O pacote de corte de gastos do governo

Avaliação das medidas do Governo

Os dilemas fiscais e tributários do Brasil atualmente representam um desafio complexo para a sustentabilidade econômica do país. Com um resultado primário do setor público em torno de -0,6% do PIB, aproximadamente R$ 60 bilhões seriam necessários apenas para pelo menos zerar o déficit. No entanto, devido à taxa de juros real da dívida ser superior ao crescimento econômico, é preciso ir além desse montante para estabilizar a dívida pública, estimando-se a necessidade de pelo menos R$ 100 bilhões em economia no curto prazo.

Sistema Tributário e Arrecadação

A reforma tributária em curso propõe a unificação dos impostos sobre consumo em uma alíquota única. Embora a simplificação do sistema tributário seja bem-vinda, a alíquota-base estimada em 28% é a mais alta em comparação com os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Isso se deve à elevada carga tributária sobre o consumo no Brasil e à existência de múltiplas alíquotas diferenciadas. Essa alta alíquota pode impactar negativamente o consumo e a competitividade do país, exigindo um debate aprofundado sobre alternativas que possam equilibrar a carga tributária sem prejudicar a atividade econômica.

O Brasil arrecada relativamente pouco com o Imposto de Renda, tanto pela alíquota máxima ser considerada baixa, em 27,5%, quanto pela base de contribuintes ser restrita. Em muitos países, mais de 30% da população adulta paga Imposto de Renda, enquanto no Brasil esse percentual é significativamente menor. Além disso, grande parte dos países aplicam uma alíquota efetiva máxima de pelo menos 15%, indicando que há espaço para ampliar a progressividade do sistema tributário brasileiro e aumentar a arrecadação sem necessariamente onerar excessivamente os contribuintes.

Medidas Governamentais Recentes

Diante desse cenário desafiador, o Governo Federal enviou ao Congresso um conjunto de medidas com previsão de economia de R$ 30 bilhões em 2025, aumentando para mais de R$ 70 bilhões em 2030. As medidas incluem restrições na previdência militar, ajustes no abono salarial, controle no crescimento do salário mínimo e medidas de controle do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e do Bolsa Família. Além disso, prevê restrições em emendas parlamentares e redução de subsídios, bem como realocação orçamentária de fundos como o Fundeb.

Paralelamente, o Governo anunciou o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda de cerca de R$ 2,6 mil para até R$ 5 mil. Para evitar perda de arrecadação, se propôs a fixação de uma alíquota efetiva mínima para os contribuintes de renda mais alta e a revisão das isenções de Imposto de Renda para faixas mais elevadas de renda dos aposentados por moléstia grave ou acidente. Embora essa medida vise aumentar a progressividade, ela pode ser contraproducente ao reduzir ainda mais a já pequena base tributária do Imposto de Renda.

Em um cenário fiscal delicado, a ampliação da isenção do Imposto de Renda pode agravar o desequilíbrio das contas públicas, uma vez que reduz a arrecadação em um segmento já pouco explorado tributariamente. Alternativas para aumentar a progressividade sem diminuir a base de contribuintes poderiam incluir a revisão das alíquotas superiores e a redução das deduções que beneficiam as camadas de renda mais alta.

Para evitar aumentar a carga tributária total, uma opção seria compensar parcialmente essas medidas com a redução da alíquota-base dos impostos sobre consumo. Essa ação poderia ter um efeito progressivo, beneficiando especialmente as camadas de renda mais baixa e estimulando o consumo.

Análise das Medidas e Propostas Adicionais

As medidas de economia de gastos e redução de subsídios do Governo são passos na direção correta, mas podem ser consideradas insuficientes diante do desafio fiscal. Apenas o gasto com a previdência social está projetado para aumentar em cerca de R$ 80 bilhões, superando as economias previstas pelas medidas propostas.

Projeções demográficas recentes revelam que o envelhecimento acelerado da população brasileira pressionará ainda mais os gastos previdenciários e assistenciais. Entre as ações que poderiam contribuir para reduzir esses gastos de forma efetiva, destaca-se a necessidade de uma segunda reforma da previdência, focando em conter os gastos com o BPC e a aposentadoria rural. A implementação de um gatilho que ajuste a idade mínima de aposentadoria com base no aumento da expectativa de vida também seria essencial para garantir a sustentabilidade do sistema previdenciário a longo prazo.

No que diz respeito à previdência dos militares, embora algumas alterações tenham sido introduzidas, como o aumento progressivo da idade mínima para a transferência à reserva remunerada e mudanças nas regras de pensão, essas medidas ainda são tímidas frente à gravidade do déficit. A previdência militar, que consome R$ 59 bilhões anuais ou 0,5% do PIB, permanece sem uma base contributiva sólida e com regras que incentivam a aposentadoria precoce. Reformas mais profundas, como o alinhamento da idade mínima aos padrões internacionais (60 anos) e o fim da integralidade dos benefícios, seriam essenciais para um impacto fiscal mais significativo​. Essas ações contribuiriam para reduzir o déficit previdenciário e promover maior equidade entre os diferentes regimes de aposentadoria.

Conclusão

Por fim, a gestão da dívida pública exige mais do que as medidas de curto prazo anunciadas. O alto nível de endividamento do Brasil, com a dívida bruta em torno de 78% do PIB, é um impeditivo para uma política fiscal sustentável. Estratégias complementares, como a privatização de ativos não estratégicos e uma reavaliação da estrutura de subsídios, podem liberar espaço fiscal significativo. No entanto, essas iniciativas demandam coordenação interministerial e diálogo com o setor privado para garantir sua implementação eficaz e minimizar impactos sociais adversos​.

Em suma, os dilemas fiscais e tributários do Brasil exigem soluções abrangentes que equilibrem a necessidade de ajuste fiscal com a promoção da justiça social e o estímulo ao crescimento econômico. Reformas estruturais profundas, tanto no sistema tributário quanto previdenciário, são essenciais para garantir a sustentabilidade das contas públicas e fomentar um ambiente propício ao desenvolvimento econômico e social do país.

Por Daniel Duque, gerente da Inteligência Técnica do CLP

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