Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), saúde ambiental são todos aqueles aspectos da saúde humana que estão determinados por fatores físicos, químicos, biológicos, sociais e psicológicos no meio ambiente. Também se refere à teoria e prática de prevenir e controlar fatores de risco que, potencialmente, possam prejudicar a saúde de gerações atuais e futuras.
O campo da saúde ambiental compreende a área da saúde pública, afeita ao conhecimento científico e à formulação de políticas públicas relacionadas à interação entre a saúde humana e os fatores do meio ambiente natural que a influenciam.
Higiene coletiva e saúde ambiental
Na mitologia grega, Asclépio era considerado o deus da medicina e da cura, também conhecido como Esculápio pelos romanos. De acordo com a lenda, Esculápio teve três filhas: Panaceia (deusa da cura), Iaso (deusa dos remédios) e Hygieia (deusa da limpeza e saneamento). Os hábitos difundidos à época por Hygieia deram origem ao termo “higiene”, marcando assim a relação milenar entre hábitos de salubridade à promoção da saúde individual e comunitária.
A concepção da higiene como salvaguarda da saúde coletiva também foi marcada pelos ensaios teóricos de Luigi Cornaro (1467-1565), primeiro higienista da Idade Moderna. Embora à época o conceito de higiene estivesse inicialmente ligado à autocuidado, Cornaro foi um entusiasta em difundir a sua função pública, participando da criação de obras governamentais relativas à limpeza e drenagens de campos, com vistas ao aumento da área de cultivo de alimentos e melhor abastecimento das cidades, além de tornar mais saudável o ar para os seus habitantes. Assim, a ideia de higiene como possibilidade de prolongamento da vida saía do âmbito individual para o coletivo, abrangendo o que conhecemos hoje como saúde ambiental.
Saneamento básico como direito
Definido como o controle dos fatores do meio físico que exercem ou têm o potencial de exercer efeitos nocivos sobre o bem-estar físico, mental e social, o saneamento básico tem sido considerado um importante determinante ambiental de saúde.
Dentre as principais atividades de saneamento estão à coleta e o tratamento de resíduos sólidos e líquidos (lixo e esgoto), a prevenção da poluição das águas de rios, mares e outros mananciais, a garantia da qualidade da água utilizada pelas populações para consumo, bem como o seu fornecimento de qualidade, além do controle de hospedeiros e transmissores. Incluem-se ainda nesse campo de atuação a drenagem das águas das chuvas, prevenção de enchentes e cuidados com as águas subterrâneas.
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Saúde pública
A preocupação com saneamento, ao longo da história, esteve quase sempre relacionada à transmissão de doenças. Desde a antiguidade o homem aprendeu intuitivamente que a água poluída por dejetos e resíduos era fonte de toda sorte de males. Há exemplos de civilizações, como a grega e a romana, que desenvolveram técnicas avançadas de tratamento e distribuição de água. A descoberta de que seres microscópios eram responsáveis pelas moléstias só se deu séculos mais tarde, por volta de 1850. A partir de então, descobriu-se que mesmo solos e águas aparentemente limpas poderiam conter organismos patogênicos introduzidos por material contaminado.
Um panorama do saneamento no Brasil
O Brasil, embora tenha mostrado certo progresso na redução das desigualdades em saúde nas últimas décadas, é um país que ainda apresenta importantes desafios relacionados à cobertura de serviços de saneamento. Em 2016, apenas 19 capitais apresentaram oferta de redes de água superior a 90%. Em estados como Pará e Rondônia, menos de 10% da população têm acesso à rede de esgoto.
Segundo informações da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), cerca de 100 milhões de brasileiros não têm acesso à coleta e tratamento de esgoto, e 35 milhões não recebem água tratada nas suas casas.
Atualmente, morrem no Brasil 15 mil pessoas por ano em decorrência de doenças relacionadas à falta de saneamento, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, segundo o órgão, cada R$1,00 investido em saneamento gera economia de R$4,00 na saúde.
Em 2010, o Instituto Trata Brasil divulgou uma pesquisa que analisava a situação de 81 municípios com mais de 300 mil habitantes no período de 2003 a 2008. O objetivo da pesquisa era verificar as possíveis relações entre o esgotamento sanitário inadequado e as diarréias. Também foram levados em consideração os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) com tratamento de doenças de origem sanitária. A conclusão do estudo foi uma clara relação do esgotamento inadequado com maiores taxas de hospitalização por diarréia.
O maior público atingido são crianças, constituindo mais de 50% das internações. Em 16 das 81 cidades, a proporção supera 70% dos casos, sempre ligados à pobreza e à inconsistência dos sistemas sanitários.
Dados do DataSUS apontam que, em 2018 foram registradas mais de 230 mil internações por doenças de veiculação hídrica que resultaram em 2.180 óbitos. O custo das internações por esse tipo de doença ficou em R$90 milhões naquele ano. Se 100% da população tivesse acesso à coleta de esgoto, haveria uma redução, em termos absolutos, de 74,6 mil internações —56% dessa redução ocorreria no Nordeste.
Impacto financeiro da falta de saneamento
Existe uma relação direta do ponto de vista econômico com o saneamento básico, uma vez que, somente em 2015, o número de trabalhadores afastados foi de 6,4 milhões. Se 100% da população tivesse acesso à coleta de esgoto, haveria uma redução de 74,6 mil internações.
Isso se reflete também no impacto financeiro que as doenças causam na administração pública, visto que diversas internações, tratamentos e compra de medicamentos poderiam ser evitadas. Para se ter uma ideia, o custo de uma internação por infecção gastrintestinal no SUS foi de cerca de R$ 355,71 por paciente na média nacional, segundo o Trata Brasil.
Saneamento básico e saúde ambiental
A degradação ambiental é um dos impactos mais visíveis que a falta de saneamento básico pode ocasionar. A poluição urbana continua em franco crescimento e a falta de destinação adequada para os resíduos seguem gerando uma série de prejuízos aos grandes centros urbanos, bem como para o meio ambiente.
Segundo estudos do Instituto Trata Brasil, diariamente 3.500 piscinas olímpicas de esgotos são despejadas em rios, mares e cursos d’água, apenas pelas 100 maiores cidades brasileiras.
Um corpo hídrico que sofre alguma contaminação pode eliminar inúmeras espécies de uma cadeia alimentar, e afetar um ecossistema inteiro. Para as cidades, isso pode representar um surto de doenças ou uma infestação de insetos ou pragas, por exemplo.
No Brasil, também convivemos com a maioria do lixo que produzimos. Segundo dados do Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT são produzidas diariamente no país 140.911 toneladas de lixo. Deste total, estima-se que cerca de 40% não sejam sequer coletados. O problema se torna ainda mais complexo com o aumento de produtos descartáveis – plástico, alumínio, vidro – e com a crescente presença de substâncias tóxicas como removedores, tintas, pilhas, baterias, dentre outros.
Como pensar em impactos positivos sobre a saúde ambiental e pública?
A compreensão das relações entre saneamento, saúde pública e meio ambiente deve constituir a etapa inicial e mais importante de qualquer instrumento de planejamento de sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. Em termos de planejamento, a identificação e análise dos efeitos advindos da implementação de determinado sistema, seja ele de água ou de esgotos, deve conferir meios para se estabelecer uma certa ordem de prioridades e apontar o direcionamento mais adequado das ações, uma vez que cada ente da federação a ser beneficiada possui características distintas e nem sempre as ações de saneamento podem ser orientadas da mesma forma.
No entanto, não só os aspectos relacionados ao meio ambiente e à saúde pública devem ser levados em consideração. No caso do saneamento, existem diferentes dimensões, em níveis crescentes de complexidade, a serem consideradas na definição de uma solução apropriada, como a econômica, financeira, social, institucional e a política, o que torna ainda mais difícil o desenvolvimento de um modelo.
A compreensão dessas relações revela-se um pressuposto fundamental para o planejamento dos sistemas de saneamento em centros urbanos, de modo a privilegiar os impactos positivos sobre a saúde ambiental e pública.