A Previdência Militar no Brasil
O problema da previdência militar no Brasil tem se mostrado um desafio crescente para as contas públicas do país. As despesas com pessoal das Forças Armadas, incluindo ativos, inativos e pensionistas, representam uma parcela significativa do orçamento, colocando em xeque a sustentabilidade financeira a longo prazo. Esse cenário exige uma análise cuidadosa e a implementação de reformas que visem equilibrar os gastos sem comprometer a segurança nacional.
Em comparação com outros países, os gastos do Brasil com pessoal militar destoam de maneira acentuada. A folha de pagamento dos militares brasileiros é, proporcionalmente, mais de três vezes maior que a dos Estados Unidos. Atualmente, 78% dos gastos militares do país são destinados a pessoal da ativa, da reserva e pensões, totalizando R$ 77,4 bilhões em 2024. Esse desequilíbrio evidencia a necessidade de ajustes estruturais para alinhar o Brasil às práticas internacionais.
Percentual do Gasto Militar com Pessoal, OTAN x Brasil
Em 2019, foi sancionada a Lei 13.954/19, que alterou as regras de previdência para as Forças Armadas, policiais militares e bombeiros estaduais. Entre as principais mudanças, destacou-se o aumento do tempo mínimo de serviço de 30 para 35 anos e a elevação da alíquota de contribuição de 7,5% para 10,5%. Além disso, foram implementados reajustes anuais nos percentuais do Adicional de Habilitação até 2023. No entanto, essas medidas não estabeleceram uma idade mínima para a aposentadoria (reserva remunerada) e incluíram reajustes e adicionais que, em certa medida, compensaram os aumentos das contribuições.
Apesar das reformas de 2019, o problema persistiu. As provisões relativas ao Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas (SPSMFA) atingiram R$ 856 bilhões em 2023, um aumento em relação aos R$ 807 bilhões de 2022. Desse montante, R$ 495 bilhões referem-se a benefícios com militares inativos e R$ 347 bilhões a pensões militares. O contínuo crescimento dessas despesas indica que as mudanças implementadas não foram suficientes para conter o avanço dos gastos.
Receitas e Despesas da Previdência Militar (R$ bi)
Em novembro de 2024, em busca de reduzir despesas e evitar ultrapassar o limite do déficit fiscal, os Ministérios da Fazenda e da Defesa fecharam uma nova proposta de ajuste na previdência dos militares. Entre os principais pontos estão o aumento progressivo da idade mínima para a transferência para a reserva remunerada de 50 para 55 anos e alterações nas regras de pensão, como a restrição de beneficiários e o fim da chamada “morte ficta”. Por fim, seria implementada uma contribuição de 3,5% sobre salários. Essas medidas visam tornar o sistema mais sustentável e alinhado às práticas previdenciárias adotadas para outros servidores públicos.
Embora os novos ajustes sejam passos positivos na direção de equilibrar as contas públicas, é pouco provável que, isoladamente, resolvam o problema estrutural da previdência militar. A resistência inicial dos militares às mudanças evidencia a complexidade de implementar reformas profundas nesse setor. Além disso, a necessidade de conciliar a sustentabilidade financeira com a valorização e o reconhecimento da importância das Forças Armadas para o país torna o desafio ainda maior.
Dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) indicam que muitos oficiais de segurança e defesa no Brasil se aposentam logo após os 40 anos de idade. Há uma queda significativa no efetivo de militares ativos entre 45 e 55 anos, o que demonstra que a maioria dos profissionais deixa o serviço ativo antes de atingir essas idades. Menos de 10% dos militares federais tinham mais de 50 anos ao final de 2021 (menos de 15% entre os estaduais). Essa tendência não apenas reduz a experiência acumulada dos militares, mas também aumenta a pressão sobre o sistema previdenciário, já que amplia o período em que esses profissionais recebem benefícios após a aposentadoria.
Pessoal Ativo Militar (Todos os Níveis) por Tempo de Emprego e Idade
Além disso, embora seja raro encontrar militares ativos com mais de 35 anos de serviço, muitos ainda se aposentam com apenas 30 anos de contribuição devido às regras de transição estabelecidas nas reformas anteriores. Essas regras permitem que militares que já estavam na ativa cumpram um “pedágio” de 17% sobre o tempo que faltava para completar os 30 anos mínimos exigidos, facilitando a aposentadoria precoce. Essa situação agrava o desequilíbrio financeiro do sistema, pois aumenta o número de beneficiários em relação ao número de contribuintes ativos, intensificando a necessidade de reformas mais abrangentes.
Com base nos dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), é possível simular o impacto fiscal das medidas propostas. Infelizmente, essas simulações apontam para uma redução de gasto mínima e um aumento de receita insuficiente. Por exemplo, ao analisar quantos militares poderiam se aposentar antes dos 50 anos em 2025 e 2030, sendo impedidos até atingirem 54 anos devido à exigência de completar 35 anos de serviço, verifica-se que a economia gerada seria de apenas R$ 12 milhões em 2025 e R$ 25 milhões em 2030. Esses valores consideram uma taxa de reposição fiscal de 50%, ou seja, o custo dos novos militares que substituiriam os aposentados seria metade do salário destes. Mesmo desconsiderando uma provável regra de transição, a economia é ínfima diante do montante total das despesas.
Por outro lado, a criação de uma alíquota contributiva adicional de 3,5% poderia gerar uma receita extra de cerca de R$ 2 bilhões por ano. No entanto, esse montante é insuficiente quando comparado ao déficit da previdência militar, que alcança R$ 50 bilhões. Portanto, apesar de as medidas representarem um avanço, elas têm impacto fiscal limitado e não são suficientes para resolver o problema estrutural do sistema previdenciário militar. É evidente a necessidade de reformas mais abrangentes que promovam ajustes significativos nas despesas e receitas, a fim de garantir a sustentabilidade financeira a longo prazo.
Portanto, é fundamental que o governo continue buscando soluções abrangentes e dialogadas, que envolvam não apenas ajustes nos benefícios, mas também uma reavaliação do modelo de carreira e remuneração dos militares. Somente com uma abordagem integrada será possível assegurar a viabilidade financeira do sistema previdenciário militar, garantindo, ao mesmo tempo, a eficiência e a motivação das Forças Armadas brasileiras.
Em conclusão, para enfrentar efetivamente o problema estrutural da previdência militar no Brasil, são necessárias medidas mais profundas e abrangentes. Uma delas é aumentar a idade mínima para a transferência para a reserva remunerada para, pelo menos, 60 anos. Isso alinharia o Brasil às práticas internacionais e reduziria a pressão sobre o sistema previdenciário, já que os militares permaneceriam mais tempo na ativa, contribuindo por um período maior antes de se tornarem beneficiários.
Além disso, é essencial pôr fim à integralidade das aposentadorias militares, seguindo o exemplo do que já foi implementado no serviço público federal civil. Essa mudança implicaria que os benefícios passassem a ser calculados com base na média das remunerações, e não no último salário recebido, tornando o sistema mais sustentável. Também é crucial eliminar pensões que não existem no Regime Geral da Previdência Social, garantindo equidade entre os diversos regimes previdenciários do país. Somente com essas reformas estruturais será possível assegurar a viabilidade financeira do sistema e equilibrar as contas públicas a longo prazo.
Por Daniel Duque, gerente da Inteligência Técnica do CLP