Foto: CLP / Luiz Felipe d'Avila
Época Negócios – O cenário da crise traz características diferentes para um gestor público?
Luiz Felipe d'Avila – A crise é sempre uma oportunidade para fazer mudanças, não só na gestão, mas principalmente no comportamento e cultura. Parte da crise demanda soluções técnicas – mudar processos, buscar resultados, ter metas –, mas isso não é suficiente para resolver os problemas. É preciso uma mudança de atitude, de comportamento e de mentalidade. A crise é uma oportunidade para juntar essas duas coisas. Quais são as mudanças de cultura, de comportamento, de mentalidade que nós precisamos fazer para melhorar e fortalecer as instituições, e quais são as decisões técnicas que precisamos para aprimorar os processos? A crise traz os problemas estruturais à tona. Acho que isso é importante da crise. Você pode reagir de uma forma imatura ou madura. A imatura é ignorar o problema ou fazer um diagnóstico superficial de qual é o problema, e isso acaba postergando as reais soluções. A madura é mergulhar na questão e entender quais são os reais problemas. O problema da corrupção não é apenas quantos bilhões de reais nós perdemos ao ano, tem o aspecto das relações pessoais. Muitas coisas acontecem no Estado brasileiro por causa do clientelismo, nepotismo – relações antigas. Essas relações fomentam negócios, tem os laços de confiança. Não é uma lei que vai resolver isso. Não é aprovar as dez medidas contra a corrupção que vai resolver o problema da corrupção. É preciso aprovar leis, mas também precisamos de formas para mudar o comportamento ou criar novos incentivos para desencorajar comportamentos passados. Do contrário, a questão não se resolve.
Época Negócios – Você acha que falta uma discussão efetiva sobre a corrupção, que não fique apenas na busca pelos culpados?
Luiz Felipe d'Avila – Eu acho que estamos mais preocupados em encontrar os culpados do que resolver os reais problemas estruturais. Enquanto você está na fase de encontrar culpados, você está fugindo dos reais problemas. É uma analogia de sintoma e causa: quando alguém está com febre, ela não é o problema, apenas indica que a pessoa está doente. Os escândalos de corrupção são apenas um sintoma de que há alguma coisa muito ruim acontecendo. Para resolver esse sintoma, você precisa entender as causas profundas. Há medidas importantes que devem ser tomadas, leis que devem ser melhoradas, mas temos de considerar a questão de mudança de comportamento e cultura, a relação entre os partidos com poder econômico, que nós não estamos apontando. Não é só colocar dezenas de pessoas do setor privado na cadeia que vai resolver o problema da corrupção. Isso vai criar uma desilusão futura se nós não enfrentarmos os reais problemas.
Época Negócios – O setor público é muito associado à ineficiência, gastos excessivos e dinheiro que não chega ao destino. Por que isso acontece?
Luiz Felipe d'Avila – Primeiro, é o diagnóstico errado: sempre acham que o problema é a falta de dinheiro, então quanto mais dinheiro se arrecadar, melhor. O Brasil gasta com educação, por exemplo, mais que a média dos países da OCDE, mas o gasto por aluno cai pela metade em relação aos outros países. Estamos em penúltimo lugar no PISA, que é um exame internacional que mensura o desempenho de jovens saídos do ensino médio. Mais: 48% dos jovens abandonam as escolas. Isso é um desastre para um país em uma era em que a produção de conhecimento representa 2/3 do PIB nos países desenvolvidos. Aumentar o orçamento de 5,6% para 10% do PIB não vai resolver nada e não vai melhorar absolutamente nada, porque esse não é o real problema. A questão é que o aluno não está no centro da política educacional, nem o professor ou o diretor. Então, quanto mais dinheiro você coloca no sistema, essas artérias vão solver o dinheiro antes de chegar ao aluno. É preciso mudar a política pública, colocar o aluno no centro e descobrir o que tem de ser feito para que ele aprenda. O aluno não aprende porque o professor não sabe dar aula com as competências para atrair a atenção e a curiosidade do jovem no mundo de hoje. Tem que mudar todo o sistema, que começa pela formação de professor, revisão de currículo, formação do diretor da escola. Acho que há coisas muito mais sérias a serem resolvidas, do que discutir a questão do dinheiro. Toda vez que trazemos a questão do dinheiro, eu digo que é o "falso problema". Esse não é o principal problema de educação do Brasil.
Época Negócios – Então esse dinheiro se perde na falta de planejamento?
Luiz Felipe d'Avila – Sim. Falta foco na política pública e falta gestão e mensuração. Se as coisas não estão dando certo, você não tem ações corretivas para aplicar porque não há dados, e para isso é necessário enfrentar o corporativismo para fazer mudanças. Isso tem um custo político enorme, que poucos têm coragem de enfrentar. Também falta diagnóstico dos problemas.
Época Negócios – E você acha que as reformas do governo Temer estão levando isso em conta?
Luiz Felipe d'Avila – Acho que as reformas do governo federal estão começando pelo caminho certo, com a PEC do Teto. Na hora que se estabelece um teto, você obriga os governos estaduais a entender o custo-benefício das políticas públicas. Por exemplo: se a previdência continuar do jeito que está, significa que todo dinheiro arrecadado pelo Estado vai pagar gastos correntes do governo, folha e aposentadoria. Isso significa que não haverá recursos para saúde, educação, transporte, para nada. Para ter dinheiro para essas coisas, é preciso algum tipo de reforma para que "sobre" dinheiro. A PEC do teto dos gastos é muito importante porque vai trazer uma discussão racional de custo-benefício, os trade-offs. Isso é fundamental para se começar a fazer um diagnóstico mais preciso dos reais problemas. A PEC do Teto e da Previdência são necessárias porque do jeito que está, os recursos arrecadados serão consumidos para pagar benefício em 20 e 30 anos. Mas a política de austeridade não é um fim, mas um meio. Um meio para termos amanhã uma melhor saúde pública, transporte, infraestrutura.
Época Negócios – Essas reformas também estão colocando em discussão o quanto o Estado deve intervir?
Luiz Felipe d'Avila – Essa discussão é difícil, porque, por exemplo, o governador de Espírito Santo, Paulo Hartung, teve coragem de levantar a questão que os estados devem colocar na conta o custo dos benefícios e dos terceirizados da Previdência. Esses gastos não estão na conta, porque senão a Lei de Responsabilidade fiscal será sempre violada. Se você tem um orçamento e tira uma parcela importante dessa conta, que é o custo dos benefícios dos aposentados e terceirizados, é uma falsa solução, porque esse buraco vai continuar aberto. Mas a importância de trazer esses custos para o debate é que todos os governos estarão acima do teto da lei de Responsabilidade Fiscal, e isso é uma ameaça ao poder. É melhor ter a real discussão e descobrir certa flexibilização, dar um tempo para essa turma dos estados para que possa se adequar ao novo parâmetro. Todas as medidas importantes, tanto na reforma previdenciária quanto na renegociação das dívidas dos estados, terão de trazer soluções graduais antes de serem implantadas. Não é uma coisa do dia para a noite, o sistema precisa se adaptar. Os maiores êxitos que o Brasil teve em reformas políticas no passado foram mudanças graduais, como o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal – que deu 4 a 5 anos para os Estados começarem a se adaptar à nova realidade, antes de darem início às punições. São coisas que exigem tempo, precisamos preparar o país para isso.
Época Negócios – Isso vai chegar a níveis municipais?
Luiz Felipe d'Avila – Sim, e mais rápido ainda. O prefeito é o que mais sofre nesse sentido, porque ele tem que resolver os problemas na cidade. Hoje, os prefeitos e governadores querem realmente resolver esse problema, porque a falta de recursos recai sobre eles, já que muito do orçamento está comprometido com máquinas e benefícios. A população não tem ideia de quem é a responsabilidade na esfera de poder, só quer saber do ônibus que não funciona, da rua que não está asfaltada e por que falta iluminação na rua.
Época Negócios – Você acha que as grandes discussões sobre as reformas acontecem também pela nossa dificuldade de pensar no longo prazo?
Luiz Felipe d'Avila – Com certeza. Nós temos esse vício do curto prazo, pensando só na próxima eleição, no próximo movimento. As mudanças envolvem um sacrifício momentâneo por um ganho maior no futuro. Hoje nos falta a habilidade de envolver a população na discussão e explicar os problemas. Muito dos medos que políticos têm de perder voto é porque eles não conseguem ter uma narrativa convincente dos problemas para mostrar às pessoas. Eu tenho certeza que as pessoas seriam muito compreensivas se entendessem qual o problema, como ele afeta nossa vida e também envolvê-las na busca da solução, porque hoje ninguém sabe qual é a solução. A busca de solução envolve uma memória, ajuste, é uma busca coletiva. O setor privado, o público e o terceiro setor, todos precisam estar envolvidos na busca de soluções criativas que ajudem a ampliar a eficiência da máquina estatal.
Época Negócios – Você acha, então, que falta diálogo…
Luiz Felipe d'Avila – Falta mais humildade de todas as partes para um ajudar o outro. Se você tem muito preconceito, ‘não quero ajudar político porque é ladrão’ ou o político acha que o setor privado não entende nada e o ‘terceiro setor é só um fiscalizador que reclama das coisas’, aí o negócio não anda. É preciso descobrir os interesses comuns e como resolver essa parceria de setor público, privado e terceiro setor. O ativismo cidadão também é muito importante para ajudar a resolver problemas e hoje a tecnologia está intermediando a relação do Estado com a sociedade. Muitas soluções importantes passam por essa vontade de desintermediar relações do que soluções burocráticas para resolver problemas dentro do Estado.
Época Negócios – O quão transparente os gestores públicos devem ser com a sociedade nesse momento de crise?
Luiz Felipe d'Avila – Em momentos de crise, quanto mais transparentes nós formos, melhor. Você mostra qual o real problema e sua gravidade para criar um senso de urgência, que é fundamental para termos foco em resolver os problemas na crise. Em tempos de crise, a falsa liderança minimiza o problema. As pessoas só topam fazer mudanças quando têm um grau de insatisfação enorme, porque nós somos criaturas viciadas em conforto. Sempre tentamos voltar para o estado de conforto o mais rápido possível e retomar os velhos hábitos. Você só sai desse estado quando algo se apresenta como uma real ameaça. Explicar a gravidade do problema e envolver as pessoas na busca para a solução são características importantes de maturidade. Nós, como sociedade, precisamos dessa inteligência coletiva para descobrir como destravar esses problemas. Se fosse uma solução técnica, nós já teríamos implementado e estaria tudo resolvido. Não é o caso. Precisamos da mudança de comportamento, testar novas soluções que poderão fracassar, mas isso faz parte do jogo. Essa geração que vem com o senso de urgência trazida pela crise é muito importante para criar essa parceria do setor público, privado e terceiro setor.
Época Negócios – As empresas com características mais empreendedoras têm espaço no setor público?
Luiz Felipe d'Avila – Sim, acabamos de fazer no CLP um desafio no Brasil Lab que era exatamente isso. Eram jovens criando soluções tecnológicas para resolver problemas na área pública e as três soluções vencedoras serão implantadas. Nunca a tecnologia, o setor privado e empreendedorismo privado foram tão importantes para ajudar. Aliás, a melhor forma de resolver o problema público é que você, como cidadão que usa o serviço público e sabe exatamente o que funciona e o que não funciona, junte-se a outros cidadãos para criar aplicativos e meios de resolver isso. Por exemplo, um problema que temos na educação é professor que não aparece em sala de aula, então por que não criar um aplicativo em que o estudante torna-se o bedel do professor e manda informação para a secretaria através do aplicativo? Se fossemos resolver esse problema pelo método tradicional de contratar fiscais, iria custar uma fortuna para o Estado e essa outra opção não custaria absolutamente nada, porque é uma solução colaborativa do usuário com o Estado. Existem várias soluções como essa, de baixíssimo custo, desde que consigamos envolver a população na busca de informação e de solução.
Época Negócios – Então a ideia que o sistema público é muito rígido e burocrático hoje não faz mais sentido?
Luiz Felipe d'Avila – Ele é tudo isso, mas está desesperadamente buscando uma solução para não se estatelar. Ainda mais agora com as novas projeções do PIB para 2017, que no começo deste ano a previsão era de 1,6% e agora já está em 0,5%, imagina isso na arrecadação de estados e municípios. Essa turma está mais aberta do que nunca para soluções, porque eles só veem a arrecadação despencar sem cair o custo.