Introdução
Após intensa reação da sociedade, o governo recuou do aumento generalizado do IOF, e apresentou um “Pacto pelo Equilíbrio Fiscal”, que substitui a receita esperada por três frentes principais. Primeiro, uma recalibragem imediata do IOF: corte na alíquota de crédito para empresas, redução de 80 % na operação “risco sacado”, alívio para seguros de vida (VGBL) e isenção na remessa de investimento estrangeiro direto; em contrapartida, eleva a cobrança sobre Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). Segundo uma medida provisória de padronização tributária no sistema financeiro, que endurece a tributação de apostas on-line (BETs), fecha brechas em criptoativos, limita compensações abusivas de crédito tributário e uniformiza regras para ganhos e perdas em mercado de capitais. Terceiro, uma PEC de revisão de benefícios tributários: corte linear nas renúncias às pessoas jurídicas (excetuando Zona Franca de Manaus, Simples, cesta básica e entidades sem fins lucrativos) e criação de nova governança para avaliar e renovar incentivos fiscais, cuja renúncia total varia entre R$ 600 e R$ 800 bi/ano segundo a projeções oficiais.
Segundo estimativas, tais medidas poderão acrescentar R$ 44,2 bilhões à arrecadação bruta em 2026. Somado aos R$ 12 bilhões que ainda permanecerão do decreto do IOF, o ganho potencial chega a R$ 56 bilhões, superando a projeção original de R$ 41 bilhões com a proposta original do IOF.
No entanto, embora o pacote eleve a arrecadação no curto prazo e mantenha a despesa primária dentro do novo arcabouço, depender exclusivamente da receita é insustentável. As despesas obrigatórias, como BPC, previdências e folha salarial, crescem estruturalmente acima do PIB. Isso significa que, a cada biênio, com as receitas precisaram crescer, sendo preciso nova rodada de tributos ou redução de benefícios fiscais.
Há, contudo, um limite: com carga tributária já superior a 30 % do PIB, aumentos adicionais reduzem o retorno ao investimento e comprimem o crescimento potencial, especialmente em uma economia de renda média como a brasileira. Se a base de expansão da receita se exaure antes de as despesas serem contidas, o país corre o risco de entrar num ciclo de baixo crescimento, alta informalidade e necessidade recorrente de medidas extraordinárias, comprometendo a sustentabilidade fiscal de médio e longo prazo.
Por outro lado, o diagnóstico do governo é acertado em três frentes de gasto rígido que estrangulam a receita líquida federal. A primeira são os benefícios tributários (que aumentaram significativamente entre 2005-14 e voltaram a subir no mandato atual). Sem avaliação de custo-benefício, tais gastos se tornam subsídios permanentes para setores influentes, drenando cerca de 5 % do PIB. A segunda são as emendas parlamentares impositivas, cujo crescimento reduz a transparência do orçamento e reduz margem de manobra do Executivo. A terceira são as transferências federativas (FPM, FPE, novo Fundeb), alargadas por sucessivas emendas constitucionais que elevaram repasses sem fonte de compensação. Esse “federalismo silencioso” limita a capacidade de o governo central fazer ajuste estrutural, pois cada real de nova arrecadação é em parte carreado automaticamente a estados e municípios.
Portanto, a estratégia fiscal precisa unir as duas pontas: reforma estruturais de gasto obrigatório, revendo indexações do BPC, igualando regras previdenciárias, racionalizando a folha e fechando supersalários, e, paralelamente, poda seletiva e transparente dos benefícios tributários, além de uma revisão no desenho das transferências automáticas. Sem esse movimento simultâneo, qualquer pacote de elevação de receita será apenas um paliativo que posterga, mas não resolve, o desequilíbrio estrutural das contas públicas.
Despesas Tributárias
Do ponto de vista técnico, revisar gastos tributários é imprescindível: eles cresceram cerca de 50 % em termos reais desde 2021, e drenam recursos sem avaliação de custo-benefício. O corte anunciado pela Fazenda, porém, alcança apenas cerca de 30 % do total de renúncias, porque deixa intactos programas politicamente sensíveis: Simples Nacional (R$ 136,3 bi), cesta básica (R$ 53,9 bi), Zona Franca de Manaus (R$ 34,2 bi), entidades sem fins lucrativos (R$ 51 bi) e deduções do IRPF (R$ 45,4 bi). Assim, dos R$ 620 bilhões previstos no PLDO-2026, somente cerca de R$ 174 bilhões ficariam sujeitos ao redutor, gerando R$ 17,4 bilhões em receita anual a partir de 2026 e R$ 4,8 bilhões no restante de 2025.
Adicionalmente, a redução das renúncias fiscais deveria ter como meta reorganizar a matriz de incentivos sem elevar a carga global, permitindo que qualquer aumento de receita fosse feito com alíquotas mais transparentes. Caso contrário, corre-se o risco de deslocar investimento privado e reduzir produtividade, potencialmente reduzindo a própria arrecadação no médio prazo.
O recorte atual também ignora o impacto econômico e fiscal de dois gigantes: a Zona Franca de Manaus, que combina renúncia elevada a baixos encadeamentos produtivos, e o Simples, que desincentiva contratações formais. Ambos deveriam integrar uma revisão mais profunda, articulada a uma reforma do mercado de trabalho e da tributação sobre folha salarial, para diluir o custo das alíquotas efetivas que recaem sobre as demais empresas.
Portanto, o verdadeiro equilíbrio fiscal exigirá combinar duas frentes: (i) poda criteriosa de todos os gastos tributários, inclusive ZFM e Simples, preferencialmente sem elevação líquida da carga, e (ii) governança permanente para revisar incentivos a cada ciclo orçamentário.
Redução de incentivos a investimentos
A proposta de unificar a alíquota do IR em 17,5 % para todos os títulos de renda fixa hoje sujeitos à tabela regressiva, como Tesouro Direto, CDBs, debêntures comuns, entre outros, elimina o prêmio tributário que recompensava quem carregava o papel por mais de 720 dias, quando a alíquota caía a 15 %. Essa simplificação pode facilitar o cálculo do investidor e reduzir a litigiosidade, mas traz um efeito colateral relevante: ao nivelar a tributação para prazos curtos e longos, o governo suprime o incentivo que empurrava a poupança doméstica para vencimentos extensos. Em um país onde a taxa de investimento mal chega a 18 % do PIB e o estoque de poupança de longo prazo já é escasso, desestimular emissões alongadas encarece o funding corporativo, pressiona o custo do Tesouro e fere um dos raros mecanismos que premiavam a paciência do aplicador.
Além da perda de horizonte nos portfólios, a medida pode reduzir a demanda por papéis prefixados ou atrelados à inflação com vencimentos longos, elevando a volatilidade da curva de juros. A experiência internacional mostra que mercados com forte predominância de vencimentos curtos tendem a sofrer mais em choques de liquidez, pois o refinanciamento se torna frequente; a mesma lógica vale para debêntures de infraestrutura, cujos projetos exigem funding de dez anos ou mais. Ao comprimir esse incentivo, o governo troca arrecadação imediata, estimada em torno de R$ 0,4 bilhão por cada ponto percentual de alíquota, por um aumento de risco de rolagem que pode custar caro à economia real.
Já a introdução de uma alíquota de 5 % sobre LCIs, LCAs, CRIs, CRAs e debêntures incentivadas afeta menos a estrutura de incentivos. Esses papéis continuariam largamente competitivos porque a tributação permanece bem inferior à faixa de 17,5 % que incidirá sobre os demais títulos, e o mercado tende a repassar a nova taxação em forma de prêmios um pouco maiores. O ganho fiscal, no entanto, é modesto, projetado em cerca de R$ 6 bilhões por ano.
Conclusão
O pacote anunciado para substituir a alta do IOF entrega um alívio fiscal imediato: o Governo propõe corte linear de benefícios tributários e tributação simbólica de 5 % sobre LCIs/LCAs e ajustes pontuais em apostas on-line e criptoativos. Além disso, é proposta a elevação da alíquota das apostas on-line de 12 % para 18 % (R$ 1,2 bi em 2025; R$ 2,5 bi em 2026).
No agregado, a equipe econômica projeta até R $ 56 bilhões adicionais em 2026. No curto prazo isso ajuda a cumprir o arcabouço e sinaliza disposição de enfrentar renúncias pouco justificadas, embora, na prática, os maiores programas de incentivo (Simples, Zona Franca de Manaus, cesta básica, deduções do IRPF) tenham ficado de fora. Nesse sentido, o plano adota a rota mais politicamente viável, mas não a mais ambiciosa: preserva quase 70 % do gasto tributário e concentra o esforço em apenas um terço da base de renúncias.
A dependência crescente de novas receitas, entretanto, é insustentável enquanto despesas obrigatórias continuarem subindo acima do PIB. Cada rodada de arrecadação se exaure rapidamente e pressiona a economia, que já suporta carga tributária superior a 30 % do PIB. Pior: algumas mudanças, como a alíquota única de 17,5 % para renda fixa, sacrificam o incentivo à poupança de longo prazo, encarecendo projetos de infraestrutura e elevando o risco de rolagem da dívida. O ganho de caixa de hoje pode, portanto, transformar-se em custo de crescimento amanhã.
O caminho durável exige combinar frentes. No lado da despesa, é indispensável recalibrar benefícios assistenciais, equalizar regras previdenciárias e racionalizar a folha, inclusive cortando supersalários. No lado da receita, a revisão de incentivos deve ser abrangente, transparente e neutra em carga total, incluindo ZFM e Simples, e preservar estímulos à formação de capital de longo prazo. Só a convergência dessas duas agendas permitirá estabilizar as contas públicas sem minar investimentos, garantindo que a consolidação fiscal de hoje não seja o gatilho para o próximo desequilíbrio.
Por Daniel Duque, gerente da Inteligência Técnica do CLP