O Estado é provedor de proteção social para a população, contudo, ele também as estratifica, a partir do momento que as pessoas precisam de amparo do Governo e submetem-se a situações vexaminosas. Para substanciar o argumento, é importante refletir sobre um caso prático, por exemplo, o usuário do programa de segurança alimentar “Bom Prato”, que de fato se beneficia dos serviços concedidos pela gestão pública, mas em contrapartida fica na fila por muito tempo – é justamente isso que Esping Andersen (1990) revela ao analisar as três economias políticas do Welfare State.
Os três modelos de Welfare State
Liberal
Segundo Esping Andersen, o primeiro deles é o Liberal, presente nos países Anglo-saxões, fornecendo assistência para aqueles que comprovadamente são pobres, criando assim uma estratificação, com baixa distribuição de renda. Aqui a assistência não existe como um direito para todos, a ideia é deixar o mercado atuar, fornecendo a assistência social; sendo assim, uma minoria dependeria do Estado, gerando uma estratificação, enquanto a maioria poderia ser independente possuindo seu próprio seguro por meio do mercado. Com isso, ficaria evidente quem dependeria ou não do amparo público, resultando na estigmatização dos indivíduos.
Conservador
Já no modelo conservador/corporativista, presente na Áustria, Alemanha, França e Itália, as pessoas estão ligadas a corporações e família, a assistência é oferecida primeiramente pela família. O Estado entra como subsidiário, a fim de complementar a atuação familiar e das corporações, geralmente com benefícios ligados ao cenário trabalhista. Nesse modelo, há a estratificação na separação de classes sociais, que apesar do Estado amparar os mais pobres, os ricos recebem tratamento “diferenciado”.
Social democrata
Adotado pelos países escandinavos, o autor discorre que nesse regime as políticas são universalistas e altamente redistributivas, sendo um direito de todos independente da ocupação e das atribuições individuais. Não se pensa em um status mínimo, isto é, na sobrevivência, mas na qualidade de vida para todos, como por exemplo as universidades públicas – onde todos podem acessar o ensino. Além disso, as escolas públicas municipais, estaduais e técnicas públicas seguem a mesma estrutura.
Para Andersen, nesse modelo, há baixa relação com o mercado, pois uma pessoa que pode escolher acessar o ensino, o teórico vai chamar de “liberal” e é “social” porque o estado consegue atender essa necessidade. Assim, o Welfare State forma um grupo capitalista, conservador e social democrata. Aqui, a estratificação é menos explícita, porém existe. Tal fato ocorre quando as pessoas que são amparadas por uma política universalista ascendem socialmente, causando uma divisão entre os que conseguiram mudar sua classe e os que permanecem vulneráveis.
Como o autor analisaria o Welfare State no Brasil?
Conforme as classificações de Andersen, o Brasil se enquadraria no corporativista/conservador uma vez que as pessoas de alguma forma estão ligadas às empresas e dependem do benefício de seguridade social, por exemplo. Neste sentido, a situação do Brasil em meio a crise sanitária da Covid-19 poderia ser analisada pelo o autor das seguintes formas:
O caso dos profissionais de saúde
Apesar da tentativa do Estado de incluir o máximo de profissionais – somando mais de 14 categorias, com uma política o mais universalista possível, ainda assim estaria estratificando, ou seja, separando quem deve ou não se imunizar com a vacina. Isso acontece quando profissionais de saúde fazem parte de uma categoria prioritária, como é o caso dos psicólogos, profissionais de educação física e médicos veterinários, além dos que já estavam incluídos desde o início da pandemia, como os médicos e enfermeiros. Enquanto isso, o resto da população não recebe a mesma assistência, desequilibrando a balança social. Sem contar que os profissionais que foram incluídos na agenda prioritária posteriormente, majoritariamente falando, não se encontram em situação de pobreza ou extrema pobreza, ou seja, não são os que mais sofrem com a pandemia.
Atualmente, na saúde, é difícil observar-se o dualismo na prática, conforme alertado por Andersen (1991), no qual os mais pobres contam com o Estado, pois, não possuem alternativa, enquanto os mais abastados buscam estes bens sociais via mercado. A título disso, a Câmara dos Deputados aprovou o texto base (2021) de um projeto de lei que permite que a iniciativa privada compre vacinas contra a doença para imunizar seus funcionários. Nessa lógica mercadológica, quem tem mais dinheiro se beneficiará mais, havendo estratificação.
Referências
CLAVERY; FELIPE BARBIÉRI; MATTOS. Câmara aprova texto-base de projeto que libera compra de vacina por empresas para funcionários. Disponível em: <Câmara aprova texto-base de projeto que libera compra de vacina por empresas para funcionários> Acesso em: 08 de abril de 2021.
ESPING-ANDERSEN. As três economias políticas do Welfare State. Lua Nova, n. 24, set.
1991.