Visão Geral sobre desafios da tributação indireta no Brasil
Notamos que a tributação sobre bens e serviços no Brasil é caracterizada pela existência de vários tributos obsoletos com legislações diferentes e complexas, muitos regimes especiais e benefícios tributários, além de uma quantidade numerosa de alíquotas. Outras características negativas que chamam a atenção são a cumulatividade tributária (“tributação em cascata[1]”) e a tributação na origem (local da produção[2]).
O principal tributo sobre bens e serviços, o ICMS, é de responsabilidade dos Estados, enquanto a União arrecada o IPI e os municípios o ISS. Mas o governo federal também é responsável pelo PIS/Cofins, entre vários outros tributos. Nota-se que há um aproveitamento restrito de créditos nos tributos não cumulativos, além da coexistência com tributos e regimes cumulativos, como o ISS e o PIS/Cofins, além de termos um sistema fragmentado em vários tributos com incidência sobre bases comuns.
Nesse sentido, o sistema tributário brasileiro é referido como uma “estrutura desconexa”, com pouca coerência lógica, tornando bastante elevado os custos acessórios para as empresas e afetando, assim, a competitividade da nossa economia e seu grau de formalização.
Um dado demonstra essa questão. Segundo o relatório Doing Business, o número de horas gastas pelas empresas para o pagamento de tributos é de 1.501 horas anuais. Tamanho tempo é quase cinco vezes superior à média da América Latina (317,1 horas/ ano) e dez vezes superior à média da OCDE (158,8 horas/ano).
A consequência dessa complexidade consiste no fato do contencioso tributário expressar um grau de litigiosidade extremamente elevado no comparativo internacional. Assim, analisando-se o contencioso administrativo federal, o Brasil alcança 16,4% do PIB enquanto a mediana dos países da OCDE está em 0,28% do PIB e da América Latina em 0,19% do PIB[3]
Objetivando reverter o cenário descrito acima, é importante a unificação do IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS em um tributo sobre valor agregado (imposto incide sobre o valor adicionado por cada empresa em cada etapa de produção e circulação de bens e serviços), possuindo as seguintes características: simplicidade, base mais ampla possível, regramento único em todo o território nacional e alíquota uniforme para operações com bens e prestações de serviços.
Além disso, é essencial que a cobrança ocorra no destino (local em que o bem é enviado) com o menor número possível de regimes diferenciados e favorecidos, com esses sendo estabelecidos somente por questões técnicas e para acomodar situações setoriais específicas. Também consideramos que é importante avaliar regularmente se os benefícios concedidos estão sendo eficientes.
Avaliação CLP – Relatório substitutivo
Esta é uma avaliação da versão preliminar do substitutivo apresentado na última quinta-feira (22) pelo relator da reforma tributária na Câmara dos Deputados, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). O objetivo desta reforma é simplificar e modernizar o complexo sistema de impostos do país, corrigindo disparidades e tornando-o mais justo e eficiente.
As alíquotas do IVA diferenciadas para setores com alto impacto social, como educação, saúde e transporte público, e o modelo de devolução de impostos para famílias de baixa renda mostram um esforço para tornar o sistema tributário mais progressivo. No entanto, não se justifica a tributação menor para três dos seis setores contemplados na proposta: dispositivos médicos e serviços de saúde; produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura; e insumos agropecuários, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal da cesta básica.
É importante ressaltar que, quanto maiores forem as diferenças entre alíquotas, maiores serão as distorções verificadas no funcionamento da economia. Nesse sentido, o ideal é que a alocação de recursos seja baseada na produtividade dos setores e não em diferenças em relação à tributação entre os setores.
A utilização de diferentes alíquotas só se justifica quando determinado setor traz elevada externalidade positiva (ganhos sociais maiores que ganhos individuais) ou no caso de o governo objetivar, de fato, subsidiar produtos mais consumidos pela população mais vulnerável. Assim, as alíquotas diferenciadas justificam-se, por exemplo, para setores como saúde, educação, além de medicamentos.
A extensão dos setores que receberão esta diferenciação deve ser limitada e fixada ao longo do tempo, de preferência com caráter constitucional.
No caso dos dispositivos médicos e serviços de saúde, por exemplo, a diferenciação não é positiva pois os maiores beneficiários serão os hospitais privados. Também para o caso de insumos agropecuários não se justifica dado que, em termos práticos, as alíquotas reduzidas acabam tornando-se subsídios para o agronegócio.
Outro ponto que merece atenção é o tempo de transição dos impostos. O texto substitutivo prevê a unificação dos atuais impostos (PIS/Cofins, ICMS e ISS) aos IVAs federal, estadual e municipal de 2026 a 2032. Já o período de transição para que os impostos sobre o consumo deixem de ser cobrados totalmente na origem, e que a tributação seja no local onde são consumidos, é de 50 anos, entre 2029 e 2078. Com uma transição muito longa, demorará mais tempo para termos os benefícios econômicos gerados pela reforma.
Em conclusão, a proposta de reforma tributária representa um passo significativo e necessário para transformar o sistema tributário brasileiro. No entanto, o substitutivo pode ser aprimorado tendo em vista que é um passo inicial para as discussões no Legislativo. Como qualquer proposta ambiciosa, a eficácia desta reforma dependerá de sua implementação adequada, monitoramento rigoroso e ajustes contínuos para garantir que ela cumpra suas metas e promova um sistema tributário mais eficiente e justo para todos os brasileiros.
Por Daniel Duque, gerente de Inteligência Técnica do CLP; e Pedro Trippi, coordenador de Inteligência Técnica do CLP
[1] Entende-se que um tributo é cumulativo quando ele é cobrado em ao menos duas etapas de produção, de modo que a cobrança em determinada etapa não permita o abatimento do que foi pago na etapa anterior. De outro modo, o tributo incide sobre o valor bruto de produção em cada etapa do processo e não sobre o valor adicionado. A cumulatividade gera distorções, como o fato de incentivar as empresas a verticalizar suas produções inviabilizando opções eficientes, como a terceirização, além de onerar relativamente mais a indústria de bens de capital, a qual tende a ser composta por cadeias produtivas longas, impactando negativamente os investimentos. Por fim, a tributação em cascata também prejudica a competitividade de produtos nacionais voltados para exportação. Para uma análise mais detalhada sobre o tema ver: AFONSO,José e CASTRO, Kleber. Contas Públicas no Brasil: Parte III – O lado do financiamento do estado. Página 274.
[2] Dada a autonomia tributária dos estados, o desrespeito às regras do Confaz e, em especial, o fato de parte da incidência do ICMS se dar na origem, verificamos a ocorrência do fenômeno conhecido como “Guerra Fiscal do ICMS”, na qual, buscando atrair investimentos, os estados passam a conceder benefícios tributários às empresas interessadas. Essa prática acaba por se generalizar e se aprofundar, retirando a eficácia dos benefícios os quais não funcionam mais como incentivo à localização além de gerarem perda fiscal elevada.
[3] INSPER. Uma agenda econômica pós-pandemia parte 1: Qualidade do gasto e tributação.
Disponível em : Uma-agenda-econômica-pós-pandemia-parte-I-1.pdf (insper.edu.br)