Tornou-se senso comum dizer que ‘tempos de crise, trazem também oportunidades’. Para além do mundo dos negócios, a Sociologia e a Ciência Política desenvolveram teorias que podem explicar por que o vislumbre das oportunidades na liderança em tempos de crise é tão disseminado na cultura popular.
A pandemia de Covid-19, decretada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) desde 11 de março de 2020, gerou uma situação de crise mundial e tem testado lideranças ao redor do mundo. Quando lideranças nacionais são inaptas no cumprimento de seus papéis, despontam internamente lideranças estaduais e municipais na busca por soluções de ordem sanitária, social e econômica. Afinal, na política, não existe vácuo de poder.
Liderança em tempos de crise geram maior abertura para mudanças institucionais
O jurista e sociólogo Max Weber é conhecido por argumentar que a política e a sociedade seguem ‘caminhos’ estabelecidos em momentos críticos da história de um país. Exceto por esses momentos fundamentais de mudanças, grupos e indivíduos em sociedade tendem a buscar seus interesses através dos caminhos já estabelecidos. Essa ideia pode ser aplicada na lógica organizacional e ao caso das instituições. Nesse sentido, as instituições seriam preponderantemente estáveis, mas as mudanças que ocorrem costumam ocorrer em momentos críticos e as mudanças subsequentes tendem a ser variações ou extensões lógicas dessa primeira mudança.
Portanto, a disseminação da doença causada pelo coronavírus pode ser caracterizada como um momento crítico na história e, por consequência, como um momento propício para ocorrência de mudanças institucionais que tendem a gerar legados duradouros.
Estudo considerou a liderança do Brasil no combate à Covid-19 como a pior do mundo
Estudo comparativo realizado pelo Lowy Institute, organização sediada em Sydney, na Austrália, avaliou a performance de 98 países (conforme disponibilidade de dados) no combate à pandemia de Covid-19. Foram considerados como critérios para elaboração do ranking o número de casos confirmados, mortes e proporção de testes realizados conforme a população de cada país.
O Brasil ficou na última posição, sendo sua gestão considerada a pior do mundo dentre os países avaliados. Desde a confirmação dos primeiros casos da doença causada pelo coronavírus, o Brasil não tem conseguido controlar a transmissão nem o número de mortes no país. Dificuldades para promover testagem ampla e acompanhamento, falta de estrutura suficiente para atendimento dos doentes, entraves diplomáticos desnecessários que dificultaram a exportação de matéria-prima para produção de vacinas, bem como ausência de liderança e demora para fechar contratos de compras de vacinas com os principais laboratórios, tem tornado a crise no Brasil cada vez mais preocupante e caótica.
Decisão do Supremo Tribunal Federal reconhece que os estados, distrito federal e municípios têm competência concorrente com a União para combater Covid-19
Como o Brasil adota forma federativa de Estado, isso significa que o poder não é centralizado no governo federal e que os estados, distrito federal e municípios possuem governo próprio e autonomia relativa para tratar de assuntos locais. Nossa Constituição Federal faz uma série de previsões acerca da organização político-administrativa adotada no Brasil e estipula repartição de competências entre os entes federados para que todos possam atuar de forma autônoma (artigos 1° e 18 da Constituição Federal).
Ações equivocadas ou omissões por parte do governo federal geraram reações Ações equivocadas ou omissões por parte do governo federal geraram reações por parte dos outros poderes. Instado a se manifestar, o STF reafirmou em abril de 2020, no julgamento da ADI 6341, que os estados, distrito federal e municípios têm competência concorrente com a União para tomada de providências administrativas e normativas sobre saúde pública (artigos 23, II e 24, XII da Constituição Federal).
Liderança em tempos de crise deve ser capaz de combater trajetórias ineficientes
Obviamente, a existência de competência comum entre os entes federados não pode servir para justificar as ineficiências do governo federal, que deve ser o principal responsável por coordenar esforços no combate à Covid-19. No entanto, boas lideranças estaduais e municipais têm condições de despontar nesse momento de crise e de corrigirem práticas arraigadas e ineficientes, moldando práticas capazes de gerar resultados mais eficientes e com consequências institucionais de longo prazo.
Em circunstâncias excepcionais, como a da atual crise, é possível que emerja uma possibilidade maior de agência por parte dos atores envolvidos, pois é como se uma ‘janela de oportunidade’3se abrisse em torno de condições mais permissivas, possibilitando que as lideranças políticas adotem mecanismos para formar coalizões em prol de um objetivo comum. A abertura dessa ‘janela de oportunidade’ faz com que várias opções institucionais fiquem disponíveis, tornando ainda mais importante as interações e escolhas políticas feitas pelas lideranças estaduais e municipais no enfrentamento de crises.
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