Educadores brasileiros participaram, no início do ano, de uma caravana para Singapura, organizada pela Fundação Lemann. O objetivo foi promover reflexões sobre o que podemos aprender com o número 1 no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Carla Jucá, a líder MLG (Master em Liderança e Gestão Pública), foi uma das integrantes do grupo de 22 educadores.
Segundo ela, as salas de aula de Singapura são muito parecidas com as do Brasil. “Então por que será que eles estão no primeiro lugar e nós nos últimos?”. Confira a conversa completa.
Como foi a experiência em Singapura?
Foi incrível, não apenas por ter a oportunidade de visitar o país número 1 no Pisa mas, sobretudo, por ver que o que eles fizeram para chegar lá é muito possível de fazermos no Brasil, com os recursos que já investimos em Educação. Antes da viagem, era mais fácil nos apegarmos às diferenças de dimensões (Singapura tem menos da metade da população da cidade de São Paulo) e de regime político (eles vivem em uma ditadura) para nos justificar. Mas, quando conhecemos de perto, esses critérios claramente não se tornam mais suficientes para explicar o tamanho do nosso atraso.
O que mais te chamou atenção?
A clareza que os gestores públicos possuem sobre o papel estratégico da educação para o desenvolvimento econômico do país. A partir disso e da consequente priorização dessa área, todo o sistema da política educacional foi estruturado de forma clara, coerente, interligada e sinérgica, o que eles chamam de “ecossistema da educação”. O processo começou com a independência do país, em 1965, e, desde então, é aprimorado. Mas, pelo que pude perceber, a essência é basicamente a mesma. Não se reinventa tudo do zero o tempo todo. As políticas possuem consistência.
Como isso é feito?
Tudo começa na definição do conjunto de competências e habilidades que o aluno precisa desenvolver em cada etapa de sua formação. Essa definição é baseada em pesquisas, conversas com o mercado de trabalho e com as universidades. A partir dessas competências, as formações dos professores são estruturadas — inicial e continuada —, a infraestrutura da escola é repensada, o material didático é produzido e as avaliações são elaboradas. Parece óbvio, mas não é. No Brasil, por exemplo, quem define as competências é uma instituição, quem faz as avaliações é outra, quem forma os professores são outras e um quarto grupo é responsável pelo material didático, sem diálogo sistêmico e estruturado. Agora, com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), avançamos no primeiro passo.
Como é o acesso ao Ensino Superior em Singapura?
Outra coisa que me chamou atenção foi que, mesmo no país número 1 do Pisa, apenas 30% dos alunos vão para a universidade. A grande maioria, 60%, faz o ensino técnico e 10% vai direto para o mercado de trabalho. Quando perguntei o motivo dessa divisão, a resposta foi: “o mercado não absorve tanta gente da universidade.” Hoje, no Brasil, temos 18% de matrículas nas universidade e 8% no ensino técnico. E os outros 74%? A nova reforma do Ensino Médio, aprovada no ano passado, visa oferecer a essa maioria melhores oportunidades também.
O professor é uma figura importante por lá. Muito diferente daqui?
O professor é considerado um dos mais importantes profissionais do país. Para eles, não existe ecossistema educacional forte se os professores não estão bem preparados, motivados e se sentindo reconhecidos pelo seu trabalho. Para termos uma comparação da diferença de entendimento de valorização desse profissional, lá e aqui temos o Dia do Professor. O que significa o Dia do Professor no Brasil? Feriado. E o que significa em Singapura? O Ministro da Educação vai à rede nacional premiar os professores que realizaram projetos bem interessantes e inovadores ao longo do ano. Além desse reconhecimento social, valorização dos professores também é entendida como salários competitivos e uma estrutura de carreira estimulante e de desenvolvimento constante.
A convivência com os colegas que viajaram junto também foi inspiradora?
Sim, porque cada um olhava por uma perspectiva diferente. Tínhamos professores, diretores, secretários de educação, empreendedores e gestores públicos com experiência em redes municipais, estaduais e federal. Essa troca enriqueceu a experiência e nos fez entender melhor o lugar do outro.
O que acha que daria para replicar por aqui?
Tivemos grandes avanços recentes: aprovamos a BNCC, que define o nosso norte, e a Reforma do Ensino Médio, em que o ensino técnico finalmente ganhou a relevância que merece. Vejo três prioridades de aplicação do que vi em Singapura dado o nosso contexto:
- Formação de professor com foco na prática de sala de aula: a sala de aula precisa ser o centro da formação inicial e continuada. É preciso refletir mais sobre os desafios vividos neste espaço. Teoria é importante, claro, mas sem conseguir traduzir como ela se concretiza na sala de aula, se torna apenas uma discussão e não uma transformação.
- Sistema de ensino técnico qualificado e alinhado com o mercado de trabalho e os diferentes interesses e vocações dos alunos: em Singapura eles se preocupam com o conhecimento prático. Os professores das escolas técnicas precisam retornar ao mercado de trabalho periodicamente, para entender como o mundo real está se transformando e, alinhando esse aprendizado com a teoria, se tornar mais preparado para formar os profissionais do futuro.
- Modernização da carreira docente: assim como para os alunos, é preciso considerar as diversas competências que um professor pode ter e, como sistema educacional, oferecer oportunidades de desenvolvimento nessas diversas competências. Um professor pode ser um excelente profissional em sala de aula, pode se reconhecer como um excelente gestor ou então especialista. Precisamos garantir oportunidade de crescimento profissional e salarial nessas diferentes áreas. A carreira do professor também precisa ser mais dinâmica. Precisamos garantir que excelentes professores fiquem em sala de aula e sejam valorizados por isso.
Ainda estamos longe em muitos aspectos?
Se estamos longe? Quando vejo o Ceará e Pernambuco, 23° e 19° estados em renda per capita, apresentando excelentes resultados educacionais, entendo que a distância pode ser muito menor do que parece.
Como essa experiência tem impactado na sua carreira?
Em diversos sentidos: na clareza das prioridades, na força para continuar, na necessidade de pensar em rede e no fortalecimento da relação com pessoas sensacionais que possuem o mesmo sonho que eu: garantir que toda criança tenha a oportunidade de aprender e seja capaz de aproveitar os seus talentos e seguir seus sonhos. Juntos, pessoas e instituições, somos mais fortes.
Carla Jucá é economista formada na UFRJ e com mestrado na USP. Tem pós-graduação em gestão escolar, pela Fundação Pitágoras, e em Liderança e Gestão Pública (MLG), pelo Centro de Liderança Pública. Atualmente atua como vice diretora de escola da Rede Elite de Ensino.
Outro líder do MLG, André Lopes, também esteve na caravana. Confira a nossa conversa com ele. Confira!