Sumário
A alta dos combustíveis tem provocado reações políticas, que buscam responder a tal pressão com menores impostos sobre tais produtos, o que tende a provocar fortes impactos fiscais. No entanto, as causas do aumento do preço da gasolina e diesel tem razões não ligadas aos tributos, mas devido a uma mudança da relação entre a taxa de câmbio e o preço do petróleo, que se comportava de forma inversa no Brasil, mas deixou de ocorrer recentemente, devido a riscos fiscais recentes desencadeados por medidas temerárias do Governo Federal. Como a alta recente do petróleo não levou a uma queda da taxa de câmbio, o preço dos combustíveis acabou por disparar. Diante desse contexto, buscar solucionar tal questão com renúncia de receitas pode aprofundar o problema recente e pressionar ainda mais a taxa de câmbio, que levará a novas altas do preço dos combustíveis.
Introdução: um olhar sobre a política tributária na união e estados
A alta dos combustíveis no Brasil tem sido um dos principais desafios políticos para presidente e governadores, que sofrem pressão de caminhoneiros e proprietários de automóveis particulares. Apesar de ter tido uma variação acumulada abaixo da inflação por mais de 10 anos, é importante destacar que, apenas de 2020 para 2021, os combustíveis tiveram alta de quase 20% no preço, como mostra o Gráfico abaixo.

Sob pressão, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, prometeu pautar a discussão de medidas para limitar o impacto da alta de preços dos combustíveis. O presidente Jair Bolsonaro também fala no envio de uma PEC dos Combustíveis, que abriria a possibilidade de baixar tributos sobre ativos energéticos sem necessidade de compensação de receita.
A arrecadação do governo federal com PIS/Cofins e Cide sobre combustíveis chegou a mais de R$ 25 bilhões em 2019, fonte de receita que a União renunciaria caso zerasse esses impostos.
No fim de outubro de 2021, governadores congelaram o ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre os combustíveis por 90 dias, e, recentemente, em 26/01/2021, decidiram ampliar em 60 dias a medida. Ao todo, 21 chefes de Executivos estaduais firmaram uma nota em que defendem a prorrogação da medida, que está em vigor desde 1º de novembro e teria expirado em 31 de janeiro.
Adicionalmente a tais iniciativas, o presidente da Câmara, Arthur Lira, afirma que o Congresso poderá adotar medidas que afetarão a política de preços da Petrobras, a operação do mercado e o próprio imposto, que é hoje uma importante fonte de receitas de governos estaduais e municipais. Para a maior parte (23 de 27) do primeiro grupo, o ICMS corresponde a mais de 1/3 de suas receitas correntes, e as receitas oriundas do imposto sobre combustíveis variam entre 8,5% (SC) e 31,7% (TO) do total desse tributo para os entes subnacionais. O Gráfico abaixo mostra o percentual do ICMS de Petróleo e Combustíveis sobre as Receitas Tributárias dos Governos Estaduais, agregadas em regiões.

Desse modo, zerar os impostos federais, assim como mudar a incidência do ICMS pode ter grande impacto fiscal sobre a União e os Estados, respectivamente. No entanto, quais são as causas do preço dos combustíveis no Brasil, principalmente relativamente à sua alta recente?
O match de variáveis locais e globais: câmbio, petróleo e situação fiscal do Brasil
Primeiramente, é preciso considerar que, comparativamente, a gasolina no Brasil não está entre as mais caras no mundo em dólares, mesmo corrigindo a paridade de poder de compra. O Gráfico abaixo mostra que, em termos de dólares correntes – uma medida relevante tendo em vista que o produto é um derivado de uma commodity –, na verdade o país se posiciona entre as mais baratas entre outros 43, desenvolvidos e em desenvolvimento. Corrigido pela paridade de poder de compra, o Brasil fica em posição intermediária, com preço da gasolina próximo do da Itália, maior do que a de países como México, Alemanha, Chile e Colômbia, mas menor do que a da África do Sul, Indonésia, Polônia, Índia, Hungria e Estônia.

Como se sabe, a principal matéria prima da gasolina é o petróleo, que é exportada e importada por países por um preço internacional, com baixa influência de pequenos produtores, como o Brasil. Seu período estendido de maior valor, no entanto, não foi recente, mas ocorreu entre 2008 e 2014. Por que, portanto, só agora houve tamanha alta do preço dos combustíveis, e no período de alta de petróleo, a inflação de combustíveis foi mais baixa que a geral? Primeiramente, o petróleo tem muitas vezes o preço determinado por eventos internacionais de alta e baixa das commodities em geral. Investidores geralmente compram e vendem tais produtos em movimentos conjuntos, influenciando os preços de todas ao mesmo tempo, como mostra o gráfico abaixo.

O Brasil, como se sabe, é um grande exportador de commodities, especialmente ferro e soja – apesar de haver muitos outros. E, com isso, movimentos gerais nos preços desses produtos afetam a balança comercial do país, e, também por isso, nossa taxa de câmbio. Desse modo, historicamente há uma relação negativa entre o preço das commodities – incluindo o petróleo – e quão valorizado é o real em relação ao dólar, como mostra o Gráfico abaixo.

Desse modo, o movimento de aumento do preço do petróleo é compensado pela redução na Taxa de Câmbio, que torna produtos vendidos em dólares mais baratos. No entanto, o mesmo gráfico acima mostra que, após a queda do preço do Petróleo e aumento da Taxa de Câmbio – ambos esperados – no início da pandemia, enquanto o primeiro se recuperou nos meses seguintes e até passou o nível de 2017-19, o segundo não caiu novamente, como seria esperado.
O Gráfico abaixo mostra que a Taxa de Câmbio atual, de fato, fechou o ano de 2021 em seu maior nível histórico desde pelo menos 1988. Devido ao seu prolongado período, a média do último ano superou inclusive a de 2003, que tinha sido a maior até então, ocasionada por uma fuga de capitais devido ao temor do Governo Lula.

Paralelamente aos aumentos da Taxa de Câmbio – como visto, na contramão do preço das commodities –, o Governo Federal tem recentemente aprovado diversas medidas que fragilizam ainda mais a situação fiscal do país. Dentre as medidas mais temerárias, a PEC dos Precatórios se destaca como uma medida que permite, sem qualquer suporte em receitas ou queda de outras despesas, o Governo gastar cerca de R$ 100 bilhões em 2022.
Conclusão
Diversos artigos acadêmicos mostram a relação entre a Taxa de Câmbio e a questão fiscal de países em desenvolvimento, incluindo o Brasil. Garcia e Didier (2003) fazem uma revisão dos argumentos da literatura de finanças e de macroeconomia aberta relevantes para a determinação da taxa de juros em uma economia aberta, estimando que o “risco Brasil” tem causas comuns com o cambial, como o das contas fiscais. Scaramuzzi e Narconi (2016) mostram evidências empíricas de que a percepção de risco-país originada da sustentabilidade das finanças públicas tem exercido impacto significativo na volatilidade cambial.
Desse modo, a Taxa de Câmbio é fortemente afetada pelo cenário fiscal do país. Enquanto este segundo caía ao longo de 2017 a 2019, quando também era aprovado o teto de gastos e se reduzia o déficit primário do país, em 2021, com novas temeridades fiscais, o real continua desvalorizado mesmo com alta das commodities, puxada pelo preço do petróleo.
Quedas das receitas dos impostos, como o ICMS, portanto, podem ter consequências não intencionais, que aumentarão novamente o preço da gasolina. Em meio a sinalizações negativas do Governo referente à sustentabilidade das contas públicas, uma piora significativa do quadro fiscal da União ou dos Estados levará a uma nova alta da Taxa de Câmbio que, em meio a uma alta do Petróleo, levará a uma neutralização sobre o preço dos combustíveis.
Anexo
Tabela 1: Percentual de Receitas Tributárias Estaduais atribuído ao ICMS de Combustíveis, Petróleo e Lubrificantes – Média entre 2015 e 2021
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do CONFAZ
Estado | Percentual |
ACRE | 14.3 % |
ALAGOAS | 8.8 % |
AMAPÁ | 23.0 % |
AMAZONAS | 18.3 % |
BAHIA | 18.3 % |
CEARÁ | 20.7 % |
DISTRITO FEDERAL | 17.6 % |
ESPÍRITO SANTO | 15.6 % |
GOIÁS | 21.4 % |
MARANHÃO | 24.9 % |
MATO GROSSO | 15.9 % |
MATO GROSSO DO SUL | 27.0 % |
MINAS GERAIS | 17.6 % |
PARÁ | 23.3 % |
PARAÍBA | 20.7 % |
PARANÁ | 13.6 % |
PERNAMBUCO | 16.6 % |
PIAUÍ | 27.4 % |
RIO DE JANEIRO | 10.8 % |
RIO GRANDE DO NORTE | 19.5 % |
RIO GRANDE DO SUL | 15.0 % |
RONDÔNIA | 14.3 % |
RORAIMA | 0.1 % |
SANTA CATARINA | 13.1 % |
SÃO PAULO | 9.5 % |
SERGIPE | 14.7 % |
TOCANTINS | 29.8 % |