Estariam as prisões obsoletas? A frase que inaugura esse artigo é título de um livro da intelectual e ativista Angela Davis que traz um questionamento importante sobre a condição dos sistemas carcerários da atualidade, mesmo que na obra o enfoque seja no sistema penitenciário estadunidense, vários aspectos se assemelham ao Brasil. Aqui vou propor que o foco seja direcionado à condição dessa obsolescência no caso das mulheres encarceradas no contexto brasileiro. De acordo com o INFOPEN houve um crescimento sobre a taxa de encarceramento entre esse grupo entre 2000 a 2014, um aumento de 567% em 15 anos, algo expressivo e problemático já que as prisões na maioria das vezes não estão preparadas para receber mulheres.
Aqui, já é possível destrinchar o questionamento de Angela Davis sobre a obsolescência das prisões, uma vez que sua existência e forma de punir deveria refletir uma queda no número de prisões, o que na prática não vem acontecendo. É aí que entra a necessidade de políticas públicas preventivas e não punitivistas. Para se ter uma ideia, a taxa de incidência na tipologia dos crimes cometidos pelas mulheres, em sua maioria é em decorrência do tráfico de drogas, o que corresponde a 68%, o crime de roubo registrado pelos homens chega a ser três vezes maior do que o praticado pelas mulheres.
Como vivem as mulheres encarceradas no Brasil?
Pois bem, falar de tudo isso, merece entender a condição da infraestrutura das prisões para as mulheres encarceradas, o que no Brasil reflete claramente a desigualdade de gênero. A maior parte dos estabelecimentos penitenciários é voltado exclusivamente para o público masculino (75%), enquanto (7%) são voltados para o feminino e (17%) são mistos e com um importante detalhe: menos da metade dos estabelecimentos femininos dispõe de cela ou dormitório adequado para gestantes (34%). Percebe aqui a gravidade das condições nas prisões para as mulheres?
Para além da infraestrutura, é preciso levar em conta toda a assistência e situação vivenciada por essas mulheres no sistema prisional. É preciso reconhecer que as mulheres possuem necessidades específicas e muito diferentes dos homens, como a necessidade de produtos de higiene para o período menstrual, por exemplo. Infelizmente nos melhores cenários, cada mulher recebe um pacote contendo oito absorventes para o período menstrual, mas aí percebemos um problema: apenas isso basta? Aqui trago a reflexão sobre a situação das pessoas que fazem parte do grupo LGBTQIAP+, uma vez que o sistema carcerário não possui infraestrutura que leve em conta o recorte interseccional, o tratamento para essas pessoas muitas vezes está envolto em uma série de violação de direitos.
67% das mulheres encarceradas são negras
E agora, volto em um ponto importante, as prisões refletem a desigualdade de gênero e a desigualdade de raça, por isso reforço a necessidade de um olhar atento e específico para políticas públicas voltadas para as mulheres negras. Esse grupo, compõe cerca de 67% da população feminina encarcerada e em maioria são mulheres que já são vem de um contexto de violências domésticas, condição de vulnerabilidade extrema e falta de acesso a direitos básicos e fundamentais, como a educação, em grande parte a escolaridade dessas mulheres está concentrada no ensino básico. Como já dito, focar em políticas punitivistas não deveria ser o foco das ações públicas, uma vez que essas não resolvem um problema do encarceramento em massa e crescente entre mulheres no cenário brasileiro.
Como pensar em políticas públicas neste sentido?
Mas aí vem o dilema, por onde devemos começar? Não pretendo me prender a dar as respostas certas, pois cada realidade e contexto se desenharão para que essas respostas sejam construídas. O que diria, é basicamente que é preciso reconhecer que existe um problema que precisa ser solucionado e que os governantes entendam que as políticas de encarceramento precisam permear os planos de governo no setor público, estar atrelados a políticas de governança, planejamento, segurança pública e desenvolvimento social e econômico visando a inserção dessas mulheres na sociedade, e no mercado de trabalho. Junto a isso, é preciso fazer um adendo importante e reiterar que a maioria dos dados sobre a situação do sistema carcerário no Brasil encontra-se desatualizada, vide a falta de dados do Censo e desatualização dos principais sites de pesquisa.
Com as eleições chegando, é importante estarmos atentos aos desdobramentos e propostas nos planos de governo sobre o sistema carcerário no Brasil, seus desafios e impactos, mais do que isso: movimentar nosso entorno, e representantes para que compreendam a necessidade da construção de políticas públicas voltadas para esse cenário.