade (ABEFACO), Associação Brasileira de Odontologia (ABO) e a Secretaria de Atenção Primária à Saúde.
Contendo lista de serviços e ações ofertados pelas equipes de Saúde da Família para que os cidadãos saibam exatamente como funcionam os serviços da atenção primária. Nela, há todos os serviços ofertados ou que deveriam ser oferecidos pelos postos de saúde, clínicas da família, unidades básicas de saúde, equipes de Saúde da Família, equipes de Atenção Primária e outros serviços ligados à APS em todo o país. Acesse a Secretaria de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde.
A Atenção Primária à Saúde no enfrentamento da nova pandemia
A APS contribui intensificando seu papel já citado acima, trabalhando junto à população na adoção de práticas preventivas individuais e coletivas, atendendo todos os casos leves de COVID-19. Como o paciente é do território que a APS está inserida, ela deve coordenar também o cuidado dos casos graves, através da Rede de Atenção à Saúde, pois este paciente após alta deverá ser acompanhado pela equipe e, principalmente, mantendo a assistência para os demais problemas de saúde.
Durante a pandemia, a APS com suas funções e atributos – acesso, longitudinalidade, integralidade, coordenação do cuidado e derivados, já descritos a cima, são de extrema importância para o enfrentamento à Covid-19, sendo, portanto, necessário intensificar cada vez mais a operacionalização dos atributos, sejam eles essenciais ou derivados.
A APS em Florianópolis
De acordo com o Diretor de Atenção à Saúde de Florianópolis – SC, Tiago Barra Vidal, durante uma videoconferência promovido pela OPAS/Brasil – Experiência da SMS de Florianópolis na resposta à Covid-19, “A APS é a primeira a entrar e a última a sair em um processo como esse”. Em Florianópolis, houve um esforço para manter a APS disponível e acessível, com a exploração de outros recursos tecnológicos, como por exemplo o teleatendimento, que viabiliza a proximidade da APS com as pessoas da comunidade.
Enquanto o Gerente de Integração Assistencial, também de Florianópolis, Filipe Perini, ressalta que, o sucesso da APS é justamente o que não aparece nos indicadores: “Ninguém diz os leitos de UTI que a APS evitou, ninguém diz as mortes que ela evitou, justamente porque ela conseguiu detectar os casos de uma maneira rápida, ou precoce, e conseguiu promover processos educativos de mudanças de hábitos, isolamento, distanciamento social, ou até mesmo de higienização”.
Lembrando que na grande maioria dos municípios existe somente a Atenção Primária à Saúde. Temos mais de 42 mil postos de saúde espalhados pelo país capazes de atender 90% dos casos de coronavírus. Estudos indicam que a grande maioria dos casos de Covid-19 são mais leves e devem ser atendidos na Atenção Primária. A população deve buscar os serviços quando apresentar os sintomas iniciais do vírus, como febre baixa, tosse, dor de garganta e coriza.
Confira a experiência do estado de Goiás no processo de Fortalecimento da Atenção Primária à Saúde.
Teleconsultas na Atenção Primária à Saúde
A pandemia de Coronavírus evidenciou a necessidade de aplicar inovações tecnológicas que contribuam com a segurança de profissionais e pacientes e aumentem a eficiência dos serviços de saúde. Com isso, o Ministério Saúde publicou a Portaria nº 467, de 20 de março de 2020, para permitir a interação direta, por meio de ferramenta remota entre profissionais de saúde e usuários do SUS. Com o objetivo de prevenir e reduzir a propagação da Covid-19. E, manter a segurança do cidadão e dos profissionais de saúde, foi autorizado o uso das tecnologias da informação e comunicação para a realização das Teleconsultas.
A Telemedicina já é realidade em algumas regiões do país (em processo de expansão), conforme o site do Ministério da Saúde. A Secretaria de Atenção Primária à Saúde, em parceria com o Hospital Albert Einstein, por meio do PROADI-SUS, disponibiliza ferramenta online para que os profissionais de saúde façam as teleconsultas. Dando assim, continuidade aos cuidados de pacientes com hipertensão e diabetes, entre outras condições, de forma ágil, cômoda e segura. Acesse a plataforma para teleatendimento do TeleSUS.
Atualmente outras ferramentas são usada na APS por meio de ligações e mensagens via aplicativos instantâneos, como o WhatsApp. Todas as UBS são compostas por equipes qualificadas e multidisciplinares capazes de realizar o monitoramento e o acompanhamento de doentes crônicos. Além das visitas domiciliares realizadas pelas equipes e, principalmente, pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) presentes nos 5.570 municípios brasileiros.
Evanilde Fernandes Costa Gomides é graduada em Direito e Pedagogia, e realizou especialização em Inteligência do Futuro: prospectiva, estratégia e políticas públicas na UnB; Direito Sanitário; Saúde Pública e Gestão do SUS/USP. É pós-graduada em Liderança e Gestão Pública (MLG) pelo CLP – Liderança Pública, com módulo internacional na Blavatnik School of Government em Oxford. É funcionária do Ministério da Saúde deste 1984 e possui experiência nas áreas de Políticas Pública de Saúde, Atenção Primária á Saúde, Direito Sanitário e Consórcios Público de Saúde.