O universo da inovação já o adotou como um de seus pilares, o setor privado vem conhecendo cada vez mais sua metodologia e o terceiro setor também gosta de se arriscar neste modelo. Mas quando pensamos no setor público, o Design Thinking faz sentido como forma de construir processos?
Inovação e Setor Público
A resposta é um grandioso sim. Quando debatemos inovação, a administração pública entra na conversa como aquele livro antigo, que muitos acreditam que já passou da validade de ser usado como referência, mas a verdade é que o senso comum de uma gestão pública tal como antiquada não poderia estar mais enganado.
A inovação no setor público surge com a proposta de concretizar os 3 Es: eficiência, eficácia e efetividade, para melhorar a “experiência do cliente”, ou no caso, para maior satisfação da população beneficiária de serviços públicos.
Podcast Coisa Pública: Inovação e desenvolvimento em tempos de coronavírus
Por mais que saibamos da burocracia e da dificuldade em alterar processos tradicionais no estado, sendo este o maior detentor de ofertas de serviço, não existiria lugar melhor para testar propostas inovadoras se não aqui, com a possibilidade de medir resultados em grande escala e trazer o maior impacto, visto o número de possíveis usuários.
Assim, os estudos de inovação no campo das públicas são um ramo da Academia que vem defendendo argumentos e gerando respostas que contribuem para os processos de desenvolvimento, ainda que seja um campo de estudos pouco explorado e com margem para contribuir ainda mais a longo prazo.¹
Lei também: Transformação e Inovação no Setor Público
O caso do Design Thinking
Mas afinal, se o mundo da inovação é tão extenso, em que momento passamos a ver exemplos do Design Thinking na formulação de políticas públicas?
Design Thinking² é uma “metodologia de desenvolvimento de produtos e serviços focados nas necessidades, desejos e limitações dos usuários”.
No processo de policymaking, ele define melhor o problema, permitindo um entendimento mais preciso da experiência dos cidadãos nos serviços públicos, e possibilitando o gestor consiga, efetivamente, aumentar o valor público.³ A inclusão da perspectiva do usuário final no processo de formulação de uma política garante um entendimento da problemática de forma mais analítica, rica, e permite direcionar a atenção para soluções mais detalhadas e, dessa maneira, mais eficazes e efetivas (Chambers 2003; Fung 2006).4
O principal aspecto inovador do Design Thinking no setor público seria ainda a união de formuladores de políticas, departamentos governamentais, beneficiários, e agências de serviços para trabalharem de forma colaborativa e interativa5, dando início a uma habilidade inerente ao serviço público: o trabalho com empatia.
“Através de métodos etnográficos interativos, o Design Thinking traz a promessa de preencher a lacuna comum na administração pública entre os objetivos da formulação de políticas e as experiências dos cidadãos ao interagirem com os serviços do governo” (Mintrom e Luetjens, 2016, p.392)6
Histórico do Design Thinking no processo de policymaking
A principal virada de chave onde se percebeu o potencial do design na gestão pública foi a disparidade da velocidade das mudanças sociais e a incapacidade do estado em acompanhá-las (Mendonça, Letícia Koeppel. 2019, p.44).7
A partir dos anos 2000, houve uma desconexão entre os problemas públicos (wicked problems) e a forma de atuação do estado, sendo a natureza dos problemas advinda da integração de serviços, tecnologia, informação e conectividade, e a administração pública seguiu estruturada sob o modelo de administração de uma sociedade industrial, enrijecida, com o processo de formulação de políticas públicas pautado quase que exclusivamente sob a lei da burocracia. Segundo Bourgon (2011)8, o estado seguia lidando com seus problemas sob a ótica do provedor, sendo os cidadãos vistos de forma limitante tal como atores passivos.
Passou a existir, portanto, uma pressão sobre a efetividade das políticas públicas, dado que estas não atendiam a imprevisibilidade e transversalidade dos problemas, advindos de uma sociedade múltipla que não estava sendo vista pelos equipamentos os quais a atendia.
Assim, se dá início ao “movimento” de experimentação dos governos, a fim de buscar diferentes abordagens, inovar nas práticas e, de fato, resolver os problemas, marcando assim o início da tal era da “inovação no setor público”. A pauta consiste, portanto, em um conjunto de experimentações de novas abordagens para problemas públicos, aplicadas ao processo de construção e implementação de políticas públicas (policymaking), incluindo aqui o foco no Design Thinking.
Foi uma grande tomada de risco para o histórico intransigente da administração pública, mas diríamos que o design permitiu um tiro certeiro em meio à escuridão.
Como vem funcionando no Brasil?
Os laboratórios de inovação, também conhecidos como i-labs, já atuam no Brasil desde 1999, sendo a maioria instituída após a década de 2010.
“Laboratórios de inovação no setor público são ambientes colaborativos que buscam fomentar a criatividade, a experimentação e a inovação, por meio da adoção de metodologias ativas e da cocriação, na resolução de problemas.” (ENAP, 2020)9
Segundo o levantamento do IPEA, “Descobrindo Laboratórios De Inovação No Setor Público”10, a maioria do grupo-alvo dos i-labs brasileiros são departamentos ministeriais e braços de atuação do governo a nível local, de modo que as organizações do setor público ainda concentram suas habilidades de inovação essencialmente em processos administrativos internos.
E acredite, todos nós já fizemos uso de serviços públicos que se originaram pelo processo de design thinking no Brasil. Em São Paulo temos a política pública de nível estadual denominada Poupatempo, que efetivou a ideia de aproximar a administração pública do cidadão, resolvendo de forma rápida o problema de emissão de documentos tais como RG, atestado de antecedentes criminais e outros.
Para conhecer mais sobre o Laboratórios de Inovação no Brasil, confira o estudo da ENAP “Laboratórios De Inovação No Setor Público: Mapeamento E Diagnóstico De Experiências Nacionais”.11
Alguns exemplos de i-labs ao redor do mundo, e seus respectivos trabalhos, você também pode conferir abaixo:
Mindlab – Dinamarca
La 27e Région – França
DesignGov – Austrália
Public Policy Lab – EUA
MaRS Solutions Lab – Canadá
Mexico City’s Laboratorio para la Ciudad, ou LabPLC – México
Helsinki DesignLab (HDL) – Finlândia
¹https://www.scielo.br/j/rap/a/MyVNP8ZmNZvfxwFt4r3VbsM/?lang=pt
²http://www.inovacao.usp.br/o-que-significa-design-thinking/
4 Chambers, Simone. 2003. ‘Deliberative Democratic Theory’. Annual Review of Political Science 6(1):307–326 | Fung, Archon. 2006. ‘Varieties of Participation in Complex Governance’. Public Administration Review 66(s1):66–75.
6
7 http://www.mestradoprofissional.gov.br/sites/images/mestrado/turma3/leticia-koeppel-mendonca.pdf
8 BOURGON, J. A New Synthesis of Public Administration. Serving in the 21st Century, Quebec: McGill-Queen’s University Press, 2011.