Avaliação sobre pontos específicos aprovados na reforma tributária
A recente aprovação da Reforma Tributária no Congresso Brasileiro foi uma vitória para criar um sistema mais justo e simplificado do sistema de relativo ao pagamento de impostos indiretos do Brasil. No entanto, como toda reforma do país, muitas mudanças ao longo da tramitação podem ter efeitos adversos. Essa NT tratará de dois pontos recentemente discutidos: a isenção de carnes, pela sua inclusão na cesta básica, e a exclusão de armas de fogo na lista de produtos sobre os quais incidirá o Imposto Seletivo.
- Isenção de Carnes
A decisão de isentar o consumo de carnes da alíquota do Imposto sobre Bens e Serviços e Contribuição sobre Bens e Serviços tem implicações ambíguas do ponto de vista distributivo. Ao isentar a maior parte das categorias de carne de impostos, o Congresso pode ter perdido uma oportunidade de aplicar uma política tributária mais progressiva e focada na igualdade socioeconômica.
A tabela abaixo, com base na POF 2017/18, mostra a distribuição de gasto com alimentação por classe. Observa-se que à medida que a classe aumenta, de baixa (0 a 25% mais pobres) para alta (25% mais ricos), os gastos com “Carne” e “Frango” diminuem, mas em proporções diferentes: de 17.7% para 11.0% em “Carnes” (boninas, suínas, pescados etc.) e de 6.8% para apenas 2.2% em “Frango” da classe baixa para a alta.
Classe Baixa | Classe Média | Classe Alta | |
Carnes | 17.7% | 15.9% | 11.0% |
Fora de Casa | 11.6% | 18.8% | 34.1% |
Frango | 6.8% | 4.3% | 2.2% |
Outros Alimentos | 63.9% | 60.9% | 52.6% |
É importante notar que uma parte significativa dos gastos com alimentação “Fora de Casa” nas classes mais altas, que chega a 34.1%, pode estar vinculada ao consumo de carne. Restaurantes como rodízios de carne, estabelecimentos de comida japonesa que oferecem sashimi e sushi, entre outros, são frequentemente frequentados por consumidores de maior poder aquisitivo. Essa preferência pode ser uma explicação para o menor gasto aparente com carne e frango como itens separados nas despesas domésticas, já que esses alimentos são consumidos fora do ambiente doméstico.
Portanto, enquanto os dados indicam um menor gasto direto com “Carne” e “Frango” nas compras domésticas das classes mais altas, isso não necessariamente reflete um consumo reduzido desses produtos. Ao contrário, o estilo de vida das classes mais ricas inclui uma frequência maior de refeições em ambientes externos onde esses itens são consumidos regularmente, indicando uma integração do consumo dessas proteínas através de formas mais sofisticadas e sociais de alimentação.
Carnes, especialmente cortes mais caros e produtos de maior valor agregado, são frequentemente consumidos em maior proporção por indivíduos de classes socioeconômicas mais altas. A isenção das alíquotas de consumo, portanto, pode beneficiar desproporcionalmente os mais ricos, que têm maior capacidade de consumo desses produtos. Em contraste, o consumo de frango, que geralmente é mais acessível e popular entre as classes mais baixas, poderia ter sido um foco mais apropriado para isenção tributária. Isentar apenas o frango teria potencialmente um efeito mais equalizador, aliviando a carga tributária sobre um item básico de consumo mais frequente entre famílias de renda mais baixa, enquanto mantendo a tributação sobre produtos consumidos em maior escala por famílias mais abastadas.
- Exclusão de armas de fogo no Imposto Seletivo
Adicionalmente, no texto regulatória da Reforma Tributária, o Governo e Congresso decidiram não incluir armas de fogo na lista de itens sujeitos ao Imposto Seletivo. Tal decisão leva a preocupações significativas, dadas as evidências acadêmicas robustas sobre os efeitos sociais adversos da maior disponibilidade de armas. Estudos conduzidos em contextos internacionais e nacionais consistentemente mostram que um aumento no número de armas em circulação está associado a elevações nas taxas de homicídios, suicídios e mortes acidentais. Por exemplo, a análise abrangente de Thomas Conti, que revisou dezenas de estudos publicados entre 2013 e 2017, encontrou evidências substanciais de que mais armas resultam em mais crimes e violência letal, com apenas uma minoria de estudos apoiando a tese contrária.
Ademais, meta-análises e pesquisas altamente rigorosas, como a conduzida por Donohue et al. em junho de 2017, reforçam a conclusão de que o aumento de armas agrava a violência. No Brasil, o Estatuto do Desarmamento, que restringiu a circulação de armas, foi associado a uma desaceleração na escalada de homicídios, conforme apontado pelo próprio Atlas da Violência, usado pelo governo. Portanto, a isenção de armas de fogo do Imposto Seletivo parece contradizer não só a vasta literatura científica que liga maior acessibilidade de armas a taxas elevadas de violência, mas também ignora as experiências nacionais anteriores que demonstraram benefícios de políticas de controle de armas.
Por Daniel Duque, gerente da Inteligência Técnica do CLP