Esse conteúdo faz parte do Blog do CLP. Esse é um espaço onde as lideranças formadas pelos cursos do CLP compartilham boas práticas, aprendizados e soluções que, nesse caso, foram criadas ou otimizadas através da participação no .
O líder Jonathan Henrique fala sobre o papel da liderança e da sociedade civil na criação e avaliação das políticas públicas. Para ele, é necessário que um gestor público saiba identificar as reais necessidades de seus programas e projetos, e assim, assuma um papel de líder. Leia:
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O que é um legado? Se você deixar o seu projeto hoje, ele é capaz de seguir sozinho? Se sim, você começou a construir um legado.
Muitos gestores têm esse propósito, de desenvolver ações que se tornem legados. Construir projetos que tenham continuidade por si e que possam virar referência. No setor público não é diferente, e a responsabilidade acaba sendo ainda maior. A cada quatro anos, os resultados das políticas públicas são testados nas urnas. Trocam-se os cargos, assumem novas pessoas, com visões diferentes, mas que devem sempre pensar em um único propósito: atender as demandas da população. Algumas ações se mantêm, enquanto outras acabam sendo descontinuadas.
Pensando neste contexto, é importante analisar que as políticas públicas atingem todas as pessoas, independentemente da raça, cor, nível social ou religião. A responsabilidade do gestor público está cada vez mais diversificada, uma vez que a democracia se consolida e amadurece. As agendas de campanha são transformadas em políticas públicas e essas expressam o surgimento de novas ideias e novos propósitos.
As políticas públicas e seus resultados
Uma política pública pode ser tanto parte de uma ação de governo ou ação de Estado. De acordo com Oliveira (2011), políticas de governo estão mais relacionadas com os projetos desenvolvidos pelo executivo e refletem a agenda política que foi eleita, o que não garante que as políticas desenvolvidas durante os quatro anos de mandato serão mantidas.
Já as políticas de Estado tendem a ser mais complexas, em muitos casos envolvendo o legislativo por meio da aprovação de leis que dão sustentação para a política pública elaborada. As diversas amarras institucionais garantem que essa política seja vista como uma política que se destaca de uma mera agenda política de curto prazo.
Como garantir que as políticas públicas mais efetivas tenham continuidade?
Partindo de uma reflexão sobre como algumas políticas públicas perpassaram governos e obtiveram sucesso em sua institucionalização, salta aos olhos, dentre outros fatores, a interação entre as esferas da política, sociedade civil e gestão técnica. Percebe-se que a integração dos três eixos tem relevância para a continuidade de algumas políticas públicas.
A esfera política abrange os interesses políticos diversos e os atores que compõe o legislativo e executivo. A esfera da gestão técnica envolve os técnicos que irão executar a política, desde o gestor do mais alto nível hierárquico até o burocrata do nível de rua. A esfera da sociedade civil tem a ver sobre as organizações sociais, movimentos, comunidades e as articulações conjuntas dos cidadãos.
A partir da relação entre as esferas apresentadas, é importante pensar quais os resultados podem ser alcançados a partir das interações entre elas, e como elas influenciam a institucionalização das políticas públicas.
Políticas públicas que nascem apenas da relação entre a esfera política e técnica tende a ser uma ação insulada tecnicamente. O insulamento burocrático nesse caso é perigoso porque pode criar uma visão distorcida dos verdadeiros anseios da sociedade e basear as políticas públicas apenas em relatórios tecnicistas que auxiliam o político na gestão da máquina pública. Projetos bem estruturadas e com marcos lógicos alinhados, porém podem ser conflitantes com os problemas sociais. Em muitos casos, a melhoria da gestão conflita diretamente com os anseios imediatos da população. Evitando polêmicas com exemplos brasileiros, podemos pensar nas manifestações dos Coletes Amarelos frente ao governo francês.
As políticas e a sociedade civil
A interação entre a política e sociedade civil partem da renovação de agenda de políticas públicas a partir da democracia representativa. Essa interação é benéfica pois expressa de forma muito clara o que a sociedade civil está esperando de seus representantes e das respostas a serem dadas pela esfera política. Mas essa interação está sujeita a riscos, projetos que partem de uma agenda política tendem a correr o risco de ficarem marcadas como políticas de um determinado governo.
Essa vinculação de políticas públicas a um partido ou ideologia específica é uma das possíveis ameaças para a continuidade dela. Com a troca de gestão e gestores, a revisão do portfólio de políticas é inevitável. Por isso, a participação da esfera da gestão técnica é tão importante nesta etapa, visto que ela pode fornecer informações e apresentação de resultados que subsidiem a validade da política.
Por último, políticas que são criadas a partir da interação gestão técnica e sociedade civil tendem a ter mais forças se comparadas às demais devido à pressão que a sociedade civil pode fazer na esfera política. Todavia, tendem também a não se estruturarem no longo prazo por serem esvaziadas de contexto na medida que as pressões sociais vão diminuindo ou que os grupos políticos vão se apoderando da agenda e distorcendo-a. Esse é o exemplo de muitas iniciativas populares que juntamente com áreas técnicas encaminham seus projetos para as casas legislativas.
Como liderar bons resultados?
A partir dessa reflexão de cenários, é necessário discutir como deve ser o papel do líder nessa “dança”. Heifetz (2017) coloca no livro “Liderança no Fio da Navalha” a relação entre os diversos atores como uma dança e pista representa o local de interações. Se a pista de dança é o local onde acontecem as interações, subir no “camarote” é a melhor atitude que um bom líder pode ter para conseguir analisar os atores e seus interesses. O líder deve conseguir identificar os interesses dos integrantes dessas três esferas e analisar como se dão e se darão as relações entre eles. Seria então papel da liderança buscar articular para que políticas públicas de governo que foram baseadas em evidências e alcançaram bons resultados tenham continuidade?
O papel da liderança na institucionalização das políticas públicas vai muito além de buscar desenhar uma boa política pública nos seus aspectos técnicos. Esse é apenas o ponto de partida. Ela deve conseguir criar conexão entre as diferentes esferas e conectar interesses, criando diálogos entre os envolvidos. A capacidade de articulação é sim o grande diferencial de uma liderança capaz de criar políticas públicas institucionalizadas e perenes, políticas que sejam para além de governo e se tornem políticas de Estado. A “costura” é uma tarefa extremamente difícil e necessária realizar essa transição no caráter da política pública.
O líder deve entender que transformações assim não acontecem de um dia para o outro, são necessários anos para que a política crie raízes. Esse é o caso da do município de Sobral, no Ceará, como o melhor Ideb do Brasil. O município passou de 4,0 no Ideb de 2005 para 9,1 em 2017. Gollner de Oliveira, et. al., (2018) fizeram uma análise brilhante sobre os aspectos de como a política pública desse município se manteve durante anos e vem sendo cada mais aperfeiçoada. Na análise dos atores, é possível identificar a relação dessas três esferas, desde a inicial vontade política de se criar uma política educacional de Estado, passando por uma capacitação da equipe técnica, até o entendimento, interesses e anseios dos diretores e professores da rede municipal. Além disso, foi imprescindível a clara comunicação dos líderes do projeto com a sociedade civil local.
Como institucionalizar políticas públicas?
É importante que os líderes estejam atentos a cases de sucesso, mas também aprendam com políticas públicas que não foram institucionalizadas e os contextos as quais elas estavam inseridas. Em todas as experiências há conhecimentos que podem ser aproveitados. Sem dúvidas que existem diversas outras interações e fatores que contribuem ou não para a institucionalização de políticas públicas, mas a capacidade de um líder criar articulações e vias de diálogos entre as diferentes esferas será sempre fundamental.
Portanto, é importante que a liderança assuma o seu papel de elo entre as esferas e tenha cuidado para entender o contexto que cada política está inserida. Mais uma vez, destaca-se que esse artigo não discute o único método de institucionalização de políticas públicas e nem esgota o tema. Há muito a se discutir sobre o assunto e sobre as demais formas de alcançar esse resultado. Por fim, deixo uma frase de um dos filmes da Marvel que expressa de forma muito simples como penso ser o papel do líder nesse desafio tratado no texto, “em tempos de crise, os sábios constroem pontes, enquanto os tolos constroem muros”.
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Jonathan Henrique Souza iniciou sua trajetória profissional no setor público em 2010. Em 2019, ingressou na turma 4 do MLG e realizou mestrado em Inovação e Empreendedorismo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualmente, é Diretor de Projetos Especiais na Secretaria de Desenvolvimento Social e gerencia um programa intersetorial de combate à extrema pobreza no estado, o Percursos Gerais.