O aumento recente do preço dos alimentos no Brasil

Introdução

Nos últimos meses, o Brasil tem passado por um rápido aumento dos preços dos alimentos, que já supera a inflação geral. Os dados apontam que a variação interanual do setor de Alimentos e Bebidas atinge 6,1% no segundo semestre de 2024, enquanto a cesta básica de São Paulo acumula um crescimento ainda maior, de 8,1% nesse mesmo período. Esse cenário de alta tem mobilizado grande parte das figuras políticas do país, tanto dentro quanto fora do governo, a propor soluções para o problema.

Fonte: Elaboração própria com dados do Banco Central do Brasil
Fonte: Elaboração própria com dados do Banco Central do Brasil

O debate gira em torno de como enfrentar a volatilidade dos preços sem desestimular a oferta de alimentos e sem gerar pressão adicional sobre as contas públicas. Algumas figuras políticas defendem controlar diretamente os preços – por exemplo, por meio de tabelamentos ou subsídios universais. Por outro lado, outros especialistas sugerem ações de natureza mais estrutural, visando ampliar a oferta e reduzir gargalos na cadeia de produção e distribuição. Sob essa perspectiva, torna-se fundamental investir em logística, infraestrutura e programas de apoio ao produtor rural, sobretudo os de menor porte, de modo a mitigar impactos futuros de choques climáticos ou de oscilações internacionais de commodities. Em paralelo, há recomendações para fortalecer os instrumentos de proteção social por meio de transferências de renda, direcionadas especificamente aos grupos mais vulneráveis.

Por fim, há um consenso crescente de que nenhum modelo isolado é suficiente para lidar com o problema de alta e volatilidade nos preços dos alimentos. É preciso combinar políticas que assegurem a sinalização de mercado (permitindo que os preços reflitam a escassez ou abundância relativa dos produtos) com medidas de apoio aos mais pobres, sem ignorar a necessidade de reformas de médio e longo prazos que promovam maior competitividade e resiliência em todo o setor de alimentos.

Políticas adotadas no mundo

A experiência internacional (Amaglobeli e coautores, 2023) mostra que as políticas de controle de preços, especialmente sobre bens essenciais como alimentos e combustíveis, variam bastante entre países em desenvolvimento e economias avançadas. Em nações de renda mais baixa, onde a maior parte da população dedica uma parcela substancial de sua renda à alimentação, os governos costumam recorrer com maior frequência a subsídios generalizados, congelamento de preços ou redução de impostos de importação para evitar aumentos bruscos no custo de vida. Já em países mais ricos, os controles de preços são adotados de forma pontual e, em geral, menos intensiva: estima-se que menos de 20% das economias avançadas usem controles diretos sobre alimentos e bebidas.

As evidências sugerem que, embora os controles possam oferecer alívio imediato aos consumidores, eles tendem a criar distorções de médio e longo prazos na economia. Por exemplo, quando um governo impõe teto no valor final de um produto, o retorno esperado para produtores e distribuidores diminui, o que pode desestimular investimentos no setor agrícola. Em alguns casos, abre-se também espaço para mercados paralelos e escassez artificial de determinados itens, prejudicando sobretudo os pequenos produtores ou comerciantes que não conseguem arcar com margens tão reduzidas.

Nos países em desenvolvimento, outra consequência recorrente é o surgimento de regimes de subsídio prolongados, que muitas vezes se tornam politicamente difíceis de reverter. Essa transição de um controle de preços pontual para um subsídio estrutural pode acarretar custos fiscais elevados, comprometendo a capacidade de o governo investir em outras áreas, como saúde, educação ou infraestrutura. Além disso, essas políticas generalizadas nem sempre atingem de forma efetiva as camadas mais carentes da população, pois acabam beneficiando também grupos de renda média e alta.

Já em nações avançadas, onde a proporção de gastos com alimentação é menor e as redes de proteção social são mais robustas, as discussões sobre controlar preços de forma ampla normalmente encontram maior resistência entre formuladores de políticas. Em vez disso, muitas vezes opta-se por conceder apoio direcionado, por meio de transferências de renda ou subsídios temporários focalizados em grupos específicos. Essas estratégias permitem que os preços de mercado reflitam as condições reais de oferta e demanda, mantendo incentivos para o aumento da produção e a eficiência no setor de alimentos.

Em termos de eficácia, há consenso na literatura de que políticas voltadas para a proteção de renda de grupos vulneráveis – tais como transferências monetárias ou cupons alimentares – alcançam resultados mais sustentáveis do que controles de preços indiscriminados. Embora estes últimos possam atenuar rapidamente a inflação dos alimentos, eles costumam trazer custos sociais e econômicos não negligenciáveis no médio prazo, afetando a produtividade, a alocação de recursos e o equilíbrio fiscal. Nesse sentido, a maior parte das evidências empíricas indica que a melhor abordagem para lidar com a volatilidade e com aumentos rápidos de preços, sobretudo em países em desenvolvimento, é combinar a preservação de sinais de mercado com políticas focalizadas para proteger os mais pobres e reduzir os efeitos adversos no bem-estar social.

O caso brasileiro

O aumento recente dos preços dos alimentos no Brasil exige uma análise cuidadosa para determinar se é um fenômeno de origem global ou se é impulsionado por fatores domésticos. Um dos principais indicadores para essa avaliação é o índice de preços das commodities agrícolas, divulgado pelo Banco Central em reais e dólares. Esse índice reflete o comportamento de produtos que o Brasil transaciona no mercado internacional e pode revelar se as pressões inflacionárias são globais ou locais.

Fonte: Elaboração própria com dados do Banco Central do Brasil

Como se vê, entre 2022 e 2023, os preços das commodities agrícolas permaneceram estáveis, com uma leve tendência de queda em reais, enquanto em dólares os preços mantiveram-se praticamente constantes a partir do segundo semestre. Esse cenário sugere que, durante esse período, o Brasil não enfrentava pressões significativas relacionadas aos preços globais de alimentos. Assim, fatores externos, como variações cambiais e flutuações nos mercados internacionais, tiveram impacto limitado nos preços domésticos.

No entanto, a partir de 2024, o índice de preços em reais começou a subir de forma expressiva, enquanto em dólares manteve-se constante até a metade do ano. Somente no segundo semestre daquele ano o índice em dólares começou a registrar aumentos, mas em uma magnitude menor do que a observada em reais. Essa discrepância indica que os fatores internos desempenharam um papel muito mais relevante no aumento dos preços domésticos de alimentos, dado que o comportamento dos preços globais não justifica a aceleração vista no mercado brasileiro. O fato de o índice de preços em reais ter ultrapassado significativamente o índice em dólares nos últimos meses reforça ainda mais tal hipótese.

Ainda mais, o Brasil, sendo um importante exportador de commodities, historicamente se beneficia de altas nos preços internacionais desses produtos devido ao aumento na entrada de dólares pela balança de pagamentos. O gráfico abaixo revela que até 2019, havia uma relação clara entre os preços internacionais das commodities e a taxa de câmbio: quando os preços das commodities subiam, a taxa de câmbio caía (valorização do real), e vice-versa. Essa dinâmica refletia o impacto positivo das exportações no fluxo cambial, aumentando a oferta de dólares no mercado doméstico.

Fonte: Elaboração própria com dados do Banco Central do Brasil

No entanto, essa relação começou a se enfraquecer a partir da pandemia de Covid-19 em 2020. Durante esse período, os preços internacionais das commodities experimentaram uma alta significativa, mas, paradoxalmente, a taxa de câmbio no Brasil subiu (desvalorização do real). Esse comportamento foi influenciado por fatores como incertezas econômicas, aumento do risco percebido pelos investidores, e tensões fiscais internas, que contrabalançaram o efeito esperado de valorização cambial em resposta ao aumento nos preços das commodities.

Desde 2022, a relação tradicional entre preços de commodities e taxa de câmbio parece ter se invertido. Observa-se que, em vez de a taxa de câmbio cair com a alta dos preços das commodities, ela tem seguido tendências semelhantes, o que contradiz as expectativas históricas. Esse comportamento também indica que fatores domésticos, como questões fiscais, instabilidade política e políticas monetárias, têm desempenhado um papel mais determinante na trajetória do câmbio, enfraquecendo o impacto positivo tradicional das commodities no mercado cambial brasileiro.

O gráfico abaixo revela que, de fato, as desvalorizações cambiais no Brasil são influenciadas não apenas por fatores externos, mas também por questões internas, especialmente a situação fiscal do país. Há uma clara relação negativa entre o resultado primário do governo e a desvalorização do real: em períodos em que o resultado fiscal é positivo (superávit primário), observa-se uma tendência de valorização cambial. Por outro lado, déficits fiscais geralmente estão associados a desvalorizações da moeda, indicando que as condições fiscais impactam diretamente a confiança dos investidores e a oferta de dólares no mercado interno.

Fonte: Elaboração própria com dados do Banco Central do Brasil

Essa relação sugere que a sustentabilidade fiscal desempenha um papel crucial na estabilidade da taxa de câmbio. Quando o governo apresenta um desempenho fiscal saudável, reduz-se o risco de insolvência e a necessidade de financiamento externo, fatores que contribuem para uma valorização do real. Por outro lado, déficits persistentes ampliam a percepção de risco, resultando em menor entrada de capitais e maior pressão cambial. Essa dinâmica significa que a gestão das contas públicas tem um impacto significativo sobre os preços internos, principalmente os alimentos.

Portanto, a questão dos preços dos alimentos no Brasil não pode ser dissociada da política fiscal. A desvalorização do real tende a encarecer produtos importados, incluindo insumos agrícolas, além de aumentar os preços de alimentos cuja formação de preço está atrelada ao mercado internacional. Controlar os gastos públicos e buscar equilíbrio fiscal, além de contribuir para a estabilização da taxa de câmbio, é essencial para mitigar pressões inflacionárias sobre os alimentos e garantir a segurança alimentar da população.

O que fazer?

1. Controle Direto de Preços

O controle direto de preços, como o estabelecimento de tetos para os preços dos alimentos, é uma medida frequentemente adotada para conter aumentos rápidos e proteger consumidores no curto prazo. No entanto, evidências sugerem que essas políticas são geralmente ineficazes a longo prazo, pois geram distorções de mercado. Ao limitar os preços que os produtores podem cobrar, o controle pode desestimular a produção e o investimento, resultando em escassez e mercados paralelos. Além disso, tal política não distingue entre consumidores que necessitam de apoio e aqueles que não, tornando-a pouco eficiente em termos de alocação de recursos.

Exemplos de países que implementaram controles de preços, como a Argentina. Aparicio e Cavallo (2021) analisaram os controles de preços direcionados em supermercados no país e constataram que esses controles têm efeitos pequenos e temporários sobre a inflação, que se reverte após sua suspensão. Embora os produtos controlados estivessem disponíveis, as empresas reagiram criando variedades a preços mais altos para compensar margens reduzidas. Apesar de tecnologias recentes facilitarem a fiscalização, os controles não são eficazes para conter a inflação agregada, gerando impactos curtos e limitados, além de aumentar a dispersão de preços e confundir os consumidores.

2. Subsídios Tributários

A redução de impostos sobre alimentos, como a eliminação de tarifas de importação ou do imposto sobre valor agregado (IVA), pode aliviar os custos para os consumidores, especialmente em momentos de alta nos preços internacionais. Essas políticas, embora populares e de implementação rápida, possuem um custo fiscal elevado e, muitas vezes, beneficiam grupos que não estão em situação de vulnerabilidade. Além disso, a redução tributária não resolve os problemas estruturais do mercado de alimentos, como gargalos logísticos ou baixa produtividade agrícola. Apesar disso, subsídios tributários podem ser eficazes como medidas temporárias, desde que sejam acompanhados por mecanismos de saída claros e políticas de proteção social direcionadas aos mais pobres.

3. Controle de Estoque

O gerenciamento estratégico de estoques públicos de alimentos é uma política amplamente defendida para lidar com a volatilidade dos preços. Governos podem acumular estoques durante períodos de abundância e liberá-los durante crises para suavizar flutuações. No entanto, experiências passadas mostram que a eficácia dessa medida depende da capacidade institucional de gerenciar estoques de forma transparente e eficiente. Uma má gestão pode resultar em desperdícios ou liberação inadequada, exacerbando a volatilidade em vez de mitigá-la. Países como a Índia possuem sistemas robustos de distribuição pública de alimentos, mas enfrentam desafios significativos relacionados a custos e corrupção. Para evitar esses problemas, é fundamental que o gerenciamento de estoques seja guiado por regras claras e por instituições independentes.

4. Transferências de Renda

Transferências diretas de renda para os grupos mais vulneráveis são amplamente consideradas uma das políticas mais eficazes para lidar com aumentos de preços de alimentos. Ao contrário de controles de preços ou subsídios universais, transferências permitem que os preços de mercado reflitam as condições reais de oferta e demanda, enquanto protegem o poder de compra dos mais pobres. Essa abordagem é mais eficiente e menos distorciva, especialmente em países com sistemas de proteção social bem desenvolvidos.

No caso brasileiro, aumentos do Bolsa Família, especialmente relativos aos benefícios variáveis (destinados a famílias com crianças ou renda extremamente baixa), pode ser uma boa ferramenta para casos de aumento significativo do preço dos alimentos. No entanto, essa política deve ser usada de modo a não maiores complicações fiscais para o Governo Federal, preferencialmente com contrapartidas em outras áreas, como supersalários do setor público.

5. Políticas Comerciais

Políticas comerciais, como redução de tarifas de importação ou proibição de exportações, são frequentemente usadas para estabilizar preços domésticos. Enquanto a redução de tarifas pode aliviar os custos para consumidores em mercados abertos, a proibição de exportações tende a ter efeitos negativos no longo prazo, desestimulando a produção e criando tensões internacionais. Estudos mostram que exportadores de grande peso no mercado global, ao restringirem exportações, elevam os preços internacionais e prejudicam países importadores mais pobres. Para evitar esses impactos adversos, políticas comerciais devem ser calibradas com cuidado, buscando promover a integração ao mercado global enquanto oferecem suporte temporário aos consumidores mais afetados. A coordenação internacional, especialmente em crises globais de alimentos, também pode ajudar a mitigar os efeitos negativos de políticas comerciais unilaterais.

Ponto adicional: O Apelo Político das Políticas Comerciais e Suas Consequências

O apelo político das políticas comerciais, particularmente em momentos de alta nos preços dos alimentos, pode ser explicado pelo desejo de governos de proteger populações vulneráveis contrachoques de preços globais. Como apontado por Laborde e coautores (2019), os países frequentemente implementam restrições às exportações ou reduzem tarifas de importação para minimizar o impacto dos picos de preços nos mercados internos. Essas ações são politicamente atraentes, pois oferecem proteção imediata para consumidores ou produtores domésticos, reduzindo a pressão sobre governos em tempos de crise alimentar. No entanto, essas políticas podem gerar um efeito multiplicador global, exacerbando a volatilidade dos preços internacionais e prejudicando significativamente a segurança alimentar em países mais pobres.

De acordo com Giordani e coautores (2016), intervenções comerciais frequentemente resultam em um aumento nos preços globais dos alimentos. Quando grandes exportadores restringem suas vendas para garantir preços domésticos mais baixos, a oferta global diminui, levando a picos de preços no mercado internacional. Importadores, por sua vez, muitas vezes subsidiam compras para reduzir os custos internos, aumentando ainda mais a demanda global. Esse ciclo amplifica os choques iniciais de preços, criando um ambiente de insegurança alimentar que atinge de forma desproporcional os países em desenvolvimento e as populações mais vulneráveis.

Enquanto as restrições comerciais visam proteger os mercados internos, elas frequentemente resultam em uma redistribuição de insegurança alimentar, transferindo o ônus para populações em países importadores, especialmente aqueles com baixa capacidade de adaptação. A evidência dos impactos negativos das políticas comerciais é particularmente evidente nos choques alimentares de 2007-08 e 2010-11. Durante esses períodos, intervenções governamentais contribuíram significativamente para o aumento dos preços globais de alimentos básicos, como trigo e milho, agravando a pobreza global. Estudos indicam que essas políticas não apenas amplificaram a volatilidade dos preços, mas também aumentaram o número de pessoas em extrema pobreza, colocando em xeque a eficácia dessas abordagens como resposta de longo prazo para crises alimentares.

O Brasil, vale notar, lançou a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza na cúpula do G20 de 2024. Essa iniciativa, que conta com a adesão de 82 países, contrasta fortemente com políticas comerciais protecionistas que têm efeitos adversos globais.

Em suma, embora as políticas comerciais ofereçam soluções rápidas e politicamente atraentes para os aumentos de preços domésticos, sua eficácia é limitada e muitas vezes contraproducente no cenário global. Para países como o Brasil, que buscam liderar esforços globais contra a fome, é crucial equilibrar a proteção doméstica com a responsabilidade global, promovendo soluções colaborativas que beneficiem a segurança alimentar em escala mundial.

Referências Bibliográficas

Amaglobeli, David, Mengfei Gu, Emine Hanedar, Mr Gee Hee Hong, and Céline Thévenot. Policy responses to high energy and food prices. International Monetary Fund, 2023.

Aparicio, Diego, and Alberto Cavallo. “Targeted price controls on supermarket products.” Review of Economics and Statistics 103, no. 1 (2021): 60-71.

Giordani, Paolo E., Nadia Rocha, and Michele Ruta. “Food prices and the multiplier effect of trade policy.” Journal of International economics 101 (2016): 102-122.

Guenette, Justin Damien. “Price controls: Good intentions, bad outcomes.” World Bank Policy Research Working Paper 9212 (2020).

Laborde, David, Csilla Lakatos, and Will J. Martin. “Poverty impact of food price shocks and policies.” World Bank Policy Research Working Paper 8724 (2019).

Por Daniel Duque, gerente da Inteligência Técnica do CLP

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